O que o investidor está levando para a carteira ao comprar um ETF chinês? E no caso dos EUA? E no caso da Europa? São respostas que o investidor deve buscar | Foto: Hiroshi Watanabe/Getty Images (Hiroshi Watanabe/Getty Images)
Juliana Machado*
Publicado em 19 de agosto de 2021 às 12h23.
O advento dos produtos passivos chegou para ficar. Uma breve observação dos dados mais recentes da B3 reforça a mensagem de que a oferta de ETFs (fundos que replicam um índice de referência do mercado) disparou, em linha com o interesse generalizado dos investidores em estruturas mais simples e que permitam sobretudo ao pequeno aplicador o acesso a mercados antes restritos aos grandes fundos. Mas será que isso significa que tudo se perdeu para a gestão ativa?
Superlativo é o que descreve a indústria de ETFs hoje. O volume médio diário negociado (ADTV, em inglês) nesses produtos na B3 nem sequer chegava aos R$ 200 milhões em 2016; hoje, a marca já supera o R$ 1,4 bilhão. Em patrimônio, essa indústria saiu de cerca de R$ 50 bilhões há cinco anos para algo em torno de R$ 300 bilhões agora.
O custo baixo e a facilidade de compreensão do funcionamento desses produtos são pontos excelentes para quem quer chegar à China, à Europa, às commodities, ao setor de tecnologia americano ou à indústria de cannabis mesmo sem ser um investidor profissional.
Ao que as pessoas não prestam muita atenção, porém, é o que de fato fazer com a infindável quantidade de produtos, sejam ativos ou passivos, que chegam a elas.
Na B3, são 44 ETFs listados disponíveis para os investidores, um número tímido em relação ao exterior. Mas são 44 ETFs que o investidor deve ter numa carteira equilibrada e diversificada? Quais escolher? Quanto investir em cada um? São perguntas centrais sobre asset allocation, ou alocação de capital, que tanto insistimos como educadores financeiros e analistas – e que às vezes parece ruído na conversa sobre ganhos extraordinários e acesso a coisas incríveis fora do Brasil.
É verdade que boa parte dos fundos com concentração fora do Brasil não estão acessíveis ao grande varejo, o que faz dos ETFs alternativas essenciais para diversificação geográfica. Isso deve mudar em breve, já que a CVM estuda realizar alterações nas regras de concentração dos fundos de varejo no exterior.
Mas, desde agora, por que não aproveitar o trabalho de um bom fundo multimercado que vai buscar assimetrias justamente nesse e em outros mercados? Por que não gastar energia pensando mais na combinação das frutas do que naquela que parece maior?
Quando bem feita, a gestão ativa não tem só a capacidade de fazer um excelente trabalho de seleção de oportunidades como também de facilitar o caminho do investidor aos ganhos consistentes de longo prazo. Investir na China parece maravilhoso, mas o que do mercado acionário chinês é bom? O que o investidor está levando para a carteira ao comprar um ETF chinês? E no caso dos EUA? E no caso da Europa?
Saber responder a essas perguntas já garantiria um conhecimento importante do próprio portfólio, que certamente boa parte dos investidores não tem. E, para ser justa, esse raciocínio vale também para quem adquire um fundo por recomendação de um amigo ou porque viu um desempenho isolado em um site de pesquisa.
Um dado relevante que procuro levantar nas conversas sobre ETFs é se o investidor já atentou para alguns riscos muito comuns. Um deles é a tal da volatilidade. De maneira simples, estamos falando do desvio-padrão de um ativo em relação à sua média: quanto maior esse desvio é em uma série histórica, dizemos que este é um ativo mais volátil.
Ao perseguir somente um índice específico, os ETFs carregam a mesma volatilidade daquele índice. Ou seja: comprar um BOVA11, um dos mais famosos ETFs de Ibovespa, equivale a levar a volatilidade do índice para a carteira, que oscila ao redor de 32% em uma série histórica desde janeiro de 1997.
Um fundo que esteja 100% dedicado à bolsa de valores, como é o caso dos fundos long only, vai carregar uma volatilidade também alta, dado que a fonte de risco é a mesma e é uma só (ações). Mas o que falar de eficiência? Um fundo como o inacessível e admirado Dynamo Cougar tem um retorno de 22.290,95% desde dezembro de 1996 contra 1.582,66% do Ibovespa no intervalo. E a volatilidade do fundo? De 19,3% no período.
O Dynamo não está aberto e não irá abrir tão cedo. Quem bebeu dessa água aproveitou o milagre de um oásis no deserto. Mas quantos outros gestores excelentes não estão neste momento construindo seu histórico de performance para serem as próximas grandes gestoras daqui a 10 ou 20 anos?
Todo manual do bom investidor dirá que é preciso analisar bem em qual produto o investidor deixará o seu dinheiro e isso também vale para os fundos, mas toda a parte de avaliação de mercado, estudo das oportunidades, hora de entrar, hora de sair, tudo isso pode ser delegado a um profissional. E há, neste momento, quem já tenha provado seu valor.
A briga entre produtos passivos e ativos é boa para o investidor. Força a indústria a repensar cobranças e estruturas, joga luz nos produtos medíocres e sobe a régua de desempenho para atrair a atenção das pessoas. No meio de uma briga, porém, você não precisa necessariamente ter um lado. Dá para ficar dos dois, extrair o que faz sentido e jogar fora o resto. Para escolher quaisquer produtos, o que você precisa saber é se seu nível de diversificação permite e qual seu nível de tolerância ao risco.
De resto, deixe que briguem. Sua carteira de investimentos agradece.
*Juliana Machado é analista CNPI e integra o time de análise de fundos de investimento do BTG Pactual digital. É jornalista formada pelo Mackenzie, com pós-graduação em economia brasileira pela Fipe-USP. Atuou com análise e seleção de fundos de investimento na Exame e escreveu por quatro anos para o Valor Econômico, nas áreas de governança corporativa e bolsa de valores. Escreve para a Exame Invest quinzenalmente.