Jazida de ferro da Vale: mineradoras são aposta do Credit Suisse em commodities (.)
Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h10.
As ações de bancos, construtoras e mineradoras são a principal aposta em renda variável dos fundos de investimento do Credit Suisse no Brasil. Em entrevista ao Portal EXAME, o diretor-geral da área de gestão de recursos do banco, Mauro Bergstein, e o diretor de investimentos, Glauco Cavalcanti, dizem que têm reforçado a aposta em papéis ligados ao mercado interno. Dentre as ações preferidas, eles destacam as de bancos e construtoras, que estariam mais baratas que as de setores como o varejo. Na área de commodities, a aposta é que o setor de mineração terá uma rentabilidade maior que o de petróleo. Já para a bolsa como um todo, uma previsão "bem possível" é de uma alta entre 10% e 15% neste ano.
Bergstein e Cavalcanti lideram um time de nove gestores que decide onde investir 3,8 bilhões de dólares espalhados por dezenas de fundos do Credit Suisse no Brasil. Ambos estão no mercado financeiro há mais de 20 anos e vieram do Garantia, o banco de investimentos vendido por Jorge Paulo Lemann e seus sócios ao próprio Credit Suisse em 1998. Segundo Bergstein, a área de gestão do banco suíço ainda mantém algumas características da época do Garantia, como a meritocracia e a informalidade, mescladas à visão global do Credit Suisse, o maior banco estrangeiro de investimentos no Brasil.
A asset do Credit Suisse capta dinheiro principalmente junto a investidores brasileiros, europeus e asiáticos. Os recursos estão divididos em oito estratégias distintas. Grosso modo, metade dos 3,8 bilhões de dólares está em fundos multimercados, 30% em renda fixa e 20% em renda variável. A filosofia de gestão é bem ativa. Todas as teses de investimento são constantemente revisitadas e a carteira varia bastante ao longo do tempo - mas sem "day trades". Para os gestores, a concessão do grau de investimento ao Brasil vai transformar o mercado local. Na entrevista abaixo, eles explicam suas estratégias para este ano:
EXAME - No que os fundos do Credit Suisse apostam em bolsa?
Mauro Bergstein - A gente vem direcionando boa parte da nossa carteira para empresas ligadas ao mercado interno. Acho que existem menos incertezas do que nas histórias mais relacionadas ao mercado internacional. Começamos a fazer a rotação da carteira nesse sentido no ano passado. Um pouco dessa aposta veio do próprio desenvolvimento do mercado local. Há cada vez mais opções de investimento dentro do mercado interno. De cinco anos para cá, a bolsa virou outra coisa.
EXAME - Mas a bolsa continua bem dependente das commodities, não?
Glauco Cavalcanti - Nós somos um país de grau de investimento, então a bolsa tem que ser a de um país de grau de investimento. Antigamente a bolsa tinha poucos papéis e 50% deles eram de commodities, enquanto só 15% do PIB vinha dessas commodities. Acho que a tendência é que haja uma convergência maior entre esses percentuais. A bolsa vai ficar menos concentrada. Hoje há na bolsa um setor de serviços financeiros que há dois anos não existia. Cerca de 6% dos negócios do Ibovespa são com BM&FBovespa, Redecard e Cielo, que vai entrar em breve no índice. É uma mudança muito grande em um curto período. Então não é mais aquela coisa de Petrobras, Vale, Telebrás, elétricas, bancos e só.
EXAME - O que mais tem mudado na bolsa?
Glauco - Mesmo os setores já consolidados cresceram. Hoje há o Santander entre as instituições financeiras. Havia só uma empresa de petróleo [a Petrobras] e hoje tem duas. A OGX tem uma liquidez enorme, representa quase 4% do índice. A bolsa já comporta muitos gestores com cabeças e carteiras diferentes que podem dar bons resultados. Antes a bolsa era basicamente o chamado kit Brasil. O cara estava vendido em dólar e comprado em bolsa. Nós passamos 15 anos com os juros para cima em qualquer chacoalhada que dava lá fora. Mas agora é o contrário. Mesmo com a Grécia dando problema, você pode ter certeza que a tendência de longo prazo dos juros é para baixo. Se o dólar subir, vai melhorar a balança comercial. Se tivermos uma alta de juros hoje, é porque a atividade econômica está forte demais. Depois os juros voltam a cair e fica tudo legal. Então essa historia de kit Brasil acabou.
EXAME - Acabou mesmo olhando num prazo mais longo?
Mauro - O risco hoje é de a gente dar certo. Estamos pensando como vai ser esse país com um o juro real de 3% ou 4% ao ano. Vamos ter que trabalhar com crédito privado, com renda variável, com outros tipos de investimento. Se isso aconteceu lá fora, onde o mercado é tão grande, por que não acontecer aqui? Ainda temos a vantagem de já estarmos acostumados a crises. Olhando só um pouquinho para trás, tivemos a crise do México em 95, a Ásia em 97, a Rússia e o LTCM [fundo americano que quebrou] em 98, a desvalorização do real em 99, o estouro da bolha da Nasdaq em 2000, a Argentina em 2001, a eleição brasileira em 2002. Só tivemos um pouco de calma entre 2003 e 2007, antes de começar a crise do subprime. Mas o Brasil passou por essa crise maior que todas as anteriores de uma maneira fantástica. As atitudes do governo, do Tesouro e do BC foram muito adequadas. Isso transformou o Brasil em um dos portos para receber o dinheiro quando o fluxo internacional de recursos voltasse. E olha a quantidade de dinheiro que entrou no Brasil no ano passado, tanto em renda fixa como em renda variável.
Glauco - Hoje estrangeiro tem até que pagar IOF para aplicar na bolsa. Isso é algo que eu nunca imaginava ver.
EXAME - Dentro da tese de comprar mercado interno, o que vocês preferem na bolsa?
Glauco - A gente está com bancos e incorporadoras. Entre as empresas ligadas ao mercado interno, os bancos ficaram para trás nessa recuperação da bolsa. O volume de crédito está chegando a 50% do PIB. Nunca tivemos isso. Vamos ter um período de juros ainda um pouco altos, o que ainda é positivo para a lucratividade dos bancos. Também é um setor que se consolidou e tem muita eficiência e sinergia para capturar.
EXAME - Essa expansão do crédito não pode ser também perigosa?
Glauco - Um fator importante é a queda do desemprego no Brasil. O que está atrapalhando os EUA agora é o desemprego. No Brasil estamos caminhando para uma taxa de 7% da população economicamente ativa. Isso é tudo para o credito, não só porque o cara paga como também porque ele toma mais emprestado. Além disso, os bancos estão com balanços em que não há uma alavancagem exagerada. Eles não vão fazer a loucura que fizeram lá fora. É até difícil não ver os bancos como um bom negócio no Brasil. Eles têm uma rentabilidade de 20% sobre o patrimônio líquido. Os preços atuais ainda refletem o medo dos estrangeiros com o setor bancário mundial. Então acho que os bancos podem ser uma oportunidade.
EXAME - Mas por meio de aquisições eles não têm mais por onde crescer, certo?
Glauco - Mas eles ainda têm como reduzir custos e capturar sinergias das aquisições que já foram feitas. Houve a combinação do Santander com o Real, do Banco do Brasil com o Votorantim, do Itaú com o Unibanco. Há algum tempo falaram que o Itaú iria adquirir alguém lá fora e o Roberto Setubal [controlador do Itaú] disse: "Calma, primeiro deixa eu aproveitar o que já tem aqui dentro para depois eu olhar para fora."
EXAME - E a fase de os bancos públicos crescerem bem mais que os privados, já ficou para trás?
Glauco - Continua assim, mas eu vejo espaço para todo mundo. Quem discorda de mim tem a opção de comprar as ações do Banco do Brasil, que fez um movimento forte nos últimos dois anos e deu super certo, né?
EXAME - E a aposta no setor de construção, qual é a tese que a sustenta?
Glauco - A parte do consumo propriamente dito já tem ações negociadas com múltiplos muito altos. O varejo, por exemplo, já é avaliado com uma expectativa de crescimento muito grande. Já na construção estamos procurando empresas cotadas por valores próximos ao do patrimônio líquido. É verdade que as cotações já subiram muito, mas ainda há oportunidades. Os juros não vão subir tanto a ponto de reduzir a demanda dessas empresas. O déficit habitacional é grande. Nossa pirâmide populacional terá um grande crescimento na faixa da população produtiva. Isso tudo vai beneficiar o setor de construção.
EXAME - E o momento é bom para investir em construtoras? As empresas foram mal na bolsa nos últimos meses, o mercado não gostou muito do "Minha Casa, Minha Vida 2", tem uma expectativa de aumento de juros no curto prazo....
Glauco - Pode sofrer um pouco no curto e médio prazo, mas achamos que é a hora de entrar.
EXAME - E na parte de commodities, qual é o melhor investimento?
Glauco - Preferimos mineração em relação ao petróleo. Podemos tanto operar comprados em mineração e vendidos em petróleo quanto só comprados em mineração. Não dá para falar qual é a melhor estratégia, isso depende do momento da bolsa.
EXAME - O pessimismo é com o setor de petróleo ou com a Petrobras em si?
Glauco - O problema da Petrobras é a incerteza em relação à capitalização. A Petrobras não está cara, está num bom preço. Agora a capitalização é muito grande. A companhia vale 190 bilhões de dólares e eles querem levantar 25 bilhões de dólares no mercado.
EXAME - Vocês acham que a bolsa como um todo deve ir para cima neste ano?
Glauco - A bolsa vale hoje 13 vezes o lucro das empresas listadas. Na média dos últimos anos, a bolsa valia 9 vezes. Mas isso significa que agora já está caro? Eu acho que não. Agora somos um país com grau de investimento. A bolsa pode perfeitamente manter-se em 13 ou 14 vezes o lucro das empresas até o ano que vem. Se isso acontecer com um crescimento do lucro das empresas que nós estimamos em 25% para este ano e 11% para 2011, a bolsa poderá subir naturalmente entre 10% e 15% mantendo esse múltiplo. Então acho que é algo bem possível.
EXAME - Mas 15% em um ano não é retorno que as pessoas esperam quando entram na bolsa, não?
Glauco - Mas 15% é pouco?
EXAME - Não é pouco, mas talvez o risco necessário para ganhar esses 15% seja muito alto...
Mauro - É verdade que os investidores terão de ser cada vez mais seletivos para ganhar na bolsa, mas a tendência é que o mercado em geral vá para cima. O Credit Suisse acredita em um crescimento do PIB de 6,5% neste ano e de 5% em 2011. Mas se a média dos próximos anos for 4%, esse ciclo de crescimento vai gerar uma série de mudanças. O Brasil costumava ser negociado com um desconto em relação a outros emergentes. Agora acredito que vamos ser negociados com um prêmio.
Glauco - E tem outra coisa, 15% não é pouco. O próprio Warren Buffett diz que um bom retorno na bolsa é a taxa de juros de mercado mais 5% ao ano. A gente está com um juro de 9% que somado a esse prêmio de 5% dá 14%. A gente está mal acostumado ao achar que 15% é pouco. Não dá pra subir 30% todo ano.
EXAME - E na área de renda fixa, onde vocês esperam ganhar dinheiro?
Glauco - Apostamos muito em títulos públicos prefixados. Achamos que a atual curva de juros está excessiva. O Banco Central deve elevar a Selic menos do que o mercado está precificando. No começo do ano, tínhamos uma posição ainda maior de títulos prefixados em nossos fundos. Apesar de termos diminuído a posição recentemente, mantemos nossa visão de que os juros vão subir no curto e no médio prazo, mas que no longo prazo a curva é para baixo. Não vemos os mesmos sinais inflacionários que enxergávamos em 2007 e no começo de 2008. O mundo não vai crescer tanto assim. Além disso, a inflação atual não está disseminada, está muito focada no preço dos alimentos.
EXAME - A eleição pode ter alguma influência na curva de juros neste ano?
Mauro - Não estamos olhando a eleição como um risco substancial de tirar o Brasil dos trilhos. Não vemos o risco de que o novo presidente mude essa gestão macroeconômica bastante responsável e ortodoxa. Os investidores não estão discutindo se vale a pena ou não estar no Brasil por causa das eleições deste ano. É possível que haja um aumento de volatilidade, isso sempre acontece. Mas acho que vai ser algo muito mais parecido com 2006 do que foi em 2002. A visão dos estrangeiros sobre o Brasil está melhorando cada vez mais. Temos uma economia previsível, estável, com uma regulamentação bem definida, transparência, liquidez no mercado, governança corporativa. Isso cria muitas oportunidades de novos negócios. Não investíamos em "small caps" [ações de empresas de menor porte] e já começamos a enxergar oportunidades nisso. Também começamos a olhar para ativos mais ilíquidos, mais crédito privado, ativos imobiliários, private equity, venture capital, ações e derivativos. A parcela da renda variável na indústria de investimentos ainda é muito pequena quando olhamos para o resto do mundo.
Glauco - Agora o Brasil é grau de investimento e vai passar pela eleição como um país de grau de investimento. Não vamos discutir grandes mudanças econômicas. Nos Estados Unidos, o [Barack] Obama venceu [a eleição presidencial] e o mercado correu para comprar ações do setor de saúde. Por outro lado, venderam petróleo porque o [George W.] Bush estava saindo. Acho que aqui vai ser muito parecido. Se o [José] Serra [PSDB] entrar, então vamos ter uma visão de juros um pouco mais para baixo e um câmbio um pouco mais para cima.
EXAME - Vocês acreditam que existe uma preferência do mercado pela Dilma?
Glauco - Vou falar pelo mercado, e não pelo Credit Suisse. Em princípio, o mercado sempre tem preferência pelo que está dando certo, pelo que ele já conhece. O mercado é sempre medroso, conservador. Então, tem uma preferência pela Dilma neste momento.
EXAME Além dos títulos públicos, vocês estão apostando em fundos imobiliários, crédito privado ou outros produtos?
Mauro - Há um mês lançamos um fundo de crédito privado de 1,4 bilhão de reais. É um dos maiores fundos de crédito do Brasil, senão o maior. Estamos trabalhando para aumentar nossa plataforma de produtos dentro dessa visão de que dá para investir em ativos mais ilíquidos nesse Brasil que dá certo. E estamos trabalhando também em outras frentes. Só que só vou poder falar disso quando os produtos estiverem prontos.
Glauco - O mercado de crédito vai crescer com a queda dos juros, mas também tem que haver um trabalho do lado dos emissores. Quanto mais empresas emitirem, melhor. Só assim o gestor vai conseguir pulverizar sua carteira. O gestor quer ter 10 ou 15 nomes de crédito na carteira. Se um crédito não for bem, os outros compensam. E aumentando a quantidade de emissores, você pode ter mercado secundário, pode trocar os papeis quando quiser, mudar de um setor e ir para outro.