Franui: doce argentino de framboesa com chocolate faz sucesso nas redes sociais (Franui/Divulgação)
CEO da Ipsos no Brasil
Publicado em 25 de outubro de 2023 às 11h33.
Última atualização em 25 de outubro de 2023 às 11h52.
As marcas perderam o controle da narrativa, de seu processo de comunicação e da mensagem. Se em um passado ainda próximo as manifestações eram cuidadosas, planejadas, unidirecionais e previsíveis, todo esse fluxo se perdeu. São tantos exemplos, mas um caso recente me ajuda a explicar.
O Franuí, doce feito de framboesas congeladas cobertas por camadas de chocolate, é febre do momento. Seu criador, Diego Fenoglio, já foi até mesmo chamado pela revista "Forbes" de “o Willy Wonka argentino”.
Em apenas dois meses, foram simplesmente mais de 100 milhões de compartilhamentos da hashtag #franui, tornado o doce argentino um dos maiores fenômenos de crescimento no setor — fazendo a marca, muito em função da performance no Brasil, acabar de investir em mais uma fábrica.
O produto simplesmente desapareceu das prateleiras brasileiras, após viralizar no conteúdo postado por famosas tiktokers tupiniquins que conheceram a iguaria em Bariloche, terra natal do produto. O sucesso foi tanto, que já ultrapassou as fronteiras latino-americanas, e a chocolateria abriu lojas na Itália e na Espanha.
É possível ver a curiosidade crescente do público tanto nos gráficos do Google Trends como nas prateleiras vazias dos mercados que vendem essa sobremesa importada.
O caso é emblemático sob vários aspectos, mas queria chamar a atenção para como o Franuí, apesar do colossal componente fortuito, conseguiu acertar o timing mercadológico sincronizando ao momento peculiar dos jovens brasileiros:
- Contexto: em função de seu preço – em pesos, portanto mais acessível para os turistas que consumiam o produto e para os importadores –, a marca conseguiu se fazer acessível, mesmo com uma imagem de excelência e exclusividade, em um momento de dificuldades financeiras com produtos mais premium, como chocolates e snacks finos (vale ressaltar que o doce já estava sendo comercializado em reais por aqui também). Além disso, o produto se alinha ao contexto de saudabilidade, cada vez mais forte no mercado de snacks, nesse caso, com uma marcante presença de fruta, atenuando a grande pressão que este tema exerce sobre a categoria.
- Expectativas: pelo fato de sua origem, Bariloche, ser uma cidade conhecida pela tradição em chocolate, e por materializar uma inovação pela mistura com um ingrediente (framboesa) pouco popular no Brasil, conseguiu, mesmo antes de seu consumo, moldar as expectativas de seus consumidores, tornando-se uma opção exclusiva para que essa expectativa pudesse ser atendida. O fato de também estar na boca do povo, inclusive de famosos é um fator relevante para gerar todo esse buzz em torno do produto. Durante uma sessão do Senado Argentino, a vice-presidente, Cristina Kirchner, não se deu conta que estava com o microfone ligado quando perguntou que horas fechava a fábrica do Franuí. O fato repercutiu muito na imprensa argentina, moldando um interessasse orgânico pela iguaria que era relativamente desconhecida até então.
- Empatia: o Franuí passou a ocupar ‘espaço’ perceptual muito bem-vindo de indulgência, em tempos de pressões na saúde mental que podem ser minimizadas pela sensação de pequenos prazeres. Com isso, a marca conseguiu estar em um lócus perfeito com um produto empático às necessidades dos consumidores da contemporaneidade.
Aqui, a marca conseguiu atuar nos três pilares mais relevantes nos dias de hoje para o sucesso da marca. Esse é um bom exemplo de como o controle da narrativa não é mais exclusividade das marcas. Ele cresceu orgânico e espontâneo; foi dividido com as pessoas comuns, que, hoje, têm um peso muito grande nas redes sociais. Isso, porém, não significa que os profissionais de marketing vão cair em ostracismo. Significa que é preciso recalcular a rota. Para uma marca ser bem-sucedida, ela deve moldar ativamente as expectativas das pessoas, e isso só é possível se houver uma profunda compreensão sobre o mundo atual.
É indispensável ter em mente três pilares na hora de construir uma conexão com o público consumidor: contexto (como minha marca se encaixa no mercado em que ela atua?), expectativas (como minha marca pode fazer parte da experiência das pessoas?) e empatia (como as pessoas esperam que minha marca se posicione e atue em determinados assuntos?). Parece papo de coach, mas existe uma ciência por detrás disso.
Na Ipsos, chegamos a um modelo de rede neural que analisa os drivers de escolha de uma marca pelos clientes e ele passa por esses três pilares acima, cada um com o seu peso, mas que se retroalimentam. Entender o contexto tem mais da metade do peso que delinear as expectativas e agir com empatia. Mas um não é possível sem o outro.
É pelo contexto que as pessoas escolhem o que vão consumir. Por exemplo, em um estudo de Pesquisa & Desenvolvimento (R&D) sobre sucesso de marcas, rodada pela Ipsos em 4 mercados no mundo, 52% do peso da decisão por uma marca de streaming, por exemplo, é determinado pelo contexto. Para materializar, quando perguntados qual sua plataforma de streaming preferida, a menção mais frequente é Netflix. Entretanto, ao traduzir as diferentes ocasiões de uso, a resposta muda importantemente: se a ideia for ver um filme em casal, Netflix e Amazon Prime vêm à cabeça dos nossos entrevistados de maneira equivalente. Se o entretenimento for familiar, as escolhas mais citadas passam a ser a Netflix e o Disney+. Agora, se o consumo de conteúdo for secundário, para deixar rodando numa segunda tela, enquanto se faz outras tarefas, o YouTube reina sozinho. Ou seja, estamos muitas vezes fazendo as perguntas erradas – e sem conseguir entender propriamente o que está se passando nos mercados ou com as nossas marcas.
Delinear as expectativas, outro pilar, é baseado na ciência comportamental que sugere que o cérebro é uma grande máquina de fazer previsões. Ou seja, se tomar vinho X, o gosto será melhor que se tomar vinho Y – pelo menos na cabeça do consumidor, baseado em suas experiências sensoriais, emocionais e sociais.
Já a empatia visa uma compreensão total das pessoas, de seu contexto pessoal, necessidades e expectativas. Procurar por espaços em branco, não atendidos ou emergentes é uma chance de liderar uma conversa.
Em resumo, é preciso construir uma presença tão forte, que as pessoas não vão nem imaginar suas vidas sem o produto ou serviço da empresa que as cativou.
Os indicadores atuais mostram que as pessoas, enquanto consumidoras, seguem confiantes no contexto macroeconômico. Embora o Índice de Confiança do Consumidor da Ipsos tenha apresentado quedas nos dois últimos meses, o indicador permanece acima da linha de neutralidade, indicando um cenário otimista no consumo. Há 12 meses, a pontuação brasileira era 46,3.
Já enquanto cidadãs, as pessoas se preocupam cada vez mais com problemas sociais. Duas a cada cinco (43%) pessoas citam a pobreza & desigualdade como a principal mazela do Brasil de acordo com o nosso levantamento sobre as principais preocupações dos indivíduos em 29 países. Outra pesquisa Ipsos, o Índice de Equidade, mostra que as pessoas enxergam que a população LGBT+ (40%) e as mulheres (39%) são os dois principais grupos discriminados no país.
Marcas que souberem se alinhar a este contexto e traçarem estratégias para posicionarem seus produtos e serviços a fim de atender as necessidades das pessoas, no contexto atual, tendem a alcançar um sucesso muito mais efetivo e sustentável.
Um exemplo disso é a Stella Artois, marca de cerveja da Ambev que criou recentemente a campanha ‘Unconfortable Food’, abordando o problema da discriminação feminina no ambiente trabalho no setor gastronômico, visando transformar desconfortos enfrentados pelas mulheres em menus. O projeto integra a iniciativa ‘Juntas na Mesa’, plataforma de transformação social de longo prazo criada pela marca para promover a equidade de gênero na gastronomia, aumentando o protagonismo das mulheres e fomentando o empreendedorismo feminino.
Outro case também da Ambev é o da água AMA. Hoje, no Brasil, 35 milhões de pessoas não têm acesso à água potável. Visando diminuir essa desigualdade, a empresa destina 100% do lucro de da água AMA para projetos que levam infraestrutura para comunidades e localidades de maior vulnerabilidade. Uma ação que une os três pilares essenciais para o sucesso de marca: a empresa agindo com empatia, atendendo às expectativas das pessoas de que as marcas se envolvam em causas sociais e se alinhando ao contexto do país para tratar de um problema estrutural importante.
Outra marca que entendeu a importância de endereçar uma necessidade de contexto, no caso o tema de segurança, é o Bradesco. O banco anunciou que vai utilizar a nova ferramenta do Google Cloud, que usa inteligência artificial e machine learning, para ajudar a identificar lavagem de dinheiro e operações fraudulentas.
Estar atento ao contexto nunca foi tão relevante. Atender às expectativas nunca foi tão demandado. Agir com empatia nunca foi tão transformador. O sucesso é apenas uma consequência inevitável desta equação.
Fiquei com vontade de experimentar o tal Franuí, e pedi para a maior expert em TikTok que conheço, minha filha primogênita, que procurasse mais informações. –“Ah, aquela marca que vem com bicho?”, foi a resposta. Bastou uma nova busca, para entender a referência: após o incrível aumento em sua procura, diversos dos vídeos de unboxing e experimentação que ajudaram a iguaria a se tornar um dos maiores fenômenos do consumo recente no país revelaram a presença de insetos nos recheios de frutas. E foram várias ocorrências – a marca acabou não cumprindo as promissoras promessas que fazem as empresas bem-sucedidas...Vale acompanhar agora com eles vão lidar com toda esta repercussão.
Aqui deixo uma reflexão: nunca estamos 100% no controle do que acontece com nossas marcas. Assim como o sucesso pode surgir inesperadamente, ele pode ir embora se a marca não se preocupar em tornar esse êxito em algo sólido e duradouro. Por isso, mas do que nunca os três pilares pelos quais passei no longo deste texto se fazem fundamentais. Se agirmos compreendendo o contexto de nossos consumidores, se conseguirmos delinear as suas expectativas, para que possam ser atendidas com o que genuinamente temos para oferecer, e se nos conectarmos com empatia com as pessoas, teremos certamente dado um grande passo em direção ao nosso sucesso. Um sucesso real e sustentável.