Investidor deve manter a calma: No meio da tempestade, o que há a fazer é verificar o estoque de mantimentos – o que, para o investidor, significa liquidez – racionalizar seu uso e avaliar correções pontuais da rota (FatCamera/Getty Images)
Karla Mamona
Publicado em 1 de junho de 2022 às 08h32.
Se você costuma jurar de pés juntos que as suas decisões de investimento são sempre racionais e objetivas, essa é uma boa hora para desconfiar delas e verificar se você não está sendo iludido pelo seu próprio cérebro.
Diante de um cenário como o atual, com juros reais negativos, inflação e bolsas em queda no mundo todo, enxergar motivos para abandonar seus planos de investimento e correr desabalado para qualquer coisa que pareça menos instável é bastante natural. Outra coisa é saber se é razoável.
Embora estudiosos como Herbert Simon (Nobel de Economia de 1978) já tivessem colocado em xeque o pressuposto da objetividade racional das decisões econômicas, só nas últimas décadas, com a popularização da Teoria do Prospecto (ou da Perspectiva) de Amos Tversky e Daniel Kahneman (Nobel de Economia de 2002), o peso das emoções e das armadilhas cognitivas começou a ser levado em conta na análise do comportamento financeiro. Amparado na psicologia cognitiva e na neurociência, o trabalho de campo desses e de outros autores demonstra que as emoções geradas pela incerteza disparam em nossos cérebros mecanismos inconscientes que foram muito úteis para garantir nossa sobrevivência como espécie, em meio à natureza hostil, mas não nos ajudam em nada na hora de tomar decisões econômicas.
Reconhecer esses mecanismos e precaver-se contra eles é o primeiro passo em direção a decisões razoáveis. Para começar, considere que o seu cérebro odeia a incerteza com todas as suas forças.
Convém, também, saber que os riscos (ou seja, a probabilidade de perdas ou ganhos) têm um peso menor na sua avaliação do que o volume da perda possível, mesmo que pouco provável. Por isso, tendemos a aceitar investimentos com altíssima probabilidade de fracasso, desde que o custo da perda seja conhecido e pareça módico. (Pense na facilidade com que se aposta na loteria.) Ao mesmo tempo, olhamos muito desconfiados para aplicações com baixo risco de perda definitiva, mas cujo custo não conhecemos precisamente e, sim, podem ser altos. (Observe as orelhas em pé à simples menção à expressão “renda variável”.)
Agora, some a isso a constatação de que nossa aversão a perdas costuma ser aproximadamente duas vezes superior à nossa atração por ganhos. A consequência é que quem perde R$ 2 mil em uma aplicação e ganha R$ 4 mil em outra sofre pelos R$ 2 mil que perdeu, esquece os R$ 2 mil que ganhou e estaria contente se tivesse apenas uma aplicação com a qual lucrasse R$ 1 mil.
Quando perdas e ganhos se distribuem ao longo do tempo, são as perdas que se fixam dolorosamente na memória, ainda que os ganhos lhes sejam superiores. Não importa que a perda tenha sido compensada e não tenha impactado sua vida concreta. Na verdade, mesmo que o prejuízo não chegue a se concretizar, a sensação de perda provocada por um número negativo no extrato de investimentos pode se transformar em trauma para quem crê piamente na racionalidade do seu cérebro.
O resultado de tudo isso costuma ser um portfólio errático e ineficiente, com poucas chances de ganhos expressivos a médio e longo prazos, e recheado de investimentos com prejuízos frequentes, embora, individualmente, pouco expressivos.
Resumindo, a aversão instintiva dos nossos cérebros à incerteza é tanta, que pode nos levar a preferir a certeza de perder um pouquinho a cada dia do que correr o risco de ganhar mais adiante. Daí, a compulsão absolutamente irracional por se desfazer de ativos em baixa, mesmo que tenham grandes chances de valorização.
A incerteza é, no entanto, a única constante do mercado – como, aliás, da economia e da vida. O desafio do investidor é navegar na instabilidade sem perder seu rumo, e os requisitos fundamentais para isso são: saber aonde quer chegar e ter um plano que preveja o contingenciamento para enfrentar o imprevisto. Só a partir da definição do objetivo pode-se planejar a navegação, sem jamais se esquecer de levar em conta o imponderável. Você não vai evitar que as intempéries ocorram e atrasem a sua viagem, mas pode e deve contar com tempo para atravessá-las. No meio da tempestade, o que há a fazer é verificar o estoque de mantimentos – o que, para o investidor, significa liquidez – racionalizar seu uso e avaliar correções pontuais da rota.
Pode ser um raciocínio irritantemente simples para quem está na tormenta, mas não há outro melhor. Você vai sofrer com os solavancos, pode pensar em largar tudo, desejar ardentemente alguém para culpar e, talvez o mais perigoso, sentir forte inclinação para seguir alguém que lhe proponha um atalho. Nesse caso, lembre-se: a dica preciosa para quem faz uma viagem diferente da sua pode ser desastrosa para você.
Resistir aos ímpetos é o preço a pagar para chegar ao seu porto. As incertezas do mercado costumam recompensar proporcionalmente a resistência do investidor. Não quer dizer que todo mundo possa sempre correr esse risco, muito menos, que todo risco valha a pena. Raciocinar é discernir diferenças.
Se você tem um objetivo e um plano razoável para alcançá-lo, respire fundo e fixe neles o seu olhar. Se não tem..., bom, aí está a oportunidade de encarar a vida como ela é, cheia de incertezas, constatar que as suas decisões de investimento têm sido dominadas por emoções e começar a domá-las.
*Sigrid Guimarães é sócia e CEO da Alocc Gestão Patrimonial