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Agora é concorrência total

Na disputa pelo bolso do consumidor, os competidores mais agressivos podem vir de onde as empresas menos esperam

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 09h54.

Não muito tempo atrás, concorrência era um termo bem definido no mundo dos negócios. Não era preciso fazer muito esforço para saber quem eram os concorrentes de uma montadora de automóveis, de uma construtora de prédios de apartamentos ou de um restaurante de comida rápida. Se um executivo da GM quisesse ter sucesso, bastava derrotar Volkswagen, Fiat ou Ford. Para o dono da construtora Tecnisa, era suficiente deter empresas como Gafisa e Inpar, algumas de suas principais rivais. Já o franqueado do McDonald's precisava se preocupar com outras lanchonetes e restaurantes por quilo da vizinhança ou, no máximo, com uma ou outra padaria que entrasse no ramo de comida rápida. Nos últimos anos, porém, a concorrência tornou-se um fenômeno muito mais complexo.

No atual cenário, produtos e serviços não brigam apenas com outros da mesma categoria. Em última análise, o que realmente interessa é a disputa por uma fatia do bolso do consumidor. A panóplia de escolhas à disposição dos compradores é tão ampla que, na prática, hoje todos brigam contra todos. É GM contra Tecnisa, McDonald's contra Telefônica, o restaurante por quilo contra Microsoft. Bem-vindos à era da concorrência total.

A renda per capita do brasileiro cresceu 5% nos últimos cinco anos

Há duas razões para a emergência desse fenômeno. A primeira não é nova. Trata-se, inclusive, de uma constatação bastante simples. Como o bolso do consumidor tem um limite -- nos últimos cinco anos a renda per capita cresceu algo como 5% no Brasil -- , ele é obrigado a fazer escolhas. Compra um celular ou um brinquedo para o filho no Dia das Crianças? Investe num plano de previdência privada ou arca com a prestação de um imóvel? Presenteia a filha que entrou na faculdade com um carro ou com um notebook? Se gastar dinheiro com uma opção, faltará para a outra. Nada mais lógico, portanto, que as empre sas se preocupem com o gasto do consumidor de maneira global e que encarem como concorrente qualquer entidade que tire dinheiro do bolso dele -- até a Receita Federal. Mas a segunda razão para a irrupção da concorrência total, absolutamente nova, é a verdadeira explosão de opções, na forma de produtos e serviços inéditos, provocada pela inovação tecnológica e pelas comunicações, que avançam a uma velocidade sem precedentes. "Em menor grau, o fenômeno já existia", afirma Cynthia Zaclis Rabinovitz, professora da Business School São Paulo. "Mas o avanço da tecnologia acelerou muito o processo." Num mundo de telas planas, lan houses e celulares sofisticados, o consumidor tem escolhas de compra numa quantidade jamais vista.

Inversão de jogo
Em 1997, as receitas das montadoras no Brasil somaram 30 bilhões de
reais

o dobro das operadoras de telefonia
Em 2003, as telefônicas faturaram 24 bilhões de reais
41% acima das montadoras

Antes, um executivo treinado para pensar na concorrência por meio de categorias fixas podia dar-se ao luxo de esperar as inovações ganharem corpo e constituírem mercados de vulto, até surgirem no seu radar como rivais. Não mais. As categorias ainda são uma espécie de mal necessário, importantes para dar às empresas alguma medida sobre seu sucesso, mas são freqüentemente deslocadas pela velocidade do ambiente de negócios. "Na Unilever, os executivos já são ensinados a encarar a prestação da Casas Bahia como concorrente do sabão em p", afirma o executivo Laércio Cardoso, que deixou a Unilever no Brasil para ser diretor da empresa na Índia. Tome ainda o exemplo dos planos de previdência, que já têm mais de 6,2 milhões de participantes -- quase o dobro do número registrado cinco anos atrás. Em média, as contribuições mensais giram em torno de 300 reais. "Muita gente que no passado investia em imóvel para a aposentadoria agora investe em planos de previdência", diz Osvaldo do Nascimento, presidente da Associação Nacional de Previdência Privada. Por tabela, as instituições financeiras acabaram se tornando concorrentes das construtoras. "Meu problema não são competidores como a Gafisa ou a Cyrela", afirma Romeo Busarello, diretor de marketing da construtora Tecnisa. "São os planos de previdência privada do Itaú e da AGF."

Apesar de sentir a competição, o executivo não é capaz de dizer quantos imóveis deixa de vender por causa da concorrência com os planos de previdência. E não é o único. A maioria das empresas ainda não preparou estratégias para se defender. "Muitas nem perceberam a mudança no conceito de concorrência", afirma Ana Claudia Fioratti, diretora da LatinPanel, instituto que pesquisa hábitos de consumo. O fenômeno é tão novo que não há estudo consolidado sobre o tema, embora ele seja cada vez mais fundamental para a sobrevivência das empresas. Especialistas afirmam que os setores nos quais a concorrência total está mais presente são aqueles em que a inovação é maior.

Nenhum produto pôs a antiga ordem tão em xeque quanto o celular. "Ele mudou a dinâmica do mercado", diz o consultor Fernando Fernandes, da Booz Allen Hamilton. Com o passar do tempo, o celular deixou de ser apenas um objeto de desejo para se tornar uma despesa fixa na vida do consumidor. "Muita gente que antes podia encarar a prestação de um carro hoje gasta em TV a cabo, internet e, principalmente, celular", diz Sérgio Habib, presidente da Citroën do Brasil. Na Vivo, a maior operadora de celular do país, os clientes podem baixar jogos, receitas de culinária e até trailers de filmes de Hollywood. A venda de toques de celular com base em trechos de músicas conhecidas não pára de crescer. Em 2004, os usuários da Vivo fizeram mais de 300 000 downloads de um toque inspirado numa música do conjunto mineiro Skank. No mesmo período, o grupo vendeu 120 000 CDs. Hoje, os melhores celulares já são também um aparelho de música portátil, como o iPod, da Apple.

Aos poucos, a linha divisória que separa o celular de outras formas de entreteni mento vai desaparecendo. "Quando olho para a Sony, ora vejo um concorrente, ora vejo um cliente", diz Luís Avelar, vice-presidente de marketing e inovação da Vivo. Para tentar conquistar o bolso do consumidor, a Vivo mantém uma equipe de 40 pessoas que só fazem pensar em inovações que gerem receita. E outras empresas também tentam competir na área das operadoras. No final de 2004, a Mattel, fabricante da boneca Barbie, lançou uma versão em que o produto vem acompanhado de um aparelho capaz de enviar mensagens de texto. A Estrela, que produz a Susi, fechou uma parceria com a Vivo e colocou no mercado uma boneca com um celular de brinquedo que funciona como uma espécie de walkie-talkie. "Como o celular virou um objeto de desejo da criançada, a saída foi incorporar alguns elementos aos brinquedos", diz Aires José Leal Fernandes, diretor de marketing da Estrela.

Entenda a concorrência total
Veja como empresas de diferentes setores disputam o bolso
do consumidor



Bancos
Planos de previdência privada
Montadoras
Prestação do automóvel
Redes de TV
Mensalidade da TV paga
Alimentação
Contas de restaurante
Telefônicas
Download de música no celular
Entretenimento
Compra de CDs
Moda
Compra de roupas
Saúde
Mensalidade da academia de ginástica
Ensino
Mensalidade escolar
Construtoras
Prestação da casa própria

Como reagem as empresas quando um concorrente surge de onde menos esperam? Para a Kodak, que viu o mercado de fotografia ser invadido pelos celulares com câmera, a saída foi aprender com o intruso. A primeira lição foi que também é possível para a empresa invadida entrar em novos mercados. Desde o início da década, a Kodak resolveu atacar o mercado de impressão de imagens. "Até 2007, devem existir 1 bilhão de celulares com câmeras fotográficas em todo o mundo", diz Richard Boyes Ford, diretor da linha de câmeras digitais da Kodak para a América Latina. "Ao entrar no mercado de impressão, também participamos desse jogo."

A segunda lição, válida principalmente para mercados de baixa renda, diz respeito diretamente ao bolso do consumidor. Se o objetivo é tirar dinheiro dele, é fundamental tentar facilitar a compra por meio de estratégias financeiras. Em outubro de 2004, a Kodak implementou um sistema de financiamento para revendedores que prevê o parcelamento das máquinas em até dez prestações -- desde que a vantagem seja repassada ao consumidor. O efeito foi imediato: no primeiro mês de funcionamento do sistema, a venda de câmeras digitais aumentou 600%.

A terceira lição na conquista do bolso do consumidor é tentar transformar produtos, cuja compra é pontual, em serviços, que se convertem em receitas contínuas. Os executivos da Multibrás, por exemplo, formaram uma equipe para pensar em possibilidades de crescimento. Sob a orientação da consultoria Strategos, do americano Gary Hamel, surgiu um novo negócio: a locação de purificadores de água. "A sacada foi conseguir estabelecer um relacionamento de longo prazo com o consumidor", afirma Emerson Valle, diretor da Multibrás. Ao optar por um modelo que pressupõe um pagamento mensal por um contrato de prestação de serviço, a Brastemp se torna uma despesa fixa. Ainda é cedo para saber se iniciativas como essa vão prosperar. Ou quanto os fabricantes de brinquedos podem resistir ao avanço dos celulares. É inegável, porém, que a concorrência tradicional faz parte do passado.

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