Indústria de fundos imobiliários pode ter impacto com novo entendimento da CVM | Foto: CVM/Divulgação (CVM/Divulgação)
Da Redação
Publicado em 26 de janeiro de 2022 às 21h58.
Última atualização em 26 de janeiro de 2022 às 22h42.
Uma decisão do colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), autarquia que regula e fiscaliza o mercado de capitais no Brasil, tomou conta das conversas de investidores, gestores e analistas de fundos imobiliários (FIIs) nesta quarta-feira, dia 26. E está levando apreensão a esses stakeholders diante de potenciais implicações sobre a distribuição de dividendos por fundos.
A EXAME Invest explica abaixo, no formato perguntas e respostas, o caso e suas potenciais implicações:
1. Afinal, o que a CVM decidiu que pode afetar fundos imobiliários?
Na noite de terça-feira, dia 25, o Maxi Renda (MXRF11), um dos maiores fundos imobiliários do país em número de cotistas, com cerca de 500 mil, divulgou fato relevante em que informa sobre uma decisão do colegiado da CVM sobre o regime contábil adotado pelo administrador do fundo, o BTG Pactual, para a distribuição de dividendos.
Segundo o colegiado da CVM, o fundo tem distribuído dividendos aos cotistas com base no chamado regime de caixa, mas o correto seria que isso ocorresse apenas em exercícios com lucro contábil.
Na avaliação da autarquia após análise, rendimentos do fundo foram distribuídos mesmo quando excediam os valores reconhecidos no lucro do exercício ou acumulado, com base no lucro caixa.
Esse excedente distribuído, sempre na visão da CVM, teria como efeito aumentar os prejuízos acumulados pelo fundo de forma recorrente e, portanto, deveria ser enquadrado como amortização do custo de capital investido pelos cotistas.
2. O que disse o Maxi Renda?
O fundo aponta que tomou como base para a distribuição de dividendos pelo regime de caixa um ofício circular da própria CVM em 2014: segundo o documento, fundos devem partir do eventual lucro contábil para a distribuição, fazendo ajustes que levem em consideração apenas o que efetivamente circulou pelo caixa (receita ou despesa).
Diante desse entendimento consagrado na indústria de FIIs, eles ficariam dispensados de considerar a marcação a mercado — ajuste do ativo pelo seu valor presente — no momento de definição da distribuição de dividendos.
3. Por que a decisão do colegiado da CVM causa preocupação para outros fundos?
A decisão se aplica ao caso envolvendo o Maxi Renda, mas há o temor de que a decisão possa ser definida como jurisprudência para casos semelhantes com outros fundos imobiliários, impactando a forma como a indústria de FIIs distribui dividendos atualmente.
Pelo regime de lucro contábil, um fundo com receita firme proveniente do pagamento de aluguéis, como é o caso dos chamados fundos de tijolo — como os de lajes corporativas ou galpões logísticos —, só poderia distribuir dividendos se registrasse lucro contábil no exercício. Uma eventual reavaliação para baixo do imóvel (ou dos imóveis) que integra o fundo poderia, hipoteticamente, inviabilizar a distribuição dos rendimentos nesse mesmo exemplo.
4. Qual é o efeito prático da decisão do colegiado da CVM?
Por enquanto, o efeito se deu no valor das cotas do Maxi Renda negociadas na B3, que fecharam em queda de 3,9% nesta quarta-feira, dia 26. O fundo teve lucro contábil em 2021 e, portanto, poderá distribuir dividendos. E disse que vai recorrer da decisão da CVM, que também não se manifestou em relação aos demais FIIs do mercado.
Houve um efeito de apreensão e de insegurança jurídica entre gestores e investidores, dado que a distribuição regular e mensal de dividendos se tornou um dos principais fatores de atração para os fundos imobiliários. Se prevalecer o novo entendimento da CVM, eventualmente FIIs poderiam ter que alterar a periodicidade de distribuição.
5. O que dizem especialistas em fundos imobiliários?
Arthur Vieira de Morais, professor da EXAME Academy e apresentador do programa FIIs em EXAME, apresentou a sua visão sobre o caso em depoimento originalmente publicado no Clube FII. Seguem abaixo trechos de sua análise:
"O entendimento da decisão da CVM divulgada ontem [na terça, dia 25] vai na linha de que efeitos meramente contábeis, de valorização ou desvalorização dos ativos, ainda que não tenham sido efetivamente realizados por conta das vendas, sejam considerados para apurar o resultado, e só a partir daí o fundo pode distribuir, se apurar lucro. Dá para dizer que é o certo ou que está errado? Na minha opinião, não. A lei não esclarece [na verdade confunde]. Mas dá para saber que o efeito prático disso não é razoável e, a meu ver, nem desejável."
"Os diretores da CVM decidiram, mas não de forma unânime. Quem votou por mudar a prática de mercado considerou o efeito sistêmico, se ateve meramente ao caso prático [MXRF11] e fundamentou a decisão na Lei nº 8.668/93 e no ofício circular de 2014. Quem votou contra, idem. Como você fundamentaria o seu voto se fosse um dos diretores da CVM?"
"Solução mesmo? Mudar a lei e acabar com a fonte de dúvida. Medidas paliativas? Um novo ofício da CVM revendo esse entendimento e especificando melhor o que deve ou não entrar na apuração de resultados. Risco é a incerteza que se pode medir. Então o risco do mercado de FIIs aumentou desde ontem [terça]. Vai diminuir se e quando a CVM se sensibilizar em adotar mais uma medida paliativa."