FED: Até o final do ano, o aperto monetário deve seguir, criando uma perspectiva de desaceleração da atividade americana (Ting Shen/Bloomberg via/Getty Images)
Karla Mamona
Publicado em 21 de setembro de 2022 às 09h59.
Depois de um alívio nas perspectivas a respeito da política monetária americana no início de agosto, os mercados voltaram a precificar uma taxa de juros maior por mais tempo com consequências negativas para os preços dos ativos de risco.
A economia americana, que parecia desacelerar, voltou a apresentar sinais de resiliência, sendo o principal deles o seguinte: os dados de mercado de trabalho, que seguem apontando para um ambiente aquecido, algo que ainda pode pressionar os salários e, por extensão, os preços. A inflação, que também tinha mostrado algum sinal de alívio, voltou a se deteriorar, não só pela aceleração do seu núcleo, mas pela alta dos preços de serviços, que são mais persistentes. Além disso, os membros do Fed reativaram o modo preocupado ao falar sobre inflação ao longo do mês.
Esse contexto fez com que o mercado recomeçasse a precificar uma postura agressiva do Fed no combate à inflação. Para a reunião de decisão de política monetária em setembro, a possibilidade de uma desaceleração da alta de juros saiu dos holofotes, e agora precifica-se, inclusive, uma aceleração da atividade monetária, com uma alta que pode chegar a 1 p.p. para 3,5%. Até o final do ano, o aperto monetário deve seguir, criando uma perspectiva de desaceleração da atividade americana.
Na Europa, o Banco Central também seguiu tentando combater a inflação. A taxa de juros da região foi elevada em 75bps, para 1,25%, ritmo mais alto do que o observado nas altas anteriores. Com os altos níveis de inflação, o mercado continua precificando a continuidade da política monetária na região, apesar dos riscos de abastecimento de energia, que ganham espaço com a chegada do inverno.
Os gasodutos responsáveis por levar gás natural da Rússia para a Europa permanecem paralisados. A commodity é essencial para a aquecer as residências europeias no inverno e, mesmo com os estoques em níveis aceitáveis e redução da demanda, é possível que racionamentos tenham de ser feitos. Os problemas de oferta representam uma pressão altista para a inflação da região, enquanto deve exercer pressão baixista para a atividade. Seguirá um desafio para o BCE subir os juros em um contexto de desaceleração da economia.
Na guerra, que é responsável por parte dos problemas de oferta na Europa, vimos movimentações importantes, com o exército ucraniano recuperando territórios que tinham sido tomados pelo exército russo. Mesmo com os avanços no front, o conflito parece longe de uma resolução clara, capaz de solucionar os problemas na cadeia de suprimentos.
Outro risco para a economia global segue sendo a China. Cidades voltaram a ser fechadas em virtude do aumento de casos da Covid-19. O governo continua tentando minimizar os efeitos da política de fechamento, com estímulos ao setor de infraestrutura. Os economistas, entretanto, duvidam que os impulsos fiscais serão capazes mitigar os efeitos dos fechamentos. A fragilidade do mercado imobiliário também é fator de preocupação. Como se trata de um dos pilares do modelo de crescimento chinês, a crise no setor levanta dúvidas a respeito da estabilidade financeira e com o crescimento do país.
A política monetária foi a principal força motriz do mercado neste mês. A piora das expectativas foi responsável pela abertura das curvas de juros e queda das bolsas no exterior. O dólar também se beneficiou. Assim, S&P caiu 9,58% e o Dollar Index subiu 1,36% no intervalo de um mês.
As eleições se aproximam e as pesquisas de intenção de voto não mostraram alteração significativa. Os levantamentos mais recentes continuam apontando para um cenário de estabilidade entre os dois primeiros candidatos, pela ordem: Lula e Bolsonaro. Esperamos que a diferença entre os dois diminua à medida que nos aproximamos da data da eleição. Esse processo, entretanto, está acontecendo de forma mais lenta do que se imaginava. O maior risco ainda diz respeito à condução da política fiscal em um próximo mandato. As propostas, entretanto, só devem ser clarificadas com um presidente eleito. Assim, o cenário mais tranquilo tem trazido menos volatilidade do que eleições anteriores.
O que permanece em destaque é a inflação, que continua a ser afetada pelos efeitos dos cortes de impostos. Em agosto, ainda vimos um processo deflacionário, com queda de 0,36% nos preços. A queda, entretanto, foi menor do que se projetava e, mesmo que tenhamos observado alguma melhora na inflação subjacente, ela tem sido mais lenta do se esperava. Os núcleos da inflação avançaram 0,65%, num patamar, portanto, não condizente com a meta. A inflação de serviços também permaneceu alta, com variação próxima de 9% em 12 meses. Esses dados seguem fazendo com que projetemos mais uma alta da Selic para setembro. Julgamos o prosseguimento dos aumentos de juros adequados dada a composição ruim da inflação e as expectativas, que continuam acima da meta em no horizonte relevante.
A atividade econômica, por outro lado, se mantém resiliente. O resultado do PIB do segundo trimestre apontou para uma alta de 1,2% em relação aos três meses anteriores. Os detalhes do indicador mostraram que a economia seguiu sendo sustentada por bons resultados do setor de serviços e da indústria. O setor externo, que teve contribuição importante no primeiro trimestre, desta vez apresentou resultado negativo. Ainda assim, o qualitativo foi robusto, o que motivou alterações nas projeções. Depois do último resultado, passamos a antever uma alta de 2,7% do PIB brasileiro em 2022.
Neste mês, também vimos os primeiros dados de atividade do terceiro trimestre e nossas expectativas parecem se confirmar. Em julho, as pesquisas de serviços e indústria tiveram bons resultados. O comércio, por sua vez, não trouxe um desempenho tão bom, mas o índice de atividade do Banco Central apontou para um bom crescimento em julho. O qualitativo dos dados, entretanto, já deu indícios de que estamos em um lento processo de desaceleração, mas ainda com uma atividade forte para o resto do ano, também fundamentada por um mercado de trabalho aquecido.
Os bons dados de atividade e a inflação ainda pressionada também dão folego às contas públicas que continuam a ter bons resultados. A arrecadação segue como a principal responsável pelos bons resultados fiscais. O curto prazo segue positivo, e sem muitos ruídos no último mês. As maiores preocupações se concentram no processo eleitoral em que, como dito acima, os candidatos não dão detalhes sobre essa seara.
Seguindo uma cena externa de preocupações com a desaceleração e com os apertos monetários, a bolsa brasileira não teve bom desempenho. Os bons resultados de atividade, todavia, contribuíram para que a queda do mercado aqui fosse mais branda do que no exterior. Nossas curvas de juros também seguiram o movimento externo e observaram abertura.