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Gustavo Franco: Sincronia e excesso de peso

Não parece haver falta de sincronia da política monetária com a política, conforme a expectativa do próprio mercado

Gustavo Franco:  (Germano Lüders/Exame)

Gustavo Franco: (Germano Lüders/Exame)

Da Redação
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Redação Exame

Publicado em 4 de outubro de 2024 às 10h06.

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*Gustavo Franco

A sincronia – na verdade, a dissincronia – foi assunto do mês de setembro a propósito de duas comparações internacionais desconfortáveis para o país. A primeira foi na política monetária: enquanto os EUA reduziram juros, o Brasil aumentou. A segunda foi na China: enquanto políticas expansionistas são descritas de forma benevolente como “estímulos fiscais”, a política fiscal brasileira, contrariamente, inspira preocupações.

Não se trata da proverbial má vontade do mercado financeiro com os governos do PT. Há razões em abundância para essas assimetrias.

No terreno da política monetária, é o Brasil que parece destoar da tendência internacional de afrouxamento que se seguiu à sensação de vitória sobre os resíduos inflacionários da pandemia. E as razões são locais: riscos fiscais bem conhecidos, sinais de superaquecimento e a iniciação de Gabriel Galípolo, que precisa demonstrar que a elevação de juros não será interditada.

O Brasil começa um ciclo de alta a partir de um ponto inicial já muito alto, o que pode perfeitamente indicar um ciclo curto, talvez limitado às duas próximas reuniões, as últimas sob o comando de Roberto Campos Neto.

Essa tese, cuja inspiração está no ciclo político, parece apoiada pelo Focus.

O Focus publicado em 29/10 mostrou 11,75% de expectativa para a Selic no final de 2024, ou seja, incorporando implicitamente duas elevações de 0,5%. Para o final de 2025, o Focus da mesma data mostrava 10,75%, sugerindo, implicitamente, várias reuniões de juros mantidos constantes ao longo do ano e o começo de um ciclo de baixa no segundo semestre.

Pode haver até mais uma elevação em janeiro de 2025, só para desmentir esse “ciclo político” da política monetária, mas que seria devolvida no mesmo exercício em dificuldade.

Portanto, o Focus, a mediana das expectativas de mercado, parece fazer um raciocínio “brasiliense”, pelo qual caberia ao presidente que sai o ônus de um pequeno ciclo de alta e ao que entra o bônus de conduzir um ciclo de baixa no ano da eleição presidencial.

Não parece haver falta de sincronia da política monetária com a política, conforme a expectativa do próprio mercado.

É claro que não é bom que se estabeleça um “ciclo político” na política monetária: a ideia de independência do Banco Central é na direção exatamente contrária. Mas é o que o Focus está enxergando.

Armadilha da renda média

As notícias que vêm da China são boas para o Brasil, que deriva benefícios de vários formatos de um aquecimento da atividade em nosso maior parceiro comercial. A China é uma influência gigante sobre os preços de muitas commodities importantes para o país.

A parte desconfortável dessa notícia tem a ver com assimetrias entre os países pelo lado da oferta: estímulos de demanda na China geram resposta pelo lado da oferta e crescimento, enquanto no Brasil esse mesmo tipo de política de estímulo dá a impressão de alguém querendo vestir uma roupa dois números a menos que o certo.

O Brasil parece firmemente aprisionado na armadilha da renda média: estamos perto do pleno emprego, com a produtividade estagnada faz tempo e políticas industriais no estilo antigo. O produto potencial pode ter aumentado, mas nada muito dramático nem sistemático: o progresso tecnológico se incorpora naturalmente em novos investimentos, vale dizer, em novas máquinas, mas, no ritmo em que são incorporadas na produção. Como se sabe, todavia, o CAPEX global do país está bem longe dos níveis asiáticos, portanto é lento o ritmo de incorporação de progresso técnico pela via do investimento.

Em outra vertente, afetando o que designa como o “resíduo”, ou a TFP (conforme o acrônimo em inglês, total factor productivity), ou seja, o progresso tecnológico não explicado pela agregação de novos fatores de produção de melhor qualidade, o que se tem são as reformas (trabalhista, privatização, liberdade econômica, por exemplo) que Lula e o PT combateram e não pretendem aprofundar.

É meio romântico esperar que o setor privado autonomamente invista em inovação e produtividade quando o setor público está seriamente desequilibrado, cheio de hesitações em reconhecer o seu problema e, ainda por cima, avesso a reformas em geral e à abertura em particular.

Não é de se estranhar, portanto, que as expectativas quanto às consequências de estímulos pelo lado da demanda no Brasil, em contraste com o que se passa na China, indiquem inflação, ou elevação de juros para evitá-la e para acomodar uma elevação da dívida pública. A dissincronia se torna paradoxo nesse terreno: a expansão fiscal acaba produzindo elevação de juros, no figurino do chamado crowding out, assim prejudicando o investimento privado. Segue-se que o problema nas contas públicas não é apenas de Brasília e que não é algo do qual o setor privado possa se afastar. O setor público compete com o setor privado e vence a disputa por recursos graças aos juros maiores. É o crowding out: o desequilíbrio fiscal eleva o custo do capital no país. No Brasil, portanto, estímulos fiscais adicionais geram mais juro e mais irritação no setor privado.

 Grau de investimento

O Brasil está dois degraus abaixo do grau de investimento, mas se esforça em vestir um modelito fiscal muito apertado para a sua realidade. A teoria parece ser a de que a pessoa emagrece quando veste uma roupa apertada. Talvez o desconforto com a roupa muito justa produza alguma disciplina alimentar. Mas não é muito provável. O ideal seria a pessoa se convencer sobre a alimentação saudável para praticá-la com disciplina e, a seguir, caso pratique a disciplina alimentar, desfrute de suas consequências.

Mas não é bem isso o que estamos assistindo. Não há muito apoio à ideia de reduzir a despesa pública.

Tudo isso não obstante, contrariando tendências e prognósticos fiscais, majoritariamente pessimistas, a Moody’s melhorou a nota de crédito do país em um degrau inteiro, de Ba2 para Ba1, ainda um degrau abaixo do chamado grau de investimento. O relato é de que o presidente Lula pediu para acompanhar o ministro Haddad em reunião com a Moody’s em Nova York e que desse esforço resultou o upgrade.

O movimento não era esperado, e suscitou desconfiança e divisão entre especialistas.

É um apoio muito bem-vindo ao ministro Haddad e a seu arcabouço, vindo diretamente do presidente da República e em um formato que parece não confrontar o PT, sempre avesso a qualquer movimento na direção da responsabilidade fiscal. É, numa interpretação benevolente, a segunda parte de uma espécie de “carta aos brasileiros” ou de “beijo na cruz”, cujo primeiro capítulo foi a indicação de Gabriel Galípolo, inclusive com mandato para subir os juros.

O mês de setembro termina numa nota muito positiva. Entretanto, resta ver se as outras agências serão também “ativistas” como a Moody´s e se o ministro entregará o que prometeu em matéria de política fiscal. Afinal, é um upgrade de um degrau de uma das três agências, uma espécie de incentivo para o que é necessário fazer para que o país atinja o grau de investimento.

A tese pela qual o crescimento resolve tudo e o gasto gera crescimento continua bem viva e perigosa.

*Gustavo Franco é sócio-fundador da Rio Bravo Investimentos e ex-presidente do Banco Central do Brasil. Este artigo faz parte da Carta Estratégias de setembro, relatório mensal distribuído pela Rio Bravo a seus clientes e reproduzido com exclusividade pela EXAME Invest.

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