Anbima: renda fixa foi o grande destaque de 2024 (Ekin Kizilkaya/Getty Images)
Repórter de finanças
Publicado em 22 de janeiro de 2025 às 14h52.
Com o fim do afrouxamento monetário e, posteriormente, a alta da Selic, houve uma migração do capital de fundos multimercados e de ações para a renda fixa, que voltou a ser o refúgio dos investidores. Dentro dessa categoria, uma classe se destacou em 2024 mais do que as outras: os fundos de crédito privado.
A alta demanda impulsionou os volumes de captação para um recorde: os fundos de renda fixa captaram R$ 709,2 bilhões em 2024, um aumento de 77% em relação a 2023, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) – enquanto os fundos híbridos captaram R$ 49,1 bilhões (+25%) e os fundos de renda variável R$ 25 bilhões (-20%).
Entre os instrumentos que se destacaram em 2024 na renda fixa, os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) e as debêntures foram os maiores impulsionadores da captação. As debêntures mais do que dobraram seu volume, passando de R$ 236,6 bilhões em 2023 para R$ 473,66 bilhões em 2024 – um salto de 100% – enquanto os FIDCs avançaram de R$ 43,75 bilhões para R$ 81,41 bilhões (+86%).
Guilherme Maranhão, presidente do Fórum de Estruturação de Mercado de Capitais da Anbima, explica que os números expressivos do crédito privado se justificam pelo próprio instrumento. “Os FIDCs servem para as empresas debutarem no mercado de capitais. É natural que elas usem seus recebíveis para acessar o mercado”, disse o executivo em coletiva de imprensa nesta quarta-feira, 22.
Tanto é que o número de operações em FIDCs representou a maior parcela do total (31,7%) em 2024 – mas, quando observado o volume, 82% das operações movimentaram até R$ 100 milhões, valor considerado pequeno, o que indica que os FIDCs são um instrumento de entrada.
As debêntures, por sua vez, ganharam força por conta de sua finalidade. Ao todo, R$ 122 bilhões – o que representa quase 26% do total captado – foram destinados a investimentos em infraestrutura, o terceiro maior volume, antecedido por R$ 111 bilhões para pagamento de dívidas e R$ 149,55 bilhões para recomposição de caixa.
Comumente usadas para captar investimentos em infraestrutura, as debêntures incentivadas mais do que dobraram seu volume, saindo de R$ 67,8 bilhões em 2023 para R$ 135 bilhões em 2024. Para as debêntures corporativas, o salto foi de R$ 168,8 bilhões em 2023 para R$ 472,5 bilhões em 2024.
Entre os setores que lideraram a captação de recursos, estão:
“Todos os setores conseguiram captar mais nos mercados de capitais. Houve uma mudança na ordem de quem captou mais, mas todos cresceram. Os mais maduros, que o investidor já conhece bem – como energia elétrica, transporte e logística, saneamento e financeiro –, saem na frente”, comentou Maranhão.
Entretanto, a alta demanda por fundos de crédito privado trouxe uma consequência: os spreads comprimidos.
Um relatório publicado pelo Santander e assinado pela equipe liderada por Aline Cardoso, head de pesquisa e estratégia do banco, ilustra esse cenário. Segundo ela, o alto volume de dinheiro investido em fundos de crédito corporativo fez com que as empresas pudessem tomar empréstimos mais baratos, até mesmo pagando juros menores do que os do governo.
Ou seja, para as empresas, o cenário foi positivo, já que conseguiram captar recursos a custos mais baixos.
“Uma das razões pelas quais a política monetária já restritiva não impactou os resultados financeiros das empresas tanto quanto se esperava foi a compressão substancial nos spreads ao longo dos últimos 12 meses”, aponta o relatório. Inclusive, a entrada de fundos de crédito privado permitiu que algumas empresas de alta qualidade emitissem dívidas com spreads negativos em relação à dívida soberana.
Já para os investidores, o retorno ficou menos atrativo. Como resultado, em novembro e dezembro houve resgates nos fundos de crédito, especialmente dos mais líquidos: -R$ 13,4 bilhões e -R$ 45,1 bilhões, respectivamente, os dois únicos meses no vermelho em 2024.
Um levantamento da JGP Asset Management revelou que os spreads de emissões de títulos indexados ao CDI ficaram em 1,7% de agosto a outubro de 2024, subindo para 1,8% em novembro e dezembro. No pico do ano, entre março e maio, os spreads chegaram a 2,9%.
Para 2025, o Santander afirma que irá monitorar o mercado de perto. “Acreditamos que o mercado de crédito brasileiro enfrentará um cenário mais desafiador em 2025.”
Na visão do banco, uma desaceleração mais acentuada nesse mercado poderia impactar negativamente as estruturas de capital das empresas e sua capacidade de refinanciar dívidas. Por outro lado, caso o capital migre de volta para fundos de ações, isso pode trazer benefícios para as empresas.
Maranhão, da Anbima, justifica a queda dos spreads e a saída de capital dos fundos de crédito privado como algo sazonal. Para ele, nessa época de pagamento de dividendos e remessas, é natural que os investidores “arrumem a casa” para começar o novo ano. “Não é algo que preocupa.”
Ainda assim, ele reconhece que é difícil ver um crescimento no crédito privado como o de 2024, que foi da ordem de 70%. “Mas, quando a gente olha do ponto de vista estrutural e mesmo de captação, muito dinheiro acaba retornando”, explica.
Por conta disso, ele não acredita que janeiro será um mês fraco. “Dizer que vai crescer no mesmo ritmo que 2024 eu acho complexo, porque o crescimento do ano passado foi realmente muito grande, mas não vejo motivo para não termos um mercado bastante saudável ao longo de 2025.”
Um dos fatores que apontam para essa possibilidade, segundo o executivo, é a própria acomodação reversa dos spreads – visível também no estudo da JGP, que mostra que os spreads até a semana passada estavam na casa dos 2,1%.