Apresentação do banco digital de BRB e Flamengo: bancos buscam nova forma de patrocinar o futebol (Marcelo Corte/Flamengo/Reprodução)
Carolina Riveira
Publicado em 30 de agosto de 2020 às 07h50.
Última atualização em 30 de agosto de 2020 às 10h06.
Ao encerrar o vínculo de patrocínio da Caixa Econômica Federal com alguns dos principais clubes do Campeonato Brasileiro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse no ano passado que “é possível fazer coisas cem vezes melhores com menos recursos do que gastar com publicidade em times de futebol”.
Mas uma leva de bancos vem tentando ir além do modelo tradicional de patrocínios para provar que o marketing no futebol ainda vale os milhões empregados.
O exemplo mais recente vem de Brasília: após meses de idas e vindas, o Flamengo anunciou em julho o estatal Banco de Brasília, o BRB, como novo patrocinador máster.
O negócio de três anos, com potencial de prorrogação para cinco, veio após uma pequena novela. A negociação chegou a envolver a varejista americana Amazon, também interessada no espaço principal da camisa do clube. Fontes ouvidas pela EXAME apontam que, com a pandemia do coronavírus, a Amazon no Brasil hesitou em investir os valores pretendidos pelo Flamengo. Foi aí que o negócio com o BRB passou a avançar e a soar mais atrativo.
No fim, o contrato com o BRB chamou atenção do mundo dos negócios por outros motivos além das cifras bastante satisfatórias, de 32 milhões de reais por ano. O patrocínio envolveu também a abertura de um banco digital, batizado de Nação BRB Fla, e tenta fazer vingar uma empreitada em que tanto clube quanto banco serão sócios.
O patrocínio de times de futebol por bancos e o uso da imagem do clube para a abertura de contas não é novidade. O mesmo Flamengo já tinha como patrocinador máster o banco BS2, de Belo Horizonte, e, antes dele, a própria Caixa de Paulo Guedes.
Mas os porta-vozes de Flamengo e BRB não hesitam em classificar a parceria como “inédita no futebol brasileiro”. Isso porque o novo banco Nação BRB Fla terá distribuição igualitária dos lucros entre as duas partes, em vez de pagamento variável por número de contas abertas ou outros formatos usados atualmente no futebol.
“O contrato tradicional de patrocínio é alguém que paga para você colocar o nome dele na camisa. Mas a gente quis fazer diferente. Além de portar o nome um do outro, achamos que poderia existir uma sinergia”, diz o presidente-executivo (o CEO) do Flamengo, Reinaldo Belotti.
Um sinal dos tempos que estão por vir nos patrocínios futebolísticos no Brasil. Mesmo para o campeão mundial, fechar um patrocínio somente para estampar o logotipo da empresa na camisa já pode ter virado, de fato, coisa do passado.
Para chegar aos torcedores (e transformá-los em clientes), amplas ações de marketing devem ser cada vez mais frequentes. Em especial com os bancos, ganha tração por aqui uma espécie de mistura entre patrocínio tradicional e licenciamento de produtos, dizem os especialistas em marketing esportivo, que acaba por exigir dos clubes mais contrapartidas do que antes.
Já povoam as redes sociais uma série de contas bancárias “personalizadas” para a torcida. As parcerias vão desde o Banco Inter, patrocinador do São Paulo, ao BMG, patrocinador de Corinthians, Vasco e Atlético-MG. O Flamengo também fez com o BS2 uma conta digital e cartões específicos para os torcedores.
Para Gustavo Herbetta, fundador da agência de marketing esportivo Lmid e ex-executivo de marketing do Corinthians,
um dos erros do futebol nos últimos anos foi ter se colocado como veículo de mídia e vendido só a exposição -- o que o torna, literalmente, um competidor de nomes como o Facebook pelo orçamento de publicidade das empresas. "Acordo de patrocínio não é só visibilidade, é principalmente ativação, como relacionamento com o público", diz. "O futebol brasileiro está passando por essa mudança necessária, mais por exigência do mercado do que por iniciativa dos clubes."
Na parceria com o BRB, o Flamengo lançou a conta digital primeiro para os sócios-torcedores no fim de julho e, dias depois, para todos. A marca de 25.000 contas abertas foi batida em 21 de agosto, menos de um mês após o lançamento.
Nos primeiros 12 meses de negócio, a meta é abrir 500.000 contas, chegando no futuro a 1,5 milhão de contas. Outro objetivo é que o novo banco digital alcance sozinho lucro líquido acumulado de 500 milhões de reais no fim do contrato, em cinco anos.
“Aqui não é remuneração por venda de produto. O Flamengo é nosso sócio”, diz Paulo Henrique Costa, presidente do BRB. Uma equipe de Flamengo e BRB trabalha em conjunto no negócio, que conta também com um conselho e regras de governança. O contrato prevê ainda a possível criação de uma subsidiária e “eventualmente até mesmo um IPO”, diz Costa. O BRB estima um valor de mercado potencial do negócio em cerca de 2 bilhões de reais ao fim do contrato.
O Flamengo, vale lembrar, ganhou tudo o que podia em 2019. Foi Campeão Brasileiro, da Libertadores e do Mundial de Clubes. Nas finanças, ainda se sagrou nos últimos anos como um dos clubes mais financeiramente saudáveis no Brasil. O clube ainda é líder no Brasil e na América Latina em seguidores nas redes sociais — outro ponto que os modelos moderninhos de patrocínio esperam explorar.
Costa, do BRB, garante que, para o Flamengo, os ganhos na criação do banco digital “serão bem mais altos do que no modelo tradicional de patrocínio”.
Mas ainda que o novo modelo se mostre mais vantajoso, o fato é que a vida dos clubes ficou mesmo mais dura nos últimos anos. Além das mudanças no mercado de publicidade, pesou ainda a própria saída da Caixa do cenário.
“Megapatrocínios nunca foram fáceis de fechar”, diz André Monnerat, diretor de negócios da Feng Brasil. “Mas com a mudança de estratégia da Caixa, todos se viram com espaço vago na camisa ao mesmo tempo, em um momento de crise econômica. E os bancos digitais — basicamente todos novos entrantes no mercado — aproveitaram a oportunidade para usar o futebol como alavanca para tornar suas marcas conhecidas rapidamente.”
Algumas parcerias com empresas financeiras vem de anos. O patrocínio da Crefisa e da Faculdade das Américas (FAM) ao Palmeiras desde 2015 turbinou o time e trouxe resultados de marketing e aumento no número de clientes às marcas.
Já o banco Inter começou a patrocinar o São Paulo em 2017 e renovou o contrato neste ano. Há app e cartão exclusivo para os são-paulinos, além de ações nas redes do clube (como a que levou uma hashtag com o nome do banco aos trending topics do Twitter no dia da chegada do lateral Daniel Alves).
Outro banco regional patrocinador do futebol é o Banrisul, que banca ao mesmo tempo os rivais gaúchos Grêmio e Internacional e tem o chamado "Cartão da Dupla Grenal" — estilizado de azul ou vermelho, a depender do time do cliente. A solicitação nesse caso não é digital e precisa acontecer direto nas agências.
Bancos à parte, a própria Amazon que ensaiou um namoro com o Flamengo voltou às manchetes futebolísticas nas últimas semanas ao ser envolvida na negociação pelos naming rights da Arena Corinthians (que o clube tenta vender desde que construiu o estádio para a Copa de 2014, ainda sem sucesso). Novamente, parece não ter sido dessa vez que a americana fincou o pé no futebol. A imprensa reportou que o negócio foi fechado com a Hypera Pharma, dona da Neo Quimica (antiga patrocinadora do clube), mas as partes ainda não confirmaram.
Para Bruno Maia, fundador da agência de marketing e conteúdo 14 e ex-executivo de marketing do Vasco, a busca por formatos diversos de patrocínio e mais voltados a resultados variáveis tende a ser maior justamente entre as empresas digitais. “Definitivamente as marcas de produtos e serviços digitais têm mais facilidade de rastrear o caminho dos seus consumidores e, assim, terem mais assertividade sobre se aquele investimento no futebol trouxe resultado específico”, diz.
No BRB, Costa afirma que a decisão de patrocinar o Flamengo casou com dois desejos do banco: ampliar a digitalização e a atuação fora de Brasília.
Antes do futebol, o BRB começou a relação com o Flamengo no basquete, que patrocinou no ano passado. Além de conta digital e cartão de crédito, o BRB e o Flamengo planejam vender todo tipo de produto, como capitalização e seguros. O Banco de Brasília também ganhou, com o patrocínio, o direito em transacionar a folha de pagamento dos funcionários do Flamengo.
Outra das expectativas é ter cartões pré-pagos em diversos pontos de venda físicos. “Você vai encontrar pré-pago do Flamengo em farmácia, posto de gasolina, supermercado. Coisa que ninguém fez ainda”, diz o presidente do banco.
O foco do BRB é angariar, primeiro, o grande público de torcedores do Flamengo em Brasília e no Centro-Oeste, mas também correntistas de outras regiões. O banco digital com o Flamengo será, contudo, o primeiro já lançado pelo BRB, que não tinha conta somente digital até então.
Ao todo, o BRB fechou junho com 679.000 clientes e 134 agências. A maioria do público está no Centro-Oeste. No primeiro semestre de 2020, em meio à pandemia do novo coronavírus, o banco lucrou 205,5 milhões de reais, alta de quase 28% ante 2019.
Para além do futebol e do marketing, a parceria com o Flamengo é citada até no balanço do banco como uma das principais apostas de negócios do ano. Quando falou à EXAME, no começo de agosto, o executivo afirmou que o número de contas no banco digital já tinha superado todo o número de contas abertas tradicionalmente pelo BRB em todo o ano de 2020. “As lições aprendidas na digitalização do banco com o Flamengo vão contribuir para a digitalização do próprio BRB. Tem um legado importante para a gente”, diz Costa, que também trabalhou por mais de dez anos na Caixa.
O investimento milionário no Flamengo, na outra ponta, fez o Ministério Público enviar questionamento ao governo do Distrito Federal e ao BRB. O governador Ibaneis Rocha (MDB) é sabidamente flamenguista. Costa afirma que a solicitação do MP é “natural” como órgão de controle. “Vejo o movimento muito mais no sentido de entender”, diz. “Ao terem acesso à documentação, vão se debruçar sobre o potencial lucro e a geração de valor que o BRB vai ter com esse negócio.”
Seja qual for o objetivo das patrocinadoras, o casamento entre futebol e as métricas dos balanços só tende a aumentar com a crise do coronavírus — quando as empresas contaram cada centavo investido em seu marketing. Ainda assim, nem toda métrica pode ser acompanhada e muitas seguirão sendo subjetivas. Quanto vale ter aquele patrocinador como o foco da camisa de um time campeão?
Por ora, o casamento com os bancos de seguir sendo mais comum. É um setor que precisa como nunca aparecer em meio à concorrência acirrada e que tem mais potencial de pedir uma contrapartida clara, como a abertura de contas. "Fora os bancos, não vejo esse novo modelo [com produtos atrelados e maior ativação] acontecendo por aqui. Acho um bom caminho, mas toda a estratégia precisa ser muito bem casada", fiz Marcelo Palaia, professor da ESPM.
Não necessariamente um bom modelo precisa envolver um produto licenciado: um relacionamento com os torcedores e ações bem azeitadas entre patrocinador e clube -- lives expondo o patrocinador que atraiam os torcedores nas redes sociais ou ações de aproximação no dia-dia -- já seriam um avanço para tirar mais do patrocínio.
"Nada impede que outros segmentos apostem nos novos modelos de patrocínio, mas é mais fácil acontecer se tivermos casos claros de sucesso com essas iniciativas de bancos", diz Monnerat, da Feng.
O especialista avalia que é preciso que os dois lados tenham clareza do papel de cada um na empreitada e de quais métricas querem usar para medir o sucesso: se venda de produto, abertura de contas, engajamento ou lembrança do consumidor. "Se não for assim, as parcerias tendem a durar menos do que gostaríamos", diz.
Do BRB a Inter e BMG, os próximos anos deixarão claro o tamanho do potencial (ou da dificuldade) de usar os milhões de torcedores do futebol para lucrar e crescer. Está aberta a busca pelo formato ideal.