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A cilada que mora em você

Por que investidores decidem com base em históricos de rentabilidade mesmo alertados pelo tradicional aviso “Rentabilidade passada não é garantia de rentabilidade futura

Sigrid Guimarães: Quanto maior o prazo dos objetivos, mais incerto será o caminho, mais decisões relativas a risco deverão ser tomadas e mais ocasiões o sistema rápido terá para fazer estragos (Alocc Gestão Patrimonial/Divulgação/Divulgação)

Sigrid Guimarães: Quanto maior o prazo dos objetivos, mais incerto será o caminho, mais decisões relativas a risco deverão ser tomadas e mais ocasiões o sistema rápido terá para fazer estragos (Alocc Gestão Patrimonial/Divulgação/Divulgação)

Sigrid Guimarães
Sigrid Guimarães

CEO da Alocc Gestão Patrimonial

Publicado em 13 de maio de 2024 às 10h10.

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Quem nunca se iludiu acreditando que, por ser a mais conhecida, certa marca seria também a melhor? Por que, ao constatar que o valor da pipoca grande é proporcionalmente menor do que o da média, tanta gente considera um bom negócio gastar mais pagando pela maior, mesmo que seu apetite real corresponda à menor e mais barata? Por que investidores decidem com base em históricos de rentabilidade mesmo alertados pelo tradicional aviso “Rentabilidade passada não é garantia de rentabilidade futura”?

Formulada pelos psicólogos Daniel Kahneman e Amos Tversky e publicada em 1979, a Teoria do Prospecto (ou da Perspectiva), explica por que nós, humanos, fazemos escolhas como essas. A tese assentou as bases da economia comportamental e ampara-se em pesquisas de campo que revelaram como mecanismos inconscientes interferem sistematicamente nos nossos julgamentos e nos levam a tomar decisões incoerentes com nossos objetivos.

Tversky morreu em 1996, aos 59 anos, antes de chegar a ver a glória da tese que ajudou a construir, mas Kahneman, sempre enaltecendo o parceiro, continuou a desenvolvê-la. Em 2002 tornou-se o primeiro psicólogo a receber o Nobel de Economia e, há algumas semanas, faleceu aos 90 anos. Em Rápido e Devagar: duas formas de pensar (E. Objetiva, 2012), ele resumiu quatro décadas de pesquisas. Na base de tudo está a distinção entre dois sistemas de pensamento em coexistência dentro de nossas cabeças: um, veloz, intuitivo e emocional, e outro, mais lento, deliberativo e lógico. Quando nos sentimos ameaçados e temos que tomar decisões rápidas, é ao primeiro que recorremos, instintivamente. O problema é que, apesar das suas notáveis habilidades, o sistema rápido dispensa o exame dos fatos e toma atalhos criados por associações que, embora simulem racionalidade, baseiam-se em preconceitos, crenças e inclinações pessoais; geram conforto, mas não necessariamente decisões objetivamente satisfatórias. São os chamados vieses cognitivos.

A incerteza é o inevitável habitat do investidor, e o risco, seu inseparável companheiro de viagem. Quanto maior o prazo dos objetivos, mais incerto será o caminho, mais decisões relativas a risco deverão ser tomadas e mais ocasiões o sistema rápido terá para fazer estragos. Se não puder ser refreado, as decisões enviesadas irão se somar e corroer os investimentos. Por isso, estar consciente desses mecanismos é crucial para quem gere um patrimônio.

No topo da lista de armadilhas para investidores está o descompasso entre o prazer de ganhar e a aversão a perder, detectado ainda nas pesquisas realizadas com Tversky, que deram origem à teoria. A descoberta é que, para a maioria das pessoas, a intensidade da dor da perda é aproximadamente duas vezes maior do que a do prazer de ganhar. Significa, por exemplo, que só um ganho de R$ 2.000,00 poderia compensar uma perda de R$ 1.000,00; ou seja, se você somar R$ 900,00 ao seu patrimônio, ainda estará chorando pelos R$ 100,00 perdidos, mas pode ficar satisfeito se ganhar apenas R$ 100 sem ter computado nenhuma perda durante o caminho.

Para evitar a dor, e não por ter calculado a probabilidade de perder ou ganhar, a maioria tende a reduzir a participação da renda variável na carteira. Diante de uma queda, corre para se livrar de ativos em baixa como quem arranca um esparadrapo de uma vez só, efetivando perdas que muitas vezes poderiam se transformar em ganhos futuros. O trauma pode se cristalizar de tal forma, que se passe a rejeitar dada classe de ativos em definitivo, criando uma regra a partir de um evento aleatório.

Entre os muitos efeitos dos vários vieses do sistema rápido capazes de tornar uma jornada de longo prazo labiríntica e ineficiente, o “efeito manada” é dos mais evidentes e elucidativos. À falta de critérios objetivos para avaliar um mercado ou ativo, muitos investidores escolhem seguir um fluxo motivados pela sensação de segurança de fazer parte de um grupo ou pela confiança em quem iniciou o movimento, merecida ou imerecida. A compra ou venda em massa faz com que os preços efetivamente escalem ou despenquem, até que a demanda ou a oferta cesse e a realidade econômica se imponha, frequentemente resultando em queda ou elevação bruscas. Quem seguiu o fluxo só por seguir morre na praia ou amarga prejuízos, conforme o momento de entrada e saída na manada. Assim se formam e estouram as tais “bolhas de mercado”.

Kahneman e outros autores descreveram dezenas de vieses intrometidos nas avaliações de riscos. Há utilidade em conhecê-los, mas quem seria capaz de manter-se permanentemente alerta contra os seus instintos, por anos e anos, examinar a fundo os movimentos súbitos do mercado e decidir lucidamente em tempo hábil?

Um incidente recente, em meio ao trágico atentado à Crocus City Hall em Moscou, dá uma pista de como resistir às ciladas do sistema rápido: dentro da sala de espetáculos atacada, cerca de 100 pessoas corriam instintivamente em direção às escadas enquanto os terroristas efetuavam disparos e bombas explodiam iniciando focos de incêndio. Nesse momento, Islam Khalilov, um rapazinho muçulmano de 15 anos que trabalhava nos camarins, disparou pelo corredor orientando a multidão para a passagem que dava em outra área do edifício, de onde aquela centena de pessoas saiu em segurança.

Islam foi premiado pela escola e condecorado por uma instituição religiosa. Entrevistado, declarou que apenas havia feito o que devia, porque havia sido instruído sobre o que fazer em um evento como aquele. − Nada elimina a beleza do gesto nem o indiscutível heroísmo do menino, que, mesmo apavorado, arriscou a vida para seguir o plano até retirar o último da fila e, só então, correu para se salvar. Essas nobres qualidades humanas não teriam, no entanto, servido de nada se ele não tivesse um plano eficiente.

Não é possível lutar contra os vieses no varejo, um a um. Para eliminar ou ao menos reduzir a influência das respostas do sistema rápido é preciso antepor a ele outro sistema de decisão, mais confiável, porém igualmente veloz. Estabelecer critérios racionais baseados em sólidos princípios gerais sobre o comportamento dos mercados é o primeiro passo. Com regras e processos para a aplicação desses critérios ao seu planejamento pessoal, não é preciso decidir sob pressão. Depois, é disciplinar-se para manter o curso independentemente das emoções do momento.

Eu sei, é muito improvável que alguém que não seja um profissional do ramo possa desenvolver um sistema assim. Para isso existem os serviços de gestão patrimonial. Se tiver que escolher um, não se esqueça de perguntar e entender qual é o sistema dele.

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