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Liquidez: o preço do longo prazo

É de liquidez que se precisa para viver cada dia, inclusive os dias de crise, pessoal ou dos mercados

Sigrid Guimarães: se o que buscamos são recursos para financiar a nossa vida a qualquer momento, não faz sentido sacrificar a certeza da liquidez imediata para perseguir centésimos do CDI (Alocc Gestão Patrimonial/Divulgação/Divulgação)

Sigrid Guimarães: se o que buscamos são recursos para financiar a nossa vida a qualquer momento, não faz sentido sacrificar a certeza da liquidez imediata para perseguir centésimos do CDI (Alocc Gestão Patrimonial/Divulgação/Divulgação)

Sigrid Guimarães
Sigrid Guimarães

CEO da Alocc Gestão Patrimonial

Publicado em 11 de setembro de 2023 às 11h29.

No último artigo, dei início a uma pequena série sobre investimentos patrimoniais. Lá, expliquei a diferença entre a aplicação de longo prazo para um fim específico, como a aquisição de um bem, e o longo prazo dos investimentos patrimoniais, sem data para extinção, visando, idealmente, ao infinito, e submetidos à exigência de gerar liquidez continuamente. Concluindo, indiquei o equilíbrio entre liquidez, diversificação e eficiência como solução para a charada e prometi tratar de cada um desses três elementos nos artigos seguintes.

Começo a cumprir minha promessa pelo tema da liquidez, e não por acaso. Afinal, é de liquidez que se precisa para viver cada dia, inclusive os dias de crise, pessoal ou dos mercados. Como ninguém chega ao futuro sem passar pelo presente, não há estratégia de longo prazo que possa funcionar sem que se disponha de liquidez adequada.

Parece bastante óbvio, não? Mesmo assim, é terrivelmente comum que as pessoas não se deem conta de que a causa essencial da ruína de uma família é a falta de liquidez. Seja qual for a avaliação dos seus bens, se você não puder gerar recursos líquidos compatíveis com seus gastos, está encrencado. A única saída será vender o que possui a qualquer preço, se isso for possível...

Em boa parte, a negligência em relação à liquidez se dá em função da ambiguidade do seu conceito. De maneira geral, ela é entendida como a propriedade de converter-se facilmente em dinheiro vivo. O perigo mora no advérbio, “facilmente”.

Em tese, qualquer ativo pode ser convertido em dinheiro, e, aliás, a capacidade de conversão é parte do próprio conceito de ativo. Títulos do Tesouro ou promissórias da quitanda da esquina, ações de quaisquer empresas, imóveis em geral, os direitos autorais de “New York, New York” ou da canção inédita de um compositor obscuro; todos são ativos, todos são passíveis de serem convertidos em dinheiro e, sendo assim, têm algum nível de liquidez, mas a efetiva liquidação depende das condições particulares de cada um.

Essas condições giram em torno de diversas variáveis, cujas fundamentais são prazo e valor, influenciadas por fatores como a capacidade do ativo de atrair interesse no mercado, as garantias a que faça jus e o apetite do comprador. Se o objetivo é garantir recursos para arcar com suas despesas, o que você busca é o mais alto nível de liquidez possível: conversão imediata, a qualquer tempo, sem nenhuma perda de valor. Estamos, claro, falando em renda fixa, mas não em qualquer renda fixa, e, sim, naquela com as melhores condições de liquidez.

O fato de a volatilidade da renda fixa ser, em geral, baixa não significa ausência de risco nem liquidez imediata. O seu tipo de risco próprio é o risco de crédito, a possibilidade de o tomador de recursos (a empresa financiada) não honrar o título, o que se traduz em incerteza tanto quanto ao prazo estabelecido como quanto ao valor investido (principal e remuneração).

Não é nada raro recebermos no escritório novos clientes a quem títulos privados com previsão de ganho ligeiramente superior ao CDI foram vendidos como se fossem grandes negócios. O que não lhes explicaram é que essa pequena margem é a compensação por correrem o risco de uma empresa com condições de pagamento incertas. Quem se sente feliz por obter 101% do CDI, por exemplo, certamente não levou isso em conta. Com o CDI a 13% ao ano, seriam necessários alguns séculos para compensasse o risco de perda total com o prêmio de 0,013%. Não há notícia de empresa que tenha sobrevivido tanto tempo. Assim, se considerarmos a longevidade média das empresas brasileiras, entre 30 e 40 anos, um cálculo aproximado indica que a compensação razoável estaria na faixa entre 118% e 113% do CDI ao ano. Contudo, mesmo que você pudesse obter uma remuneração nessa base, não resolveria o problema de contar com dinheiro na mão, líquido e certo, para bancar sua vida a curto prazo.

Além de estar seguro quanto ao recebimento do valor acordado na data aprazada, seu investimento deve ser passível de liquidação imediata, a qualquer momento em que se faça necessário, o que depende da existência da demanda do mercado pelos títulos que você possua. Não se engane imaginando que a dificuldade de repassar um título seja um problema limitado a papéis de instituições pequenas ou de baixa credibilidade.

Em 2008, quem detinha títulos do então segundo maior banco dos EUA não teve outro remédio a não ser aguardar pelo fim da crise ou pela data de vencimento. Simplesmente não havia mercado. Nem mesmo a mesa do próprio banco, concentrada em fazer caixa para honrar saques, dispunha-se a recomprar seus títulos. Ninguém levou calote, mas quem contava com a suposta liquidez imediata, teve que dar outro jeito para pagar as contas, em plena crise global.

A história repetiu-se anos mais tarde. Um cliente pediu-nos ajuda para um amigo que precisava revender CDBs com prazo de dois anos de um dos maiores bancos de investimento do Brasil. Ocorre que, naquele momento, por mais que nos empenhássemos, não havia compradores para aquele prazo nem interesse na recompra pelo próprio banco.

Em suma, se o que buscamos são recursos para financiar a nossa vida a qualquer momento, não faz sentido sacrificar a certeza da liquidez imediata para perseguir centésimos do CDI. Nesse caso, não há melhor saída do que se contentar com a límpida tranquilidade dos títulos públicos de curto prazo, atrelados à Selic.

Contudo, conveniente para proteger o presente, a Selic certamente não é uma opção para gerar os recursos necessários ao longo prazo. A questão, então, está em dimensionar quantos anos de despesas você precisa ter na renda fixa até que investimentos em renda variável, com expectativa de ganhos superiores, possam se converter em dinheiro vivo e alimentar um novo ciclo.

O importante aqui é entender que sempre lidaremos com um cobertor relativamente curto: quanto maior a reserva de liquidez para o presente, menor a capacidade de gerar renda para o futuro. Encontrar o ponto ótimo, aquele que garanta um volume de liquidez seguro para o curto prazo e viabilize a manutenção do seu padrão de vida a longo prazo é o desafio. Começo a enfrentá-lo no próximo artigo, abordando a importância da diversificação com vista ao médio e ao longo prazo. Até lá!

*Sigrid Guimarães é sócia e CEO da Alocc Gestão Patrimonial

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