Marcos Mollica, do Opportunity: "o petróleo pode ser o ponto de inflexão para jogar a economia americana em uma recessão mais forte (Opportunity/Divulgação)
Repórter
Publicado em 23 de setembro de 2023 às 10h00.
Nada tem movimentado mais as carteiras e as perspectivas macroeconômicas da Opportunity do que a recente alta do petróleo. PhD em economia pela Universidade de Chicago, Marcos Mollica é o gestor responsável por gerenciar o fundo multimercado Opportunity Total. Somente sob sua tutela estão R$ 4 bilhões, quase um décimo dos R$ 50 bilhões de patrimônio da gestora. Em entrevista à Exame Invest, ele contou que tem buscado posições vendidas diante dos potenciais efeitos da valorização da commodity. "O mercado está em um limbo e no meio disso tudo tem o choque do petróleo. Estamos preocupados." Devido a cortes de produção por países da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), nesta semana, o barril de petróleo passou de US$ 95 pela primeira vez desde novembro. A commodity acumula 8% de apreciação no mês e já subiu 30% desde junho.
O temor é de que a recente alta do petróleo possa desencadear uma sequência de eventos negativos que culminariam com a recessão dos Estados Unidos. Este, segundo o gestor, seria o pior cenário para o mercado brasileiro. "Se caminhar para uma recessão americana, muda a perspectiva para emergentes. Isso é um risco importante, até mais que o fiscal."
Esse cenário, segundo Mollica, se torna ainda mais inflamável diante das taxas de desemprego historicamente baixas no mundo todo. "Quanto mais apertado [for o mercado de trabalho], maior a transmissão do choque de oferta. Por isso estamos preocupados e montamos essas posições negativas."
Mollica busca no mundo inteiro maneiras de obter o melhor retorno para os mais de 8.000 cotistas de seu fundo. Para isso, tem montado posições que visam obter retornos com a queda das bolsas de valores e persistência de juros elevados por mais tempo na economia americana. Desde 2003, quando foi criado, o Opportunity Total acumula retorno de 1.232%, 66% acima do CDI.
Essas posições tem gerado retornos positivos para o fundo. "Era um céu de brigadeiro e agora surgiram algumas nuvens. O preço precisava refletir esse risco e isso está começando a acontecer." No Brasil, Mollica ainda vê preços favoráveis para ficar aplicado na curva de juros, mas não tanto como antes.
"O jogo no Brasil, agora, é a taxa em que o BC encerrará o ciclo de queda e sobre quando o Copom irá aumentar o ritmo de corte. É provável que acelerem em dezembro." Sua projeção é de que o ciclo de cortes terminará com a Selic entre 8,5% e 9%. Mas, se o fiscal ajudasse, poderia ser até entre 7% e 8%. "O grande risco no ano que vem será o fiscal, que pode atrapalhar. Se entregar entre 0,5% e 1% [de déficit primário], o mercado deve aceitar. O que não pode acontecer é mudar a meta [fiscal] "
Leia a entrevista com Marcos Mollica, gestor do fundo Opportunity Total.
Como o senhor está vendo mercado macro. Mais otimista ou mais pessimista?
Está em um momento bem difícil. Não enxergamos uma tendência clara nos mercados, o que é típico em momentos de transição de cenários.
Para qual cenário?
Vínhamos em um processo sincronizado de alta de juros no mundo inteiro. Essa alta de juros já começa a ter efeito na economia, trazendo a inflação para baixo. Mas não chegamos no destino final ainda. Muitos países, principalmente os países desenvolvidos, estão com a inflação longe da meta.
O Fed deve voltar a subir juros nos EUA?
Achamos que o Fed parou de subir juros, mas sempre deixa a porta aberta para voltar a subir. Isso gera incertezas. Ao mesmo tempo, não conseguimos vislumbrar cortes de juros. Então, não dá mais para apostar na alta de juros, porque já está acabando, e também não dá para vislumbrar os cortes. O mercado está em um limbo e no meio disso tudo tem o choque do petróleo. Estamos preocupados com essa alta do petróleo.
Com têm sido as últimas movimentações do fundo?
Tivemos posições mais negativas, tendo em vista o impacto que pode ter o choque do petróleo. O mercado estava muito confiante no soft landing. O choque do petróleo é mais inflação e menos atividade e o 10 anos em alta aperta as condições financeiras, o que gera um risco maior de termos uma recessão mais forte.
Quais foram essas posições?
Fizemos algumas posições shorts em bolsa americana e ficamos tomados no 10 anos. Mas foram movimentos mais táticos. Era um céu de brigadeiro e agora surgiram algumas nuvens. O preço precisava refletir esse risco e isso está começando a acontecer. Na parte de juros, temos posições aplicadas em países que já começaram o ciclo de cortes. No Brasil , por exemplo, estamos aplicados [na curva de juros].
Posição pequena?
Sim, porque os preços já andaram bem. O jogo no Brasil, agora, é a taxa em que o BC encerrará o ciclo de queda e sobre quando o Copom irá aumentar o ritmo de corte. É provável que acelerem em dezembro.
Mesmo com o Copom indicando, no plural, que manterá o ritmo nas próximas reuniões?
Isso é agora, pode mudar. A inflação deve continuar na atual trajetória, que está muito boa, e a atividade pode dar sinais de enfraquecimento no fim do ano. Acho que o choque do agro irá se dissipar e as condições financeiras, que estão muito apertadas, começarão a bater na economia. Chegaremos na reunião de dezembro em um quadro bem diferente. Com os números melhores, projetando para frente, as expectativas poderão ser de inflação abaixo da meta. Isso daria espaço para o BC acelerar o corte de juros. O mercado tem Selic terminal perto de 9,8%. Acho que vai ser entre 8,5% e 9%.
No ano que vem?
No ano que vem.
Qual seria o grande risco de o BC não conseguir cortar tanto a Selic?
O grande risco no ano que vem será o fiscal, que pode atrapalhar. Se entregar entre 0,5% e 1% [de déficit primário], o mercado deve aceitar. O que não pode acontecer é mudar a meta [fiscal] . Se a meta não for batida, começarão os gatilhos do arcabouço fiscal, forçando o governo a se mexer.
Essa alta de petróleo pode impedir o Copom de acelerar os cortes no fim do ano?
Pode. Os Bancos Centrais tendem a olhar através dos choques de oferta, porque são commodities muito voláteis, mas essa alta pode afetar os núcleos da inflação. O petróleo nesse nível começa a gerar esse risco. Mas a trajetória da inflação brasileira está muito benigna.
Faz sentido apostar na alta do petróleo?
Nesses preços já não vale tanto. Estamos discutindo a persistência desses preços. A demanda está muito alta em relação à oferta. Então, o petróleo à vista está muito alto, mas não a curva de preço. Talvez tenha alguma oportunidade aí, mas não no petróleo à vista.
Petróleo alto afeta as decisões do Fed?
Sim, mas tem que ver o impacto secundário. A alta do petróleo é como se fosse um imposto. Quando sobe, as pessoas deixam de consumir outros produtos para comprar gasolina. Isso faz com que a economia desacelere, o que mitiga o impacto inflacionário. O petróleo pode ser o ponto de inflexão para jogar a economia americana em uma recessão mais forte. Então, dificilmente o Fed subiria mais os juros devido à alta do petróleo.
Qual é o cenário-base para a economia americana?
É de desaceleração. Já estamos vendo o mercado de trabalho desacelerar. Mas acho que o petróleo pode acelerar um pouco e termos uma surpresa negativa no final do ano. Só que não estamos vendo uma recessão por enquanto. Precisamos ver como esse choque será filtrado para dentro do sistema.
A desaceleração da China preocupa?
Há uma mudança do modelo de crescimento na China, com menos infraestrutura e setor imobiliário e mais consumo. Não vai ter mais estímulos cavalares porque há problemas de alavancagem. O que dá pra fazer é estimulo pelo consumo via política monetária. Esses estimulo é mais lento e menor. Então, devemos ver o crescimento chinês convergir para um patamar muito mais baixo do que estamos acostumados. Mas não é uma crise. Sempre há o risco de insolvência no setor imobiliário, mas acho que é um país com condição fiscal de absorver os impactos no balanço do governo. Mas não vamos ver crescimento para sustentar demanda por minério e aço.
Essa mudança de imobiliário e infraestrutura para consumo pode tornar o preço do minério estruturalmente mais baixo?
Pode. Não temos a dimensão disso, mas pode. Hoje, está alto.
Tivemos a revisão da projeção de PIB brasileiro pela OCDE nesta semana. No geral, o mercado tem subestimado o crescimento do PIB do Brasil, por quê?
O primeiro choque agrícola foi forte e é difícil de medir. Apesar do tamanho do setor ser pequeno na composição do PIB, essa renda tem um efeito na cadeia. Por exemplo, na demanda de fertilizantes e veículos. Acho que os economistas ainda não conseguiram incorporar direito esses efeitos do setor agrícola, que está muito dinâmico. Teve também o impacto do Bolsa Família maior, que aumentou a renda disponível. É difícil capturar nos modelos, já que quase triplicou. E teve o gasto fiscal, que inseriu R$ 200 bilhões de gastos com a PEC da Transição.
Como vocês estão vendo o crescimento?
Temos projeção entre 2,8% e 3% de crescimento para este ano.
Agora, a projeção é de desaceleração pelo efeito monetário?
Sim. O efeito do juro alto ainda está impactando o consumo das famílias e das empresas. Os níveis de inadimplência estão subindo. A parte de investimento inibe. Não vai ter um choque desse tamanho de Bolsa Família, que vai ser o mesmo. Naturalmente, a economia deve desacelerar.
E isso que deve ajudar o corte mais forte de juros?
Sim. O juro está alto para isso.
Como a intensificação do corte de juro pode mudar o sentimento do mercado?
Pode ser bom. acho que o nível de juros ainda tá muito alto, ele inibe um movimento mais consistente de mudança de portfólio em direção ao risco. É difícil uma pessoa física mudar o portfólio para o risco. se consegue altos retornos com ativos mais seguros. Se a taxa de juros para próximo de 10%, as pessoas deverão ficar mais motivadas a investir em bolsa e em outros ativos de risco, o que gera um feedback positivo para a economia. Esse é o movimento natural dos instrumentos monetários. Começa pelo financeiro e vai para a economia.
O fundo está comprado em bolsa brasileira?
Temos uma posição pequena, mais sensível a juros e sempre com a cabeça macro. Então, nem discutimos muito as empresas.
Hoje há maior chance de aumentar a posição?
Sim, é coerente com nossa visão de juros. Estamos esperando um gatilho maior para aumentar a posição.
Quais são as posições mais sensíveis a juros que vocês têm?
Em bancos como BTG e XP, que entram em mecanismo financeiros. Temos também algo de varejo e energia.
Vocês ainda estão vendidos nos Estados Unidos?
Taticamente, sim. O mercado estava muito otimista com o controle da inflação pelo soft landing. em que a economia desacelera muito lentamente e a inflação converge sem quase nenhum custo. Com isso, os preços estavam muito altos. Só que veio o choque do petróleo e da taxa longa americana. Montamos a posição e agora está respondendo. Achei que tinha uma assimetria favorável em ficar vendido naquele momento. Mas podemos zerar a posição, se os preços se moverem.
Ao longo da semana teve a decisão do Fed, marcada pela mudança das projeções de juros. Isso assustou um pouco?
Acho que sim. Foi uma sinalização contracionista. O mercado estava com a guarda baixa. precificando que tudo iria bem, O que surpreendeu foi a previsão para o juro de 2024, que prevê dois cortes a menos.
O que precisaria para o Fed começar a cortar juros?
Está longe ainda. Precisaria a inflação convergir para a meta. Mas ainda está alta.
Principalmente o núcleo?
Principalmente. E o mercado de trabalho teria que ceder um pouco. Os últimos dados foram muitos bons nesse sentido. Tanto a oferta quanto a demanda de trabalho estão na direção certa.
Esse mercado de trabalho apertado torna mas sensível o impacto do choque do petróleo na inflação?
Com certeza. Quanto mais apertado, maior a transmissão do choque de oferta. Por isso estamos preocupados e montamos essas posições negativas. Tudo por causa do choque de petróleo. Só que o choque gera seu próprio equilíbrio.
O mercado de trabalho está apertado também no Brasil?
Está bem apertado. O desemprego está baixo. Mas devemos ver um arrefecimento junto com desaceleração.
É possível manter a Selic entre 8,5% e 9% por muito tempo?
Dá, mas é difícil prever. O fiscal é determinante. É um nível de taxa de juro perfeitamente compatível com o Brasil, mas pode ser até mais baixo que isso. Se o país conseguir passar a mensagem credibilidade fiscal, a taxa poderia cair para 8% ou até 7%, com o fiscal arrumado. Mas não vai chegar lá porque sempre tem um prêmio. Por isso, esperamos entre 8,5% ou 9%. Mas é longe da taxa que seria a taxa neutra no Brasil.
Estaria abaixo essa taxa?
Estaria abaixo disso, embora seja difícil de estimar no Brasil. Talvez fosse algo entre 7% e 8%. Só que o fiscal impede porque teria sempre um prêmio.
Olhando para o médio prazo, qual é o principal risco para a inflação brasileira?
É o fiscal. Isso é fácil de falar.
O risco para o mercado mercado brasileiro é o fiscal também?
Acho que é o externo. Se caminhar para uma recessão americana, muda a perspectiva para emergentes. Isso é um risco importante, até mais que o fiscal.
O soft landing seria o melhor cenário para o Brasil?
Seria, sem dúvida.
O cenário de "no landing" seria ruim ?
Este cenário é perigoso para o Brasil, porque o Fed não admitiria ser no landing. Além disso, não trás a inflação para baixo. Então, o Fed subiria os juros, que competiria com o do Brasil
Essa taxa de juro americana limita a queda da Selic?
Limita. Tem um impacto através do câmbio.
Isso olhando taxa terminal?
Sim. Agora, ainda temos uma gordura. Quando chegar perto do 10% começa a pesar.
Esse 10% é o número mágico para vermos um fluxo para ativos de risco maior?
Nao acho que exista um número mágico. É um processo gradual.
Como fica o câmbio, com o BC podendo cortar juros para 9% ou 8,5% no que vem e o Fed mantendo o juro perto de 5%. Essa queda de diferencial de juros deve prejudicar o real?
O juro no Brasil ainda está alto. Tem que olhar o diferencial de juro curto, de um mês. Conforme for cortando juros, esse diferencial diminui. Isso torna o câmbio mais suscetível a mudanças de fundamentos domésticos. Aqui, a variável mais importante para o câmbio será o fiscal. Hoje, os temas globais tem sido determinante para o câmbio. Mas não vai ter mais o colchão. Então, qualquer mudança de fundamento baterá no câmbio.
O fiscal vai ser ainda mais importante no ano que vem, dado o menor diferencial de juros?
Sim, será bem importante.
Como a Opportunity tem se posicionado no câmbio?
Estamos comprados em dólar contra o euro e o yuan chinês. Tem uma divergência clara. Os Estados Unidos ainda não pararam de subir os juros e seguem com economia resiliente contra essas duas economias que estão fracas. Juros e atividade estão a favor do dólar. Na parte de emergentes, temos sido mais táticos, sem posições estruturais. Esse choque do petróleo aumenta a aversão ao risco, o que é prejudicial para essas moedas.
Mesmo com a commodity alta?
Mesmo com a commodity alta.
Estruturalmente o dólar caro no Brasil?
É muito difícil dizer. O dólar é o que está na tela. Se está barato ou caro, não posso dizer. Não conheço nenhum modelo que aponte isso.