Economia americana: rendimento do título de dez anos nos Estados Unidos indica que o aumento da percepção de que os juros permanecerão elevados (Leandro Fonseca/Exame)
Repórter
Publicado em 28 de setembro de 2023 às 11h29.
Última atualização em 28 de setembro de 2023 às 15h26.
PIB, inflação, desvalorização cambial? Que nada. Nos últimos dias só se fala dos títulos americanos no mercado financeiro — ainda que todos os outros temas anteriores estejam, de alguma forma, relacionados. Os títulos americanos são considerados os ativos mais seguros do mundo. Isso porque existe a crença de que o governo americano nunca deixará de pagar suas dívidas. Na pior das hipóteses, afirmam muitos especialistas, bastaria emitir dólar que resolveria o problema. Na prática, é um pouco mais complexo. Mas o fato é que quanto maior o rendimento desses títulos, menos dinheiro sobra para ativos mais arriscados, como ações e títulos corporativos ou de outros governos. E esse rendimento tem aumentado cada vez mais.
Os títulos do Tesouro americano, de maneira geral, têm oferecido retornos bem mais atraentes que em anos anteriores. O título com vencimento em 2 anos (T-2), por exemplo, saltou de um retorno próximo de 0% em 2021 para acima de 5% neste mês, chegando ao maior patamar desde 2000. Mas é o título de 10 anos (T-10) que concentra a maior parte dos holofotes do mercado. Nesta quinta-feira, 28, o T-10 chegou a ser negociado acima de 4,66%, renovando o maior patamar em 16 anos.. Mas este movimento não é de hoje. Desde abril, o rendimento do título já subiu 37%, mais do que se valorizou o petróleo no mesmo período.
Para investidores, os núcleos de inflação ainda distantes da meta do Federal Reserve (Fed) deve forçar o banco central americano a seguir duro com sua política monetária, ainda mais diante da resiliência da economia dos Estados Unidos. Mesmo com as taxas altas para o padrão americano, o PIB americano cresceu mais de 2% no segundo trimestre, enquanto a taxa de desemprego segue próxima da mínima histórica. Essa alta do rendimento do título de dez anos nos Estados Unidos indica que o aumento da percepção de que os juros permanecerão elevados por mais tempo nos Estados Unidos. Parte do movimento recente foi impulsionado pelas sinalizações do próprio Fed.
Na última decisão, o banco central americano manteve a taxa de juros inalterada, mas, em suas projeções para os próximos anos, foram retiradas dois cortes de juros que estavam previstos para o próximo ano. A expectativa mediana de diretores do Fed é de que os juros americanos, hoje entre 5,25% e 5,5%, permaneça acima de 5% durante todo o próximo ano. A mensagem do Fed, sem dúvidas, foi "hawkish", avaliaram economistas do Bank of America após a revisão das projeções.
"O resumo das projeções econômicas surpreendeu, especialmente o ponto mediano de 2024 e 0,50 ponto percentual de menos cortes no próximo ano. Isso contribuiu para taxas mais altas na extremidade frontal da curva do Tesouro, incluindo a taxa de 2 anos", afirmaram em relatório. Um dos sintomas mais gritantes dessa alta de juros é a entrada, neste ano, de mais de US$ 1 trilhão em money market funds (MMF), que são fundos que investem em ativos de altíssima liquidez e segurança, como em títulos do Tesouro americano. "Nada grita mais 'convicção de um bear market (mercado em queda)' do que a entrada de US$ 1 trilhão em Money Market Funds", afirmou o BofA.
A consequência direta da busca crescente por títulos do Tesouro é o aumento da demanda por dólar, que volta a ser negociado em firme alta contra moedas do planeta inteiro. Na véspera, o Dxy, índice que mede a variação da divisa americana contra as moedas mais negociadas do mundo, bateu máxima em 10 meses. Os reflexos também foram sentidos no Brasil, com o dólar voltando a fechar acima de R$ 5 pela primeira vez desde o começo de junho. Além da alta isolada dos títulos americanos, Marcos Mollica, gestor multimercados do Opportunity, ressaltou que o momento em que ela ocorre é ainda mais preocupante.
"O mercado estava muito confiante de que Fed conseguiria controlar a inflação sem grandes danos à economia. Mas o choque do petróleo gera mais inflação e menos atividade, enquanto o T-10 em alta aperta as condições financeiras, o que gera um risco maior de termos uma recessão mais forte", disse em entrevista recente à EXAME Invest. Essa combinação, segundo o economista PhD pela Universidade de Chicago, gera uma probabilidade ainda maior de recessão mais forte nos Estados Unidos. Este, afirmou, seria o maior risco para o mercado brasileiro.
Embora a economia brasileira esteja em um outro momento do ciclo de juros, com o Banco Central já em seus primeiros cortes da taxa Selic, a turbulência no exterior tem deixado investidores locais bem mais cautelosos. Mesmo com sinais de desaceleração nos resgates de fundos de ações, Marcel Andrade, head de fundo de fundos na SulAmérica Investimentos, ainda não vê espaço para uma retomada consistente dos níveis de captação nos próximos meses, mesmo com a Selic em queda.
"A renda fixa, tanto brasileira quanto a internacional, ainda está com uma relação de custo-benefício bastante atrativa. Isso deve frear a migração para ativos de maior risco, como fundos de ações, mesmo com a Selic em queda no Brasil. O cenário interno de desinflação e queda de juros já está dado, mas o exterior ainda preocupa", afirmou.