Painel de cotações na B3: sobe-e-desce das ações influencia disposição ao risco por investidores | Foto: Germano Lüders/EXAME (Germano Lüders/Exame)
Da Redação
Publicado em 11 de setembro de 2021 às 08h10.
Última atualização em 19 de setembro de 2021 às 09h15.
Eu já perdi a conta de quantas vezes eu vi isso acontecer. Não tem jeito: a cada nova safra de investidores o mesmo comportamento se manifesta.
E isso tem sua razão de ser: isso está arraigado na forma como nossos cérebros funcionam. Faz parte da nossa condição humana.
Imagine a seguinte situação: você comprou ações. Não importam quais. No dia seguinte, suas ações sobem. No dia subsequente, sobem de novo. E de novo. E de novo...
Do lado de cá, já se vão quase quinze anos de atuação profissional no mercado de capitais. Se somar o período de atuação amadora, podemos somar mais algum tempinho. E afirmo para você, leitor(a), com tranquilidade: se, até hoje, ver ação subindo é gostoso para mim e ver ação caindo é um desgosto sem fim, muito provavelmente será assim para sempre e, em grande medida, para todo mundo.
O resultado de alta atrás de alta é felicidade atrás de felicidade. Eu não tenho formação médica, mas carrego comigo a absoluta convicção de que ver ação subindo provoca no cérebro a liberação de algum daqueles neurotransmissores maravilhosos que todos sempre buscamos.
Agora imagine a mesmíssima situação, mas com um plus a mais: digamos que, ao final de cada dia, você precise tomar a decisão de operar. Compra mais ou vende um pouco?
Não sou dono da verdade. E nada há de científico no que agora afirmarei. Mas digo, com muita tranquilidade, que a grande maioria dos pequenos investidores se sente tentada a comprar cada vez mais de algo que está subindo e de vender cada vez mais algo que está caindo.
E, se pensarmos novamente nessa ótica quase psiquiátrica que acabei de propor, faz todo o sentido: se algo provoca prazer, buscamos mais prazer; se provoca dor, buscamos evitar mais dor. É por isso que tanta gente se empanturra de chocolate, mas nunca se ouviu falar de overdose de jiló.
Deixe-me, entretanto, propor outra analogia.
Imagine uma paisagem de inverno daquelas: norte do Canadá, Escandinávia, Sibéria… você escolhe. Bem no meio temos um lago congelado. Você quer brincar na neve?
Num primeiro momento, o lago congelado parece sólido feito rocha. Você começa a andar por ele e vai se sentindo, pouco a pouco, mais confortável. Eventualmente, passos suaves dão espaço a um caminhar menos cuidadoso. É tudo tão sólido que dá até para pular, correr…
O lago parece muito sólido. E quanto mais você avança em direção ao meio dele, mais confiante se sente de que nada pode acontecer.
O que você não percebe é que, à medida que seu passeio se afasta das bordas rumo ao centro, o gelo vai ficando gradualmente mais fino. E eis que seu momento de maior conforto e confiança é, também, o de maior risco.
O comportamento típico do pequeno investidor é perfeitamente análogo: compra mais e mais enquanto a ação sobe, de forma que sua maior exposição coincide com o nível de maior risco, e a recíproca é verdadeira.
Não é por acaso que, aos 60 mil pontos, há muito menos gente querendo bolsa do que aos 120 mil. E é precisamente por isso que a maioria, infelizmente, não ganha e não ganhará dinheiro na renda variável.
Todo mundo já ouviu falar da história de comprar ao som dos canhões e vender ao som dos violinos. Mas sinceramente? Poucos -- pouquíssimos! -- têm estômago para fazer isso. Nossos cérebros foram programados para que tenhamos medo de tiro de canhão.
Investir não é óbvio. E vou além: não é natural. Demanda determinadas habilidades que não são inatas; que precisam ser aprendidas.
Tudo o que você tem na sua tela é o preço de mercado. O valor, o quanto deveria ser, não está expresso ali. Imaginemos, entretanto, que ele fosse, sim, explícito.
Quanto menor a distância entre preço e valor -- ou seja, quanto mais a ação sobe --, menor é o potencial de ganho remanescente. Consequentemente, menor deveria ser o seu apetite por aquele investimento.
Por outro lado, quanto maior a distância entre preço e valor -- ou seja, quanto mais a ação cai --, maior é o montante de dinheiro na mesa. Logo, maior deveria ser seu apetite.
Mas a premissa é importante: você precisa saber o valor. Se tudo o que você tiver for o preço, não tem como saber a distância entre uma coisa e outra.
Aí vem o problema: o valor não é verdade absoluta. Ele vem de estimativas sobre o futuro, das quais se ocupam os analistas -- e desde já prometo me aprofundar nesse tema num futuro próximo…
A depender da empresa, a dispersão de opiniões pode ser maior ou menor. Depende da complexidade do negócio. Fato é que existe algum nível de incerteza sobre essas estimativas.
Dessa forma, penso eu que o que faria sentido seria, novamente, ir ficando cada vez menos otimista (e, talvez, ir diminuindo gradualmente o tamanho da aposta) à medida que a distância entre preço e a tal estimativa de valor diminui.
E isso parte da premissa de que você tem acesso às estimativas. Sejamos sinceros: grande parte dos pequenos investidores simplesmente vai de peito aberto, comprando mais e mais do que está subindo e vendendo mais e mais do que está caindo.
Trago verdades inconvenientes: isso não funciona. Pelo menos não consistentemente; não a longo prazo -- e faço essa ressalva porque, em meio a um bull market, praticamente qualquer coisa funciona (e isso traz consequências nefastas que também pretendo abordar no futuro).
Inauguro este espaço na EXAME Invest -- a quem agradeço muito pela confiança depositada -- com uma provocação para seu fim de semana: você realmente acredita nas ações que está comprando ou apenas está confiante porque elas estão subindo? Por outro lado, você realmente deixou de acreditar nas ações que está vendendo ou apenas está amedrontado(a) porque elas estão caindo?
Se a maneira como seu cérebro foi programado para funcionar não constitui uma boa estratégia de investimento, talvez se deixar guiar por seus sentimentos nessa hora não seja uma boa ideia.
Vamos falar mais sobre isso no futuro.
Até a próxima!
*Ricardo Schweitzer é analista CNPI, consultor CVM e investidor profissional.