Cabe ao gestor oferecer tempo significativo na entrevista para o entrevistado fazer perguntas. (chartchaik1/envato)
Colunista
Publicado em 16 de agosto de 2024 às 15h00.
O candidato chega para a entrevista, cumprimenta o entrevistador e, após os cumprimentos e apresentações iniciais, toma a iniciativa, dirigindo-se ao dono da vaga:
- Obrigado pela oportunidade. Estou buscando um gestor que me desenvolva, me prepare para meu próximo passo de carreira, seja bom em dar feedbacks e não faça “micro gestão”. Poderia me dar dois exemplos recentes de como feedbacks dados melhoraram a performance da sua equipe? E poderia, também, me dizer como você cria confiança entre seus liderados?
Parece um mundo invertido. Eu, mesmo, nunca soube de um diálogo assim em entrevistas de emprego. Possivelmente, o entrevistado seria tratado como abusado e petulante. Mas, não deveria.
Perguntas assim não acontecem às claras, afinal, o poder de decisão normalmente pende para o lado do recrutador, mas elas ocorrem nos bastidores. Sim, os entrevistados pesquisarão sobre a empresa e sobre o dono da vaga, mas a etiqueta do recrutamento parece não permitir um cenário aberto.
É verdade que no momento do recrutamento é comum termos um funil enorme com grande volume de candidatos por vaga. E esse desequilíbrio se reflete no tempo de entrevista para cada lado. Mas, depois que o candidato vira empregado, a performance da equipe passa muito pela química e pela confiança entre líder e liderado.
A relação fica mais equilibrada. Espera-se, então, que a dupla funcione harmoniosamente. A responsabilidade é de ambos, mas, na realidade, apenas um teve chance de, de fato, entrevistar e se aprofundar no perfil do outro.
O entrevistador teve à mão teste psicológico, opiniões de pares, de especialistas de RH (Recursos Humanos), de headhunters. O entrevistado confiou no seu instinto, no máximo na opinião de algum conhecido que trabalha ou trabalhou por ali. Talvez a reputação da marca corporativa. Mas, raramente ele tem informações concretas sobre o futuro chefe.
O outro lado da história é que diversas pesquisas mostram que mais da metade dos pedidos de demissão acontecem porque o liderado não tinha boa sintonia com seu gestor. Problemas de relacionamento, falta de confiança, inexperiência em gestão de talentos, dificuldade em delegar, ou de não dar espaço para se desenvolver... a lista é longa.
Talvez se o gestor tivesse sido escolhido de igual para igual a taxa de insucesso despencasse. E aquele custo de perda de bons profissionais que deixam a companhia, e o custo para o gestor que fica e perdeu a chance de se desenvolver profissionalmente, seriam dramaticamente reduzidos.
Mas, como inverter a equação? Cabe ao gestor dar o primeiro passo. Ofereça tempo significativo na entrevista para o entrevistado fazer perguntas e não apenas os últimos cinco minutos com o clássico: “Você tem alguma dúvida?”.
Peça para o candidato entrevistar pessoas da sua empresa, seus pares ou, até mesmo, seu chefe - sem que você determine com quem ele deveria falar.
Abra possibilidades e deixe-o escolher quem quiser para um papo a sós. Compartilhe com o entrevistado seus pontos fortes e a desenvolver, fale de seu perfil e conte mais sobre sua história. Peça para o candidato vir preparado para te entrevistar por trinta minutos, para que ele possa escolher se o quer como líder. Ele é tão candidato quanto você nessa nova formação.
É, acima de tudo, um exercício de humildade, de focar em aprendizado pessoal e de ter como objetivo não contratar um bom candidato, mas contratar uma boa dupla: você e ele. E essa é uma responsabilidade que não termina pós-recrutamento.
A necessidade de desenvolver confiança mútua e conflito produtivo entre chefe e seu time é diária. Você, como gestor, pode até não se dar conta, mas seu time te contrata (ou não) a cada dia. Então, é melhor tomar as rédeas do processo e dar o exemplo. Desde o início.