O presidente russo, Vladimir Putin, foi espião da União Soviética (Pixabay/Reprodução)
Existe uma lei não escrita sobre autocratas e ditadores: seus destinos são entrelaçados com aventuras militares, onde normalmente acabam se enroscando, falhando e perdendo o poder.
Algumas vezes, derrotados no campo de batalha, são removidos pelos vencedores. Outras, por causa das perdas sofridas, perdem prestígio no grupo de poder que encabeçam e acabam sendo substituídos por golpes internos.
A História ensina que quando a Rússia entra em um "smutnoe vremya", um "período de problemas", os boiardos, os nobres russos, acabam sempre se livrando do czar.
Uma semana de guerra contra a Ucrânia custou à Rússia um número não definido de mortos, dezenas de tanques, helicópteros e outros veículos destruídos, e bilhões de dólares. Muito mais do que o preço pago em oito anos de guerra na Síria.
Os dados divulgados pela imprensa ocidental são evidentemente exagerados, pois são baseados apenas em fontes ucranianas, que têm todo o interesse em aumentar o número de perdas do inimigo.
Assim como os dados divulgados pelo Ministério da Defesa russo, claramente subestimados. Na melhor tradição da "disinformatia", a desinformação da época soviética.
Todavia, aparecem cada vez mais evidentes as dificuldades encontradas pelo exército do Kremlin, mesmo com a esmagadora superioridade militar, em conquistar a Ucrânia.
Com isso, em Moscou as vozes de dissidência estão se multiplicando. Alguns oligarcas, artistas, sociedade civil, começam a manifestar abertamente a própria contrariedade à guerra.
Em muitos, no Ocidente, se perguntam agora se um golpe contra Vladimir Putin seria possível. As elites russas poderiam trair o presidente russo e derrubá-lo? Ou o poder ainda está firmemente nas mãos do "czar"?
Putin está fazendo uma aposta com o destino.
Ou ele se consagra como restaurador da “Santa Rússia”, o novo czar que unificou "Russkij Mir", o "mundo russo". Ou uma derrota na Ucrânia poderia infligir um golpe mortal ao seu prestígio e a sua autoridade, ao ponto de alguém de dentro dos palácios do poder tentar uma mudança drástica.
Após 20 anos no comando do país com punho de ferro, inimigos não faltam. Putin poderia ter ordenado a invasão da Ucrânia - algo considerado uma loucura pelos analistas militares do mundo inteiro - justamente para forçar a mão dos opositores internos.
Agora o líder russo se encontra em uma encruzilhada: ou ganha a guerra rapidamente, ou existe a possibilidade que seja defenestrado.
Não por acaso, os últimos bombardeios mostram como os comandantes russos mudaram de tática. A linha de ataque agora está se tornando mais brutal e menos atenta aos custos civis das operações.
Putin ainda está no controle de todas as alavancas do poder. Além disso, existe um núcleo duro na opinião pública russa que apoia suas escolhas. Isso também graças à força e penetração da propaganda do Kremlin.
Portanto, até o momento, mesmo que a situação esteja levando alguns oligarcas a expressar insatisfação, essas vozes atualmente não têm nenhum suporte político ou militar.
Entretanto, existe um mal-estar da população. Solavancos de dissidência. Sinais de que algo está se movendo dentro de um país que está caindo progressivamente em uma fase de incerteza política, dificuldades econômicas e isolamento do mundo.
Exemplos disso são as milhares de prisões de manifestantes que protestaram contra a guerra. As forças de segurança russas tiveram muito trabalho para conter essas marchas espontâneas.
Mas existem também petições e cartas abertas, todas clandestinas. Recuperando a tradição dos samizadt da época soviética.
Protestos contra a guerra que florescem em todos os cantos da Rússia.
Somente a petição do oposicionista Lev Schlossberg recolheu 700.000 assinaturas.
Existem também posições pacifistas de alguns oligarcas, que não estão nada satisfeitos de ter seus bens na Europa ou nos Estados Unidos congelados. Além das perdas de quase US$ 200 bilhões em seus patrimónios sofridas até agora por causa das sanções ocidentais e do colapso das ações de empresas russas.
Além disso, 300 políticos locais pediram abertamente para negociar a paz. Assim como fizeram estrelas do esporte e entretenimento, que contestam o conflito. Ou as dezenas de milhares de postagens nas redes sociais, pedindo o fim da agressão.
Sinais claros de descontentamento são também as flores em frente à embaixada ucraniana de Moscou: milhares de buquês deixados no portão da sede diplomática como forma de protesto e de solidariedade com o "povo irmão".
Putin responde apertando os parafusos da repressão, deixando claro que não está disposto a tolerar qualquer tipo de dissidência.
Mas não são somente as consciências dos russos que estão sendo chacoalhadas. O padrão de vida da população também terá graves consequências.
A situação econômica é destinada a piorar. E os efeitos sociais poderiam desencadear uma crise política.
O descontentamento das elites, oligarcas e empresários coloca uma tremenda pressão sobre Putin.
E existe uma questão também sobre a fidelidade dos membros das forças de segurança, sobre os quais Putin atualmente mantém pleno domínio.
Se as elites russas começarem a perceber que o presidente não tem mais o apoio dos serviços de segurança e, ao mesmo tempo, começassem a ocorrer protestos em massa da população descontente, as possibilidades de um golpe contra Putin aumentariam sensivelmente.
*Carlo Cauti é editor da EXAME Invest e professor do curso de Relações Internacionais do IBMEC de São Paulo.