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Índia é novo queridinho dos emergentes, mas Brasil tem histórico para atrair capital de longo prazo

Por que a comunicação e a persistência são essenciais para atrair capital de longo prazo e aproveitar as oportunidades advindas da redução do ritmo de investimentos na China?

Os investidores estrangeiros consideram o câmbio como o maior fator de risco do Brasil. (Getty Images/Divulgação)

Os investidores estrangeiros consideram o câmbio como o maior fator de risco do Brasil. (Getty Images/Divulgação)

Cesar Collier
Cesar Collier

Colunista

Publicado em 21 de março de 2024 às 10h00.

O mundo dos investimentos pode ser categorizado de diversas formas, mas uma simplificação válida é distinguir entre ativos públicos, como debêntures, instrumentos padronizados de renda fixa e ações - facilmente adquiridos com um simples clique - e ativos privados.

Dentro dessa última categoria, destaca-se o universo do Capital Privado, que já representa US$ 15 trilhões (R$ 74,71 trilhões) em ativos sob gestão no mundo e tem uma grande oportunidade de ganhar ainda mais relevância no Brasil.

Essa indústria abrange diversas categorias, sendo as mais comuns o Private Equity e o Venture Capital, dedicados ao crescimento de empresas, negócios inovadores, infraestrutura, imóveis e energia. O retorno geralmente se concretiza quando “as estrelas” se alinham e o gestor de Private Equity consegue:

  1.  Escolher a empresa certa;
  2.  Acertar no preço e/ou estrutura de entrada, muitas vezes descontado em relação ao valor de empresas semelhantes na bolsa, dada a falta de liquidez;
  3.  Acertar ou implementar uma equipe de gestão eficaz;
  4.  Minimizar os impactos de fatores econômicos;
  5.  Encontrar uma saída estratégica por meio de abertura de capital ou venda para empresas semelhantes;
  6.  Sobreviver, navegar ou até prosperar em meio ao ambiente empresarial, jurídico e político do país investido.

Nos Estados Unidos, onde o Private Equity tem a maior participação global, já atingindo US$ 5,6 trilhões (R$ 27,64 trilhões) de dólares investidos, esses fatores em favor do Private Equity estão mais presentes do que em outros países. Essa classe de ativos tem proporcionado retornos superiores, com um índice médio, considerando safras de 2014 a 2019, de 20% ao ano, em comparação com, aproximadamente, 12% ao ano da bolsa americana no mesmo período.

Mas, como estão se saindo nossos pares emergentes? Nos mercados emergentes, a China foi, por anos, o destino preferido dos investidores internacionais, devido ao seu elevado crescimento econômico, talento intelectual e alto índice de inovação. Durante anos, quando se pensava em investir em Private Equity nos mercados emergentes, a China era quase a única escolha dos investidores internacionais. Entre os anos de 2016 e 2021, a China atraiu US$ 440 bilhões (R$ 2,2 trilhões) nessa e em categorias adjacentes, metade de todo o capital destinado aos emergentes em todo o mundo.

Entretanto, o governo chinês interveio em diversas empresas investidas, gerou tensões geopolíticas com outros países e dificultou a saída dessas empresas das bolsas fora da China. Como consequência, os investimentos nos últimos dois anos caíram 30%. O grande beneficiário dessa situação foi a Índia, que aumentou em 34% a atração de capital privado.

A Índia possui uma das economias de crescimento mais acelerado no mundo, vasto conjunto de talentos em destaque, propensão para novas tecnologias, ambiente regulatório em desenvolvimento e uma enorme necessidade de investimentos privados. No entanto, essas características garantem, por si só, retornos? Vejamos, a Índia possui 22 línguas oficiais, e a unificação de negócios nacionais não é tão simples. O valor das empresas na Índia também é 2,7 vezes maior em comparação com empresas similares no Brasil, medido pelo múltiplo de lucro da bolsa indiana versus o Ibovespa, por exemplo. Vale destacar, ainda, que a Índia tem 6 bolsas de valores e mais de 7.500 empresas listadas (considerando somente as duas maiores bolsas de valores), muitas delas "pulam" a etapa do Private Equity e vão diretamente para a bolsa.

Observando o restante dos emergentes, países como Indonésia, Tailândia, Vietnã e Malásia também estão se beneficiando da saída de capital da China. Contudo, esses países são menores, com um número significativamente menor de gestores e empresas em comparação com a Índia e o Brasil. Próximo ao Brasil, o México está recebendo um volume recorde de investimentos estrangeiros com o tema de onshoring (trazer as fábricas para próximo dos EUA).

Ao olharmos para economias grandes, com população superior a 200 milhões, similaridade cultural com os investidores, que apresenta reformas estruturais, um vasto universo de empresas e grande necessidade de investimentos, temos o Brasil na liderança.

Antes de discutirmos as medidas necessárias para não perder essa grande oportunidade de atrair capital de longo prazo, é importante analisar como o Private Equity tem se comportado no Brasil nos últimos 20 anos, o que não tem sido fácil.

Quando o Private Equity ganhou mais destaque no Brasil, nossa taxa de câmbio estava próxima ou abaixo de R$ 2 para cada dólar (2012-2013). Desde então, enfrentamos uma grande desvalorização, prejudicando os retornos dos investimentos locais, que precisam ser devolvidos em dólares.

Os investidores estrangeiros consideram o câmbio como o maior fator de risco do Brasil. Além das questões cambiais, passamos por uma recessão, um impeachment, a operação Lava Jato, má gestão dos recursos ambientais, a pandemia de Covid-19 e o consequente aumento da inflação e das taxas de juros.

Também foi comum para os gestores de Private Equity enfrentarem desafios relacionados à governança nas empresas investidas. Isso gerou conflitos e, muitas vezes, a necessidade de troca de gestão, atrasando ou, até, impedindo o sucesso da empresa.

No ambiente de negócios, enfrentamos mudanças tributárias, alterações nas regras regulatórias, elevação expressiva na taxa de juros com subsequente piora nas linhas de crédito, além de frequentes ruídos de natureza política.

Como resultado, o Brasil foi definido pelos investidores internacionais como algo exótico, difícil e distante, e os números confirmam isso, com nossa captação caindo 34% no período 2023-2020 versus 2011-2009, de US$ 8,7 bilhões (R$ 43,33 bilhões) para US$ 5,8 bilhões (R$ 28,89 bilhões).

O país enfrentou uma verdadeira corrida de obstáculos e isto é levado em consideração na alocação de capital pelos grandes investidores globais, especialmente os fundos soberanos, fundos de pensão, endowments (fundos de universidades), seguradoras, fundações e grandes famílias. Contudo, o Brasil é vasto, resiliente e admirável.

Mesmo com todas as dificuldades, nosso país possui diversos gestores que não apenas sobreviveram, mas também apresentaram bons retornos, tanto em moeda local quanto em dólares. Então, podemos fazer mais? Como atrair capital de longo prazo e aproveitar as oportunidades advindas da redução do ritmo de investimentos na China?

Com experiência de mais de uma década levantando capital para investimentos no Brasil, acredito que a resposta está na comunicação e persistência. A indústria de Private Equity local precisa levar à comunidade de investidores internacionais os seguintes recados sobre o mercado local:

a) Nossos gestores e empresários estão mais maduros e aclimatados com o Private Equity;

b) O país possui uma grande quantidade de empresas aptas a receber investimentos - muitas delas com baixo endividamento, em comparação com empresas americanas, e o preço de entrada significativamente abaixo dos países desenvolvidos e da Índia;

c) O país melhorou a legislação para investidores estrangeiros. Além disso, no âmbito institucional e governamental, é fundamental não só comunicar o avanço que tivemos e o que alcançamos no que tange a estabilidade inflacionária, estabilidade cambial, crescimento econômico, crescente atenção para questões ambientais, e destacar nossas grandes reformas recentes (mesmo as implementadas por governos anteriores), como a previdenciária, tributária, trabalhista, independência do Banco Central e privatizações;

d) Existe uma perspectiva de melhora nas janelas de saída, como a possibilidade de novas aberturas de IPOs;

As chances de o Brasil voltar ao ranking dos 5 maiores destinos de capital de crescimento são reais e dependerão de nossa habilidade em comunicar a magnitude da oportunidade atual, aproveitando o impulso positivo que o restante do mundo pode nos proporcionar por mais uma vez estarmos posicionados e sermos vistos como “a bola da vez”.

 

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