Painel de cotações da B3: desempenho negativo do Ibovespa em 2021 não impediu ganhos de gestoras com small caps | Foto: Germano Lüders/EXAME (Germano Lüders/Exame)
Guilherme Guilherme
Publicado em 20 de janeiro de 2022 às 09h31.
Última atualização em 20 de janeiro de 2022 às 20h43.
Um dos destaques do mercado brasileiro em 2021, a gestora Trígono Capital alcançou um feito raro: ter um desempenho muito positivo em um ano muito negativo.
O Delphos, um dos principais fundos da casa, teve retorno de 49,65%, e o Flagship, o mais antigo, de 43,60%. Tudo isso investindo em small caps, classe de ações de menor capitalização cujo índice na B3 caiu 16,2% no ano passado.
A receita do desempenho positivo, que acompanha a gestora desde suas primeiras cotas, em 2018, é conhecer a fundo as companhias investidas e concentrar o portfólio em poucos nomes.
"O mercado usa a diversificação para reduzir o risco, eu uso a convicção e a concentração nas empresas que conheço bem", afirma Werner Roger, CIO e cofundador da Trígono Capital, em entrevista à EXAME Invest.
Das dez maiores posições da gestora, sete sempre estiveram em seus portfólios e hoje representam 60% dos cerca de 2,3 bilhões de reais sob gestão na Trígono.
As maiores apostas estão em ações ligadas aos setores de commodities químicas, indústria automobilística pesada e agronegócio. Mas essa composição pode mudar caso as previsões de Roger se concretizem.
"Os juros e a inflação vão cair e o mercado vai virar a mão em algum momento. Só não sei se em um mês ou em quatro meses." Nesse cenário que considera provável, o CIO poderia incluir ações de varejo em suas carteiras.
"Mas não faço apostas. Vejo, depois eu pago. Se as empresas começarem a entregar resultados, dividendos, vou considerar comprar."
Mas esse cenário positivo irá depender, claro, das eleições. "O dólar pode ir a 6 ou 7 reais. O câmbio é a válvula de escape se a situação ficar ruim. Mas pode ir a 4,50 reais se o resultado for favorável ao mercado. O fluxo vai determinar a alta das ações, sem dúvida nenhuma. Dólar a 4,50 reais é Ibovespa a 150.000 pontos."
Confira a entrevista com Werner Roger, CIO e cofundador da Trígono Capital.
A Trígono teve ótima performance em 2021 investindo em commodities, na indústria e no agronegócio. Essa concentração deve continuar em 2022?
Está assim há quatro anos. Não muda. No primeiro dia do fundo Flagship, compramos ações de sete empresas com 200.000 reais. Todas elas continuam e hoje representam 60% da nossa carteira. Introduzimos novos nomes, obviamente, mas nossa rotação é muito baixa. Economizo com a taxa de corretagem.
Compro quando entra dinheiro [do cotista] e vendo quando sai [por pedido de resgate]. Mas, logicamente, também compramos quando surgem novas ideias de investimentos.
A última onda de IPOs trouxe diversas histórias novas para o mercado. Alguma atraiu o interesse da Trígono?
Não pagamos os preços de IPO, que vieram em níveis absurdos. Hoje, vemos os resultados, o que também explica o Índice Small Caps indo muito mal no ano passado. Os IPOs recentes não tiveram fundamento. O mercado foi muito ingênuo, indo atrás de história. Investidores compraram as narrativas, como uma criança que fica encantada por um conto.
Nós fizemos a conta por EVA [valor econômico agregado, em português] e vimos que os preços estavam absurdos. Agora, independentemente da crise, o preço foi se ajustando. Eram empresas muito ligadas ao "oba-oba" do momento, de consumo, construção, tecnologia ou mesmo pseudotecnologia.
O que seria uma empresa de pseudotecnologia?
Ela se vende como se fosse de tecnologia e compra startups que não representam nada da receita. A bolha das "pontocom" que vimos na Nasdaq [no fim da década de 1990] está acontecendo hoje no Brasil, mas com 20 anos de atraso.
O e-commerce é uma modalidade de vendas que substitui o presencial pelo online. É muito custo que não gera valor. A margem líquida das Lojas Cem, que é loja de rua, é de 10%, e o da Magazine Luiza (MGLU3) não é de 1%, com todo o tamanho que tem.
Outro ponto: o setor de tecnologia é muito sensível à taxa de juro. Uma coisa é crescer 30% ao ano a uma taxa de juro de 5%. Com taxa de 12%, muda completamente a história. Quando trago a valor presente, destrói o valuation.
Isso explica porque a bolsa está caindo, e o Índice Small Caps, ainda mais. Petrobras (PETR3/PETR4) e Vale (VALE3) estão rindo para a taxa de juros. Estão olhando para o câmbio e para os preços do petróleo e do minério de ferro. Bancos também se beneficiam das taxas de juros mais altas.
Essas ações mais sensíveis às taxas de juros devem sofrer ainda mais neste ano?
Acredito que as taxas de juros cairão mais rápido do que o mercado espera, assim como subiram no ano passado. Em 2021, a projeção era a de IPCA a 4%, mesmo com o IGP-M já em 37%. Agora, o IGP-M caiu para 17% e, nos últimos sete meses, foi para 2,3%. Se anualizar para frente, o IGP-M está em 4% e vai ancorar o IPCA.
A previsão do Focus para o IPCA é de 5% [em 2022], mas falam em juro a 11% ou 12%. Estão extrapolando nas projeções. Segundo o BC, a taxa de equilíbrio de longo prazo é de IPCA + 3%. Então a taxa correta pelo mercado seria de 8,5%. Obviamente, o mercado quer que os juros explodam, porque o mercado financeiro é renda fixa.
Os juros e a inflação vão cair e o mercado vai virar a mão em algum momento. Só não sei se em um mês ou em quatro meses. Os juros já começam a mostrar sinais mais positivos com relação às expectativas. Teve o momento negativo de juros subindo e bolsa caindo. Quando os juros caírem, talvez de maneira mais rápida e intensa que a esperada, a bolsa pode subir.
Seria agora o momento de aumentar a concentração em bolsa?
O investidor institucional está vendendo bolsa porque não tem fluxo. As gestora estão com pedidos de resgate grandes, então o gestor tem que vender. Não sou eu, Werner, que compra ou vende, quem compra é o meu investidor. Se ele quiser aplicar, vou comprar; se quiser resgatar, vou vender. Não tomo a decisão pelo investidor. Por isso, tenho que ser didático ao máximo para não venderem quando está caindo e aproveitarem o momento.
O investidor estrangeiro é quem está comprando bolsa brasileira, porque não se importa com as taxas de juros do país. O Ibovespa em dólar está no menor nível desde 2006, pior do que na crise de 2008. Mesmo com o aumento de juros nos Estados Unidos, eles estão indo para mercados emergentes – e não tem muitos sobrando.
Há problemas na Rússia, na China, na Ucrânia, na Turquia, na Argentina e no Chile. Já o México é muito associado aos Estados Unidos. Sobram Brasil, Índia e os Tigres Asiáticos, como Vietnã, Indonésia e Tailândia. Estou otimista, só não sei dizer o prazo. Não fazemos market timing.
Com essa mudança de cenário que o senhor espera, podemos ver alguma ação mais ligada ao consumo doméstico neste ano, como uma varejista, na carteira da Trígono?
Pode, mas não fazemos apostas. Isso é para o top down. Eu já sou mais São Tomé, não pago para ver. Vejo, depois eu pago. Se as empresas começarem a entregar resultados, dividendos, vou considerar comprar. Pode ser que tudo que falei não aconteça. Temos um fator importante que é a eleição.
Como o resultado da eleição pode mexer com o mercado brasileiro?
Não sabemos quem estará nas pesquisas, porque agora não tem candidato, alianças e vices. O dólar pode ir a 6 reais ou 7 reais. O câmbio é a válvula de escape se a situação ficar ruim. Mas pode ir a 4,50 reais, como economistas acreditavam no ano passado.
Isso pode acontecer se a eleição tiver resultado favorável ao mercado, com discursos de privatização e reforma, e com o estrangeiro vindo para o mercado. O fluxo vai determinar a alta das ações, sem dúvida nenhuma. Dólar a 4,50 reais é Ibovespa a 150.000 pontos.
Mas não fazemos apostas na queda do dólar, dos juros ou de que o PIB vai crescer mais do que o esperado. Analisamos empresas. O mercado investe no mercado, mas para nós não importa para quanto vai o Ibovespa, o que importa é o lucro da companhia, quanto ela paga de dividendos e o quanto gera de valor.
Se o mercado paga menos por isso, melhor ainda, porque compro barato. Quanto mais distante o preço estiver do que atribuo de valor, melhor. É essa diferença que eu quero.