Economia dos EUA: juros, inflação e mercado de trabalho influenciam investidores. ( DC_Studio/envato)
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Publicado em 19 de novembro de 2024 às 15h00.
A economia americana está “bem”, como disse recentemente o presidente do FED (Banco Central dos Estados Unidos), Jerome Powell, do ponto de vista da atividade. O desemprego está baixo e o crescimento, em um ritmo saudável. Em termos de inflação, o ritmo do aumento de preços está convergindo para a meta de 2% do banco central aos poucos.
Uma preocupação, pondera Paula Zogbi, especialista da fintech Nomad, é o fiscal. “O endividamento está em níveis recordes, em 120% do PIB, e a recém-eleição de Donald Trump para a presidência é prenúncio de mais renúncias fiscais, já que suas políticas incluem a diminuição de impostos corporativos entre as prioridades”, explica.
Doutor e mestre em economia pela University of California, Santa Cruz, Fernando Chertman, professor de macroeconomia e economia matemática da Faculdade Belavista, pondera que o cenário econômico dos EUA está em um momento de transição, com o FED ajustando sua política monetária após uma série de altas nos juros para controlar a inflação, que subiu bastante nos últimos anos. “Com a inflação finalmente desacelerando, o mercado está de olho na possibilidade de o Fed começar a cortar os juros em breve, o que mexe com setores como o imobiliário e o de consumo”, detalha.
Outro ponto importante, diz Chertman, é o mercado de trabalho, que continua aquecido, com baixas taxas de desemprego e alta demanda por profissionais em áreas como tecnologia, saúde e serviços. “Essa escassez de mão-de-obra tem aumentado os salários, o que pode alimentar a inflação, mantendo o Fed em alerta.”
Os preços das commodities, como petróleo e alimentos, também afetam a economia dos EUA, sendo influenciados tanto por tensões geopolíticas quanto pela demanda global. “Esses preços, combinados com as decisões do Fed, impactam diretamente a inflação e o comércio exterior”, diz o professor.
Há ainda a questão geopolítica a ser considerada, especialmente as tensões comerciais com a China e a guerra na Ucrânia, que vêm causando desafios na cadeia de suprimentos e aumentando custos. “Isso leva o governo dos EUA a incentivar a produção doméstica em áreas estratégicas, como semicondutores, para reduzir dependências externas”, afirma Chertman.
Finalmente, o consumo nos EUA, que é um dos grandes motores da economia, permanece forte apesar dos custos de crédito mais altos. “Esse consumo, impulsionado pelo crescimento nos salários, mantém o PIB em expansão, ainda que em um ritmo mais moderado do que o visto nos últimos anos”, diz o professor.
Nesse cenário todo, o acadêmico resume que a economia dos EUA está equilibrando crescimento e inflação, com o Fed acompanhando de perto para garantir estabilidade nos preços sem frear o crescimento econômico.
O futuro governo Trump criou um alerta do ponto de vista inflacionário, explica Paula, da Nomad, já que propostas como amplas tarifas de importação e deportação de imigrantes, que correspondem a uma grande parcela da força de trabalho, podem gerar preços e salários mais altos. “Isso criaria um ambiente mais desafiador para o corte de juros pelo Fed, o que levaria as taxas a ficarem altas por mais tempo, desestimulando a atividade”, explica.
Sendo assim, Chertman diz que a inflação continua sendo um ponto de atenção importante nos EUA, mesmo com os sinais de desaceleração. “Após meses de alta, os preços ainda não voltaram ao nível desejado, e isso gera incertezas sobre o poder de compra das famílias americanas e sobre o planejamento das empresas.”
O impacto potencial da inflação no consumo e no mercado americano pode se dar de várias formas. Entre elas, redução no poder de compra; custos de crédito mais elevados; e redução de contratações em função do aumento dos custos para as empresas.
Por ora, o FED manteve a postura de continuar os cortes de juros, explica Paula, da Nomad. A maior probabilidade agora, segundo a especialista, é que haja um novo corte de 0,25 na reunião de dezembro.
Na visão do professor da Faculdade Belavista, o FED deve seguir com cautela em relação aos juros, “mas há uma expectativa de que ele comece a cortar os juros em 2024, desde que a inflação continue desacelerando e a economia mostre sinais de estabilidade”. “Embora os preços estejam recuando, a inflação ainda não atingiu a meta de 2%, e o Fed quer evitar o risco de estimular a economia cedo demais, o que poderia trazer a inflação de volta”, explica Chertman.
Paula diz também que os próximos passos em relação aos juros irão depender muito dos dados de emprego, que se tornaram o maior foco do Fomc, o comitê do FED responsável por definir a política monetária, visando manter a taxa de desemprego perto de 4%, e das políticas econômicas que serão adotadas pelo futuro governo.
“Quanto aos investimentos, a perspectiva de juros mais altos já está refletida na curva de juros, com títulos de vencimento no médio e longo prazo pagando taxas mais altas”, afirma Paula. “Alguns setores também já são prejudicados, como o de construção civil e habitação, bastante sensíveis a juros altos. De forma geral, quedas nos juros são mais positivas para ativos de risco, então, caso o ambiente se torne mais inflacionário, isso pode causar volatilidade.”
Paula destaca ações de empresas ligadas a combustíveis fósseis, já que a extração desse tipo de combustível é amplamente apoiada por Trump; indústria doméstica americana, que será beneficiada pelo aumento do preço dos insumos importados com as tarifas; criptoativos, se beneficiando da postura pró-bitcoin adotada durante a campanha, quando Trump defendeu que os EUA se tornassem o país mais minerador da cripto no mundo; small caps, que se beneficiam mais intensamente de impostos reduzidos e menor regulação; e o setor financeiro, também historicamente mais beneficiados por um provável relaxamento das normas para o mercado de capitais, prometido por Trump em campanha.
Com possíveis impactos negativos, Paula lista a tese de eletrificação e empresas de energia renovável; grandes empresas de tecnologia, que dependem muito de chips chineses; e construção civil e moradia, especialmente para o segmento de baixa renda, já que o setor poderia ser muito mais beneficiado com políticas de incentivo a habitação trazidas por Kamala Harris e por uma queda mais intensa das taxas de juros.
Paula, da Nomad, comenta que existem ativos menos voláteis dentro de todas as classes. “Na renda fixa, a marcação a mercado atinge mais intensamente títulos com ‘duration’ mais longa, e, mantendo até o vencimento, o investidor garante a taxa prometida”, explica. “O importante é se atentar à qualidade de crédito do emissor.”
Na renda variável, há setores e empresas com maior previsibilidade de geração de receita, também oferecendo maior proteção para o portfólio. “O importante é casar as expectativas e os objetivos: invista com segurança o dinheiro que será necessário no curto prazo e busque maiores retornos, com diversificação, para o longo.”
Chertman diz, ainda, que investidores brasileiros com perfil conservador ou moderado devem adotar uma postura cuidadosa e diversificada ao buscar oportunidades em um cenário potencialmente instável. “A volatilidade econômica global, aliada à possível queda de juros nos EUA, pode trazer incertezas, e alguns fatores são especialmente importantes para garantir segurança e retornos consistentes”, afirma.
Assim, os principais pontos de atenção para o investidor brasileiro, diz Paula, são o risco fiscal e o risco de a inflação acelerar muito, que prejudicariam os ativos americanos. “É importante ter uma carteira diversificada para se proteger desses riscos, com renda fixa, ações e ativos de diversas geografias”, finaliza.