Minhas Finanças

Vendido por seguradoras, título de capitalização é péssimo investimento

Rendimento é inferior ao da caderneta de poupança; só bancos e clientes sorteados têm o que comemorar

Tele Sena, da Liderança Capitalização, tem foco voltado para o jogo e não para a poupança (.)

Tele Sena, da Liderança Capitalização, tem foco voltado para o jogo e não para a poupança (.)

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h11.

São Paulo - Não é um investimento, mas é comercializado como uma forma de poupar. Não é um seguro, mas é vendido por seguradoras e regulado pela Susep. Suas receitas e faturamento vêm crescendo a taxas superiores a 10% ao ano, mas é considerado, por quem entende de finanças, uma das piores formas de se aplicar o dinheiro. O título de capitalização, afinal de contas, é bom para quem?

Em primeiro lugar, para quem os comercializa. "É pagar caro demais para alguém tomar conta do seu dinheiro. O resultado é uma mina de ouro para os bancos e seguradoras", diz Rafael Paschoarelli Veiga, professor de finanças da USP. Em segundo lugar, para quem gosta de jogar - e tem muita sorte. "Pode até ser uma boa maneira de apostar, porque o dinheiro da aposta retorna depois de certo tempo. Mas não se deve confundir o título de capitalização com um investimento", afirma Márcia Dessen, professora da Fundação Dom Cabral e planejadora financeira.

O que eles querem dizer é que o título de capitalização é, primordialmente, um jogo. O sujeito faz uma aposta, paga em uma ou mais parcelas, concorre em sorteios e, após o vencimento do título, recupera parcial ou totalmente o valor desembolsado, mesmo que não tenha tirado a sorte grande. Ganhar no sorteio, aliás, é bastante difícil. As chances de vencer se equiparam às das demais loterias.

Não é à toa que um dos jogos mais famosos do Brasil é também o título de capitalização mais conhecido - a Tele Sena, do Grupo Silvio Santos. Mas para quem busca poupança e retorno, o título de capitalização é uma grande furada. Sua rentabilidade é menor que a da caderneta de poupança, boa parte do dinheiro aplicado fica para a instituição que o vendeu e o poupador só pode mexer nas suas reservas depois do período de carência. Mesmo assim, se ele resolver sacá-las antes do vencimento do título, não conseguirá recuperar nem o montante acumulado até então.

Não parece muito justo, mas os próprios bancos e seguradoras se justificam, alegando que o título de capitalização não deve ser comparado a outras formas de investimento. Seu diferencial estaria no "aspecto lúdico". "Se é jogo, não deveria ser vendido em banco, mas em casa lotérica", critica Rafael Paschoarelli. Ainda assim, o brasileiro continua fazendo o segmento crescer. Em julho de 2010, o mercado de capitalização abarcava mais de 20 milhões de pessoas, com reservas de 16,222 bilhões de reais.

Funcionamento dos títulos de capitalização

Para entender por que o título de capitalização é tão desvantajoso em matéria de retorno é preciso compreender o seu funcionamento. Há basicamente dois tipos de títulos. Os populares, como a Tele Sena, não se propõem ser uma modalidade de poupança, mas puramente um jogo. O pagamento é único, de valor baixo (em geral menos de dez reais) e o maior atrativo é realmente o sorteio de prêmios. O resgate não permite ao comprador recuperar a totalidade do valor da aposta, pois boa parte do dinheiro é destinada a custear os prêmios.

   <hr>  <p class="pagina">Já os tradicionais são vendidos como formas de "poupança programada" em que os poupadores têm, de quebra, oportunidade de participar de sorteios. O poupador paga mensalidades durante um período, em geral, de cinco anos, mas não pode resgatar nem um centavo antes de passado o prazo de carência, que costuma ser de 12 meses. Se decidir fazer o resgate antes do vencimento, não conseguirá recuperar 100% do que pagou até então. Para receber de volta todo o montante acumulado, normalmente remunerado pela poupança (0,5% ao mês + TR), precisará esperar até o vencimento.<br> <br> Em outras palavras, o poupador é penalizado caso resolva resgatar seu dinheiro antes do tempo. "Não é poupança programada, é poupança forçada", diz Márcia Dessen. Apenas uma parcela do que é poupado será destinada a formar o montante a ser remunerado, a chamada cota de capitalização. Um bom percentual - a cota de carregamento - ficará com o banco. Há ainda a cota de sorteio, destinada a custear os prêmios.<br> <br> São tantos os descontos que, se o poupador tivesse decidido aplicar o mesmo montante na caderneta de poupança durante o mesmo período de tempo conseguiria acumular bem mais. Isso vale até mesmo para títulos mais "sofisticados" como os que destinam um percentual da cota de capitalização a um fundo de ações.<br> <br> <strong>Rende menos que a poupança</strong><br> <br> A cota de carregamento varia de produto para produto, mas há bancos e seguradoras que chegam a abocanhar até 80% do valor das parcelas nos primeiros meses. Depois, essa taxa reduz a um percentual mais baixo, mas nunca zera, assim como a quantia destinada aos prêmios. O professor Rafael Paschoarelli fez as contas com um produto existente no mercado e comprovou que, no fim das contas, até a poupança vale mesmo mais a pena.<br> <br> 
MêsParcelaSorteioCarregamentoCapitalizaçãoSaldo
1º-12ºR$ 100,002,68%27,06%70,26%R$ 868,63
13º-60ºR$ 100,002,68%7,32%90,00%R$ 6.041,70

O rendimento mensal considerado para ambas as modalidades foi de 0,54% + TR de 0,04% que, líquido, representou 0,43%. O poupador reservou mensalmente 100 reais durante cinco anos e conseguiu juntar 6.000 reais. Com um título de capitalização, o saldo final seria pouco maior que isso: 6.041,70 reais. Quase como se o sujeito tivesse guardado o dinheiro debaixo do colchão. Ele não perde dinheiro, é verdade, mas o deixa "preso" durante cinco anos sem ganhar praticamente nada com isso.


Note que, no primeiro ano, apenas 70% das parcelas mensais são destinados a compor o montante que será remunerado. Mesmo nos meses seguintes, apenas 90% do dinheiro vai para a capitalização. Se as mesmas parcelas fossem, por outro lado, destinadas à caderneta de poupança, o rendimento seria calculado sobre o montante integral. Ao final de cinco anos, o saldo seria de 7.064,19 reais, sem risco algum. Mas e o sorteio? Bem, a chance de ganhar com esse título de capitalização é de uma em cinco milhões.

E não é só isso. Os títulos de capitalização pagam Imposto de Renda na fonte. Ao resgatar seus recursos, o poupador paga uma alíquota de 20% sobre os rendimentos, ou seja, sobre o que excede o valor poupado. No exemplo acima, o tributo seria de 8,34 reais, e o resgate líquido de 6.033,36 reais. Caso fosse sorteado, o sortudo teria que pagar 25% de imposto sobre os rendimentos e 30% sobre o valor do prêmio.

As alternativas

Para quem não acredita na sorte e quer aplicar o dinheiro de uma maneira realmente inteligente, o melhor é resistir à conversa do gerente. Mas há quem diga que a poupança forçada dos títulos de capitalização é a única maneira de conseguir guardar dinheiro. Para esses gastadores crônicos, a planejadora financeira Márcia Dessen aconselha aplicações que não possam ser resgatadas antes do vencimento, como os fundos de investimento com carência ou os Recibos de Depósitos Bancários (RDBs), que são títulos de renda fixa semelhantes aos CDBs, mas que não podem ser negociados antes do vencimento. A rentabilidade é bem mais interessante.

Existem ainda as contas poupança solidárias, que exigem as assinaturas dos dois titulares da conta para permitir um saque. Ou seja, um ajuda o outro a resistir à tentação de mexer nas reservas.

Mas pode ser que o sujeito deseje destinar parte do seu dinheiro ao que considera uma boa causa. Algumas instituições oferecem títulos de capitalização em que um percentual das reservas é destinado a projetos socioambientais. No Bradesco, por exemplo, há títulos que ajudam instituições como o Instituto Ayrton Senna e a Fundação Amazonas Sustentável. O banco, porém, não divulga o percentual reservado a essas entidades.

Algumas empresas usam os títulos de capitalização como forma de captar recursos. O Corinthians, por exemplo, oferece aos torcedores o TimãoCap, da Sul América, voltado apenas para sorteios de prêmios em dinheiro e de produtos do clube. Para os mais fanáticos, talvez não haja causa melhor que ajudar o clube do coração.

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