IA: É essencial para desenhar um futuro onde tecnologia e humanos colaboram e dependem um do outro. (d3sign/Getty Images)
Colunista
Publicado em 28 de março de 2024 às 15h36.
Última atualização em 28 de março de 2024 às 15h43.
Nossa geração foi acostumada a experimentar o progresso de forma gradativa. Assim ocorreu com os modelos originais de carros, computadores, eletrodomésticos, e tantas outras tecnologias presentes no dia a dia das pessoas e corporações. Essa realidade não existe mais. A evolução tecnológica ocorre de maneira exponencial, e as nossas decisões hoje nunca tiveram um efeito tão grande – e irreversível – em nosso futuro.
Quando falamos de IA (Inteligência Artificial), esse efeito é ainda mais alarmante. Isso porque a IA vem aprimorando suas capabilidades de 5 a 10 vezes por ano. Isso significa que, em 5 anos, poderemos experimentar modelos até 100.000 vezes mais capazes do que aqueles disponíveis hoje. Portanto, é possível presumir que o que produzimos hoje em 6 meses através da IA, poderemos produzir em menos de 1 hora em 2029.
Assim sendo, daqui a 5 anos, as deficiências que atualmente encontramos no uso da IA provavelmente estarão superadas, e as organizações que não tiverem se adequado a tempo de acompanhar os novos níveis de eficiência, custo e produtividade das empresas de vanguarda, enfrentarão enormes desafios para se manterem competitivas.
Nesse contexto, como líderes, a pergunta que precisamos fazer não é se ou quando devemos nos preparar para a IA. Só há uma resposta: sim e agora! A pergunta a se fazer, e a qual pretendemos endereçar aqui, é como? Como fazermos da IA parte de nossas organizações, a ponto de extrairmos dela, e de nossos times, todo o seu potencial?
IA como nova dimensão da inteligência
Embora aparente, a pergunta acima de nada tem de elementar. Isso porque a IA não é apenas uma ferramenta para a qual recebemos treinamento de técnicos experientes e integramos a nossa rotina através da adoção de novos fluxos e processos. A IA é uma maneira diferente de pensar, que vem se aprimorando, em um processo simbiótico com o pensar humano.
Nesse sentido, Silvio Meira, em uma brilhante entrevista publicada no Brazil Journal, classifica a IA como “uma nova dimensão da inteligência” e explica que as empresas e líderes que continuarem tratando-a como um simples conjunto de plataformas de tecnologias não irão sobreviver.
Como sabemos, o raciocínio humano pode ser classificado de três formas: dedutivo, indutivo e abdutivo. De posse desses conceitos, em evento promovido pela Saint Paul Escola de Negócios, o Prof. Alexandre Fialho fez interessante abordagem, comparando a performance da IA com a do ser humano em diferentes ambientes. Segundo ele, a IA é imbatível em ambientes controlados, onde o conhecimento é processado através dos sistemas de dedução e indução.
Como modelo de predição, a IA se alimenta de informações disponíveis no campo da existência, limitando seu processo criativo ao universo já materializado, ainda que mediante método de transformação.
Por outro lado, a IA não tem a capacidade que o humano tem de imaginar, de criar algo completamente novo, de se valer da arte da abdução, sendo o pensar humano a principal fonte pela qual a IA recebe, treina e aprimora sua capacidade de gerar novo conhecimento e produzir informação.
Em outras palavras, a IA tende a superar os humanos em tarefas que requerem processamento de grandes volumes de dados e padrões, com incrível capacidade de busca, assimilação e transformação do conhecimento existente.
Entretanto, é o raciocínio humano que brilha ao enfrentar o desconhecido, fazer conexões criativas e aplicar julgamentos éticos, necessários quando trafegamos em ambientes complexos. Entender essas forças complementares é essencial para desenhar um futuro onde humanos e IA colaboram e dependem um do outro para alcançar, juntos, todo o seu potencial.
Desta feita, aderir à IA não significa simplesmente adotar uma nova tecnologia, mas desenvolver um novo mindset, que demanda uma nova cultura e uma nova estrutura em nossas organizações.
Está claro que a adoção da IA não é uma opção, mas uma necessidade estratégica para permanecermos relevantes em um mercado cada vez mais competitivo. É preciso disseminar essa mensagem e a tornar uma realidade compreendida em todos os níveis da corporação.
A trajetória rumo à adoção da Inteligência Artificial como nova dimensão da inteligência humana se inicia, pois, através da conscientização a respeito da importância de uma cultura de inovação contínua.
Para tanto, além de uma boa estratégia de comunicação, o ideal é que trabalhemos com nossos times de maneira dinâmica e integrativa, através de programas de treinamento, workshops e desenvolvimento de projetos, tendo por objetivo familiarizá-los com o uso da IA, seus benefícios, e educá-los a enxergá-la como um grande parceiro.
Nesse processo de educação, que deve ser contínuo, é crucial que todos entendam o valor da IA não apenas como ferramenta de melhoria de eficiência operacional e capacidade de tomada de decisão, mas como uma extensão de sua capacidade criativa.
Sabemos que a IA pode ser vista como uma ameaça, mas com esse tipo de abordagem é possível transformarmos a hesitação em entusiasmo. Nossos colaboradores não devem ter medo de serem substituídos pela IA, mas sim, por humanos que entendem e se relacionam melhor com a IA.
Importante termos em mente que a implementação de uma nova cultura depende da assimilação genuína da missão, dos propósitos e dos valores que lastreiam os objetivos da empresa. É fundamental que todos se sintam como parte da decisão de seguir por um novo caminho, e gerem, dentro de si mesmos, a necessária motivação para aderir à IA.
Sempre defendo que, como líderes, devemos fomentar em nossos times a sensação de pertencimento, independentemente da hierarquia e de seu papel dentro da organização. Os resultados tendem a ser muito positivos, as pessoas se engajam de verdade naquilo que acreditam.
Além da cultura, a parceria entre humanos e IA exige uma reavaliação da estrutura organizacional. Isso inclui a criação de equipes multidisciplinares com habilidades em ciência de dados, ética em IA e gestão de mudanças. Tais equipes são cruciais para identificar oportunidades de integração da IA e garantir que sua implementação seja eticamente responsável e alinhada com os valores da empresa.
Ademais, é importante revisitar o tradicional conceito de divisão da organização em departamentos. A maioria das corporações ainda privilegia o conhecimento especializado e a contratação de experts para a realização de determinadas tarefas. Ocorre que muitas dessas tarefas serão, sim, substituídas pela IA. O que fazer nesse cenário?
Em sua palestra no SXSW de 2024, Ian Beacraft sugere que os especialistas sejam substituídos pelo que chama de “generalistas criativos”. Pessoas com repertório ampliado, capazes de transitar em diversos temas e disciplinas, e de usar a IA para aprofundar e transformar tal conhecimento, ampliando os horizontes.
Nossos times não estão prontos, na verdade, ninguém está 100% pronto para a IA. Será necessário desenvolvermos tais profissionais, transformarmos nossa equipe em um time de generalistas criativos, incentivando a troca de conhecimento, de informações, e a colaboração recíproca entre as diversas áreas.
Quanto antes iniciarmos o processo de educação e preparação, maior a chance de mantermos e maximizarmos o potencial de nossos colaboradores. Como gestores de mudanças, é comum nos depararmos com o dilema entre desenvolver pessoas ou substituí-las. Minha experiência me ensinou a privilegiar o desenvolvimento de talentos, investir em pessoas com potencial e vontade de crescer é uma opção que geralmente traz bons resultados e excelentes surpresas.
Nesse processo, é imprescindível valorizar os softskils de nossos liderados, e não apenas o seu conhecimento técnico. Empatia, generosidade, flexibilidade e paciência, além de inteligência emocional e capacidade de lidar com conflitos, são qualidades desejadas em projetos de transformação.
Os profissionais devem estar realmente dispostos a mudar, e devem direcionar suas habilidades de modo a criar um ambiente propício ao compartilhamento de experiências e conhecimento, além de desenvolver uma compreensão básica de como usar a IA para aprofundar-se em temas fora de seu domínio.
São infinitas as oportunidades que a IA nos traz, mas não podemos deixar de nos atentar aos seus perigos. Na medida em que essa se tornar uma ferramenta cotidiana, teremos que lidar com implicações éticas, incluindo preconceitos e erros, ainda possíveis mesmo em um modelo mais evoluído que o de agora.
É fato que os desenvolvedores estão cada vez mais preocupados em incorporar os valores humanos à IA, não apenas como um preceito regulatório, mas, também, como um diferencial de seus produtos. Como líderes, além de valorizarmos esse cuidado na escolha do sistema a ser integrado a nossa organização, é fomentar uma cultura de transparência, onde os liderados são encorajados a questionar e reportar falhas na IA.
Por fim, é imprescindível acompanharmos de perto a evolução pessoal de nossos liderados, de modo a nos certificarmos de que o auxílio da IA não venha a desestimular sua busca por crescimento, abafando, ao invés de potencializar, a sua capacidade criativa.
O tema é tratado em recente artigo publicado na edição de março do Harvard Business Review: “Don´t let Gen AI Limit Your Team´s Creativity”, alertando para o risco de que uma concepção equivocada sobre o uso da IA na solução de problemas e no processo criativo está levando profissionais e líderes a usá-la de forma inapropriada, resultando, por vezes, em um trabalho pior do que aquele que seria gerado sem o auxílio da IA.
Na sequência, são propostas ações mitigadoras, algumas já abordadas aqui, tais como ser preciso acerca do problema que se pretende resolver, estimular o brainstorm sem o uso do IA e treinar a IA rigorosamente antes do produto final. A mais importante de todas: não usar a IA como um “oráculo”, mas como um parceiro de conversação.
O uso da IA precisa ser visto como uma ferramenta para ampliar, e não substituir, o pensamento crítico, analítico e criativo dos nossos colaboradores. Como já dissemos, o humano supera a AI em ambientes complexos, e a complexidade reina em nossos negócios.
É essencial promovermos uma atmosfera onde a curiosidade e a experimentação são valorizadas, e garantirmos ambientes psicologicamente seguros para a sua manifestação entre os mais diversos níveis da organização.
A jornada para integrar a IA nos negócios é difícil, mas imensamente gratificante. Ao promover uma cultura que valoriza tanto a inovação tecnológica quanto as qualidades humanas únicas, líderes podem guiar suas organizações de modo a atingirem o sucesso de maneira sustentável, mantendo-se competitivas a longo prazo em um cenário inerentemente disruptivo. Quem sair na frente agora estará à frente no futuro, isso é fato.
Aqueles que abraçarem essa mudança não apenas tendem a impulsionar a produtividade e competitividade de seus times, mas também pavimentar o caminho para que a colaboração entre humanos e máquinas desbloqueie potenciais inexplorados, e estabeleça o aprimoramento contínuo de suas capacidades. A chave é encontrar o equilíbrio certo, onde a IA amplie as capacidades humanas, e não as substitua.