Investidor: qualquer decisão que você tomar, em algum momento, inevitavelmente fará você pensar nas alternativas que preteriu (krisanapong detraphiphat/Getty Images)
Karla Mamona
Publicado em 1 de agosto de 2022 às 08h52.
"Case e você vai se arrepender. Não se case, e você também vai se arrepender. Casar ou não casar, você vai se arrepender de qualquer maneira. Ria da loucura do mundo, você vai se arrepender. Chore sobre isso, você vai se arrepender também. Se enforque, você vai se arrepender. Não o faça e você vai se arrepender disso também. Quer você se enforque ou não, você vai se arrepender de ambos. Isto, senhores, é a essência de toda a filosofia."
O trecho acima é um excerto da obra "Ou Isso, Ou Aquilo: Um Fragmento de Vida", do filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard. Eu me delicio com essa passagem e sobre ela poderia falar por dias e dias. Mas, para meu próprio bem, vou me restringir a investimentos:
A verdade, meu caro/minha cara, é que se você apostar na queda dos juros longos, você vai se arrepender; se você preferir ficar concentrado nos curtos, você vai se arrepender. Se você comprar ações ligadas ao mercado doméstico, você vai se arrepender; se você comprar exportadoras, você vai se arrepender.
Se você montar um portfólio de dividendos, você vai se arrepender; se você se jogar em promessas de crescimento acelerado, você vai se arrepender. Se você comprar fundos imobiliários, você vai se arrepender; se não comprar fundos imobiliários, você vai se arrepender. Ouro? Dólar? Idem.
E se você não fizer absolutamente nada disso? Quebrar a janela com um bebedouro e sair correndo em direção à floresta para nunca mais voltar? Adivinha…
Sim! Você vai se arrepender. Por quê?
Qualquer decisão que você tomar, em algum momento, inevitavelmente fará você pensar nas alternativas que preteriu; nos caminhos que não seguiu. Cada escolha é uma renúncia. Two roads diverged in a yellow wood, and sorry I could not travel both…
Isto porque virá aquele momento em que o juro longo vai abrir bruscamente e as suas NTN-Bs 2050 vão desvalorizar como bolsa em dia de circuit breaker. Da mesma forma que vai haver aquele dia em que o juro longo vai desabar e você vai se sentir estúpido porque não alongou a carteira o bastante — ou, tanto pior, estava compradaço(a) em LFTs.
Há de chegar aquele momento em que a tese da retomada da economia vai pegar fogo e todas as ações de varejo, bancos, shopping centers e tutti quanti vão decolar. Da mesma forma, vai chegar o dia em que será óbvio para todo mundo (menos você, é claro) que há mais bolhas na China do que nos pés de um peregrino chegando a Santiago de Compostela, e todas as companhias de commodities vão desabar como (quase) nunca antes visto.
Haverá tempos em que você se sentirá ultrapassado porque suas empresas pagadoras de dividendos serão capazes de matar um bicho preguiça de tédio e oferecerão retornos minguados, ao passo que todos à sua volta — aqueles traders arrojados que tiram foto de braços cruzados com o trading desk lotado no fundo — estarão fazendo fortunas com empresas que nunca emitiram uma nota fiscal. E outros, nos quais você se sentirá um grandessíssimo idiota porque acreditou no Eike, na Positivo a 30 reais, na cadeia de fornecedores do pré-sal e naquela indústria — aquela, a mais resiliente de todas — que foi trucidada por um canetaço governamental que, subitamente, virou as regras do jogo do avesso.
Você viverá para ver que aquele fundo imobiliário maravilhoso anunciar que seu principal locatário entrou em recuperação judicial e a vacância saltou de 2 para 86 por cento. E vai se sentir um imbecil por não ter comprado aquele outro que negociava ao equivalente a 2 mil reais por metro quadrado de ABL ao lado de lajes ofertadas a 40 mil – e completamente ocupadas.
Em algum momento, o ouro vai cair bem na sua cara. O dólar, idem. E rasgarão os céus mediante a eclosão da próxima (e óbvia, como sempre – mas só após ocorrer) crise financeira global que virá, mais dia, menos dia.
E quando cada uma dessas coisas acontecer, você vai se sentir um imbecil - ou porque estava posicionado errado, ou porque estava posicionado certo, mas não o bastante.
Deu certo? Puxa, devia ter arriscado mais - perdi oportunidade! Deu errado? Nossa, onde eu estava com a cabeça?
Estava com a cabeça no lugar de sempre: logo acima do pescoço, com um conjunto limitado de informações na mão e a necessidade de tomar uma decisão. É sempre assim.
Julgar depois é fácil - e inerentemente injusto. Não perca seu tempo com isso.
Mas, quando você compreende e aceita que suas escolhas - quaisquer que sejam - serão sub-ótimas; quando você reconhece que não é e nunca será Super Homem, as coisas começam a trabalhar a seu favor.
A partir do momento em que você aceita que qualquer que seja o desfecho, você vai se arrepender de alguma forma, suas escolhas passam a ser na direção de quais erros aceita cometer ou não.
Insisto: faça um esforço deliberado no sentido de escolher quais erros você se dispõe a cometer - pois você vai cometê-los, queira ou não.
O que é melhor? Deixar de ganhar ou perder? Realizar lucro cedo demais ou realizar perda tarde demais? Ficar de fora da próxima grande coisa ou estar embarcado na grande cilada do momento?
Você pode sobreviver por anos realizando lucros cedo demais ou arriscando menos - e, a despeito de uma boa dose de frustração ao longo da jornada, chegar ao final disso tudo relativamente bem. Por outro lado, um único grande risco tomado equivocadamente pode levá-lo à ruína, de maneira irreversível.
Vale a pena o risco da ruína?
Eu prefiro sempre a alternativa que, mesmo mediante recompensa menor, me oferece uma segunda chance amanhã.
Que tal uma revisada no portfólio em busca de arrependimentos que você não quer ter?
*Ricardo Schweitzer é analista CNPI, consultor CVM e investidor profissional.
Twitter: @_rschweitzer; Instagram: @ricardoschweitzer