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Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h11.
No dia 2 de outubro, assim que o presidente do Comitê Olímpico Internacional, Jacques Rogge, anunciou que o Rio de Janeiro havia sido escolhido para sediar os Jogos de 2016, representantes da candidatura carioca irromperam em choro e abraços, enquanto um coro puxava os primeiros versos de Cidade Maravilhosa. Quem viveu os meses anteriores à decisão, anunciada em Copenhague, na Dinamarca, sabe que a reação dos brasileiros foi, provavelmente, o momento mais espontâneo de uma jornada que havia começado dois anos antes. Escaldados pela derrota nas duas tentativas anteriores, os representantes do Rio entenderam que para vencer a mais complexa e cara eleição esportiva do mundo era preciso uma estratégia eficaz, muita disciplina - e, talvez o mais complicado quando se trata de brasileiros, nenhum improviso. Para levar a Copenhague uma campanha com toques de profissionalismo empresarial, o Brasil contratou um pelotão de consultores internacionais com anos de convivência com a "família olímpica" para dizer exatamente o que deveria ser feito. Duas mil horas de ensaios, 1 000 horas de voo e 100 milhões de reais depois, ficou provado que ganhar o direito de fazer uma Olimpíada definitivamente não é tarefa para amadores.
A razão para tamanha disputa é muito clara. Sediar os Jogos Olímpicos é provavelmente a maior oportunidade de expor uma marca ao mundo - e atrair um incrível manancial de negócios. Os Jogos de Pequim, em 2008, foram assistidos na TV por 4,4 bilhões de pessoas. Empresas como Adidas, Coca-Cola e McDonald's pagaram 80 milhões de dólares cada uma para associar sua imagem ao evento. No Rio, estima-se que sejam arrecadados algo como 2,5 bilhões de reais com patrocínio, licenciamento de marcas e venda de ingressos. O investimento necessário para realizar os Jogos é estimado em 14,4 bilhões de reais - segundo um estudo da Universidade de São Paulo, até 100 bilhões de reais poderão ser injetados na economia brasileira. Se bem administrada, uma Olimpíada pode significar ainda a revitalização de uma metrópole, como ocorreu com Barcelona em 1992.
Uma das etapas cruciais da campanha brasileira foi a aproximação com os eleitores do Comitê Olímpico Internacional - um grupo de 106 personalidades de 75 países -, reis, rainhas, xeques e empresários multibilionários, além, é claro, de ex-atletas. "É uma gente que gosta de se sentir especial", diz o secretário-geral do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Carlos Roberto Osório. Para ganhar o voto desse pessoal, o comitê seguiu o exemplo do britânico Mike Lee, responsável pela campanha vitoriosa de Londres para os Jogos de 2012 e contratado pelo COB 18 meses atrás. Assim como ele fez na campanha londrina, foi montado um banco de dados com o perfil detalhado de cada votante - incluindo dados pessoais, aniversário de cônjuge e filhos, esporte preferido e hobbies. "Nessa eleição o que conta é relacionamento", afirmou Lee, em entrevista a EXAME. Ficou decidido também que, se o objetivo era fazer amigos e influenciar pessoas, o melhor seria não recorrer a lobistas profissionais. O próprio Carlos Alberto Nuzman, presidente do COB, e outros quatro executivos do comitê fizeram a maioria dos contatos com os eleitores. Para dar apoio nessa maratona de visitas, foram chamadas celebridades esportivas, como Pelé e a velejadora Isabel Swan.
O levantamento das preferências dos eleitores se mostrou um ativo valioso. Descobriu-se, por exemplo, que muitos membros do COI gostariam de ter alguns minutos de prosa com o presidente Lula, que, para sorte dos organizadores, é cabo eleitoral antigo da Olimpíada no Rio. Assim, a cada brecha na agenda oficial, o presidente encaixava uma audiência ou um evento para encontrar-se com eleitores olímpicos. Nos cálculos de Osório, nos últimos 12 meses pelo menos metade desses eleitores teve um papo com o presidente brasileiro - sempre com direito a tapinhas nas costas e pausas para foto. "Lula foi nosso maior cabo eleitoral. Ele é apaixonado pela causa e sempre esteve engajado. Não apareceu só no final", diz Lee. O efeito dos apoios de Lula, Pelé e do escritor Paulo Coelho - que jantou dias antes da decisão com as mulheres dos membros do COI - mostra que, assim como nas campanhas políticas tradicionais, nem sempre é nas reuniões de trabalho que se ganha o voto. Seguindo essa mesma lógica, em junho passado, o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, encarou um voo até Singapura para conversar por meia hora com o xeque do Kwait, Ahmad Al-Fahad Al-Sabah, presidente do Conselho Olímpico da Ásia, antes de seguir para uma agenda de negócios na China. Em duas ocasiões, membros do COB desviaram o caminho em viagens de trabalho para visitar eleitores que haviam passado por cirurgias. Num desses encontros, a mulher de um eleitor chorou ao abraçar o representante da Rio 2016, que havia levado flores para o doente na UTI de um hospital europeu. Ninguém, obviamente, mencionou a Olimpíada.
No front interno, o maior esforço dos consultores estrangeiros foi trazer eficiência e disciplina ao time da candidatura carioca. "Havia dúvidas se o Rio, com tantos problemas, seria realmente capaz de fazer uma Olimpíada", disse a EXAME o britânico Michael Payne, que trabalhou para a candidatura brasileira nos últimos dois anos. "Tivemos conversas bastante francas com os representantes do comitê para convencê-los de que, se eles realmente quisessem ser a sede dos Jogos, precisavam ser os melhores tecnicamente e adotar a disciplina dos anglo-saxões." Na década de 80, Payne se tornou conhecido por comandar a reestruturação que transformou a Olimpíada, então desacreditada e minada por conflitos geopolíticos, num dos eventos mais disputados do mundo. Ele percebeu que o argumento de levar os Jogos para uma fronteira inédita - a América do Sul - teria grande apelo junto aos eleitores do COI, sobretudo impulsionado pelo recente desempenho econômico do Brasil. Isso, porém, não seria suficiente - era preciso ter um projeto consistente. A solução foi contratar o australiano Craig McLatchey, ex-secretário-geral dos Jogos de Sydney, em 2000, para coordenar o trabalho de 20 consultores estrangeiros responsáveis por dar forma ao projeto técnico, que incluía soluções para questões como segurança, transporte e impacto ambiental.
Comunicar esse projeto de maneira convincente seria decisivo para a campanha. Por isso, o americano Scott Givens, ex-vice-presidente de entretenimento da Disney e responsável pela abertura e pelo encerramento do Pan em 2007, ensaiou mais de 50 pessoas para as apresentações diante dos membros do COI - de técnicos da prefeitura do Rio ao presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Até Lula, habitualmente adepto do improviso, teve de repassar suas falas. Givens planejou cada detalhe: da entonação aos gestos usados nas apresentações. Até a intensidade dos aplausos da delegação brasileira foi estudada. "Não podia ser empolgado demais para não ofender os membros do COI, nem muito desanimado que não passasse confiança", afirma o ministro dos Esportes, Orlando Silva. O segredo, para Givens, era fazer uma apresentação que equilibrasse o lado racional e o emocional . "Primeiro era preciso convencer a audiência de que o Rio estava pronto para os Jogos. Só depois a gente podia falar em praia e Carnaval", diz Givens. Assim foi feito. Dos 45 minutos da apresentação dos brasileiros em Copenhague, só os 15 finais foram dedicados à beleza do Rio e à alegria dos cariocas, retratadas nos filmes do cineasta Fernando Meirelles. Com o final da disputa, começa agora outro grande teste: provar que as promessas de campanha podem ser tão bem executadas quanto a própria campanha. A parte realmente difícil começa agora.