Com 80 mil seguidores no YouTube, Murilo, que mora na periferia, ensina que para investir na bolsa não é necessário muito dinheiro (Leandro Fonseca/Exame)
Marília Almeida
Publicado em 5 de junho de 2020 às 18h31.
Última atualização em 8 de junho de 2020 às 10h43.
Com os juros mais baixos da história, o investimento em ações vem cada vez mais fazendo parte do cotidiano de um público que não era acostumado a essas aplicações.
Segundo uma pesquisa da B3, a fatia de aplicadores de 25 a 39 anos subiu de 19% para 49% desde 2013. As mulheres investidoras em ações, passaram de 100.000 para 500.000 no período. Em março, 30% dos investidores que fizeram a primeira compra de ações aportaram até 500 reais na bolsa, indicando que até o público de renda mais baixa começou a investir.
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Diferentemente do que se esperavam, esses novos pequenos investidores não realizaram prejuízos quando a bolsa derreteu na pandemia. Pelo contrário: 500.000 pessoas entraram no mercado, elevando para 1,9 milhão o número de brasileiros que investem em ações. Mais informados, muitos citam a influência de youtubers especializados em investimentos, além de conteúdo educativo disponível na internet, como principais motivadores para estrear na bolsa, mais até do que a Selic a 3% ao ano.
Além de não realizar o prejuízo, esses pequenos investidores brasileiros compraram mais 35,3 bilhões de reais em papéis no período, ensaiando estratégias de curto prazo e até day trades. Enquanto no ano passado 500.000 pessoas faziam negócios pelo menos uma vez ao mês, essa quantidade subiu para 900.000 entre janeiro e fevereiro e alcançou 1,3 milhão em março. Justamente o mês em que a bolsa precisou acionar o circuit braker.
Confira abaixo o perfil e a história de investidores que passaram a investir em ações recentemente.
Favelado Investidor. É assim que Murilo Duarte, de 25 anos, se apresenta no YouTube. Com 80.000 seguidores, ensina que para investir na bolsa de valores não é necessário ter uma grande quantia de dinheiro.
Morador de um bairro da periferia de São Paulo, ele começou a investir na bolsa há cinco anos com apenas 100 reais. Na época, comprou três ações da Itaúsa, holding que controla o Itaú Unibanco. “Eu queria aprender a investir. Queria saber como funcionava a compra de ações. Era mais um teste.”
Apesar do interesse pelo mercado acionário, Duarte deixou a bolsa para segundo plano e optou por montar sua reserva de emergência investindo mensalmente no Tesouro Selic. “Ali eu sabia que tinha segurança e rentabilidade”, diz. Na época, a taxa Selic estava em 14,5% ao ano e os investimentos em renda fixa eram atraentes ao investidor.
A reserva demorou dois anos para ser finalizada. Nesse período, o jovem que estudava ciências contábeis na faculdade aprendeu a ler balanços financeiros de empresas e passou a estagiar na área de auditoria fiscal. “Minha segurança veio quando eu peguei o balanço da Itaúsa e entendi. Muito diferente do que aconteceu quando comprei ações pela primeira vez”, lembra. Com o conhecimento como aliado, Duarte passou a ler livros sobre o mercado financeiro e a acompanhar vídeos pela internet.
Munido de informações, começou a investir em ações mensalmente. Do salário, ele separava de 500 a 800 reais para comprar papéis dos setores da construção civil, varejo e elétrico. “Eu deixava o dinheiro separado em caixa. Quando o papel que eu estava acompanhando desvalorizava, era a hora de comprar”, afirma.
Com a bolsa em alta e as empresas divulgando bons resultados, a carteira do jovem chegou a 13.000 reais. “Recebia pouco de dividendos, mas aproveitava para comprar mais ações.” Enquanto investia, o jovem postava vídeos ensinando desde a abrir uma conta na corretora até a se livrar das dívidas. Com o jeito despojado das redes sociais e com uma linguagem direta, o youtuber ganhou mais seguidores.
Foi então que decidiu vender todas as ações que tinha e montar uma carteira do zero. O objetivo era ensinar a montar uma carteira que alcançasse os 100.000 reais nos três anos seguintes. “Eu só tenho esta carteira. Deixei a carteira pública para poder ensinar que todo mundo pode investir. Todo mundo pode ser sócio de uma grande empresa”, diz.
O primeiro vídeo foi postado em julho do ano passado e o jovem comprou cerca de cinco ações de empresas como Klabin, Via Varejo, Trisul, Bradesco e Wiz. Todas as ordens de compra e venda são gravadas e publicadas por meio de vídeos na rede social. Até agora, ele tem 14.193 reais em ações. A carteira tem 11 empresas e, destas, em sete ele já investia anteriormente.
Quem segue o investidor acompanhou a estratégia adotada por ele na derrocada da bolsa no início do ano com a crise do novo coronavírus e a queda no preço do petróleo. A carteira chegou a cair 20%, mas ele não se desesperou. Aproveitou a oportunidade para comprar as ações que queria, entre elas papéis da metalúrgica Schulz e da têxtil Pettenati. “A crise não me assusta. Sempre olho para os fundamentos da empresa”, diz Duarte.
Thamyris de Moraes, de 26 anos, formou-se em comunicação e marketing. Sua mãe sempre trabalhou em bancos, e não faltaram noções de economia em sua casa. “Com 17 anos comecei a guardar dinheiro. Guardava metade do salário, e aplicava em poupança e CDBs [Certificados de Depósito Bancário]”, lembra.
Contudo, a empreendedora demorou para entrar na bolsa: faz apenas um ano que aplica em ações. “Sempre tive curiosidade, mas não tinha coragem. Então resolvi pesquisar bastante sobre o mercado para ganhar confiança”, diz. Sua mãe, que investe na bolsa, foi seu principal incentivo.
“Não conheço muita gente que invista. Só uma amiga, mas bem pouco. E com homens não converso sobre isso.” A confiança também veio após a pesquisa sobre o investimento na internet. “De uns tempos para cá, finalmente cresceu o número de pessoas que falam sobre aplicações e dão cursos. Isso me ajudou e comecei a investir aos poucos”, conta.
Moraes não viveu uma transição entre a renda fixa e a bolsa, como costumam funcionar as aplicações em fundos de ações ou multimercado. “Comecei a comprar ações diretamente.” Mas o investimento foi gradual. “Tinha medo e era muito cautelosa. Ainda compro poucas ações, mas, perto de quando comecei, já é um valor bem maior. Nunca investi em ações de uma só empresa. Aplico em pelo menos cinco empresas diferentes”, afirma.
Resultado: no início correspondendo a 20% do total de seus investimentos, a aplicação em ações passou a representar 70% de suas reservas. A pandemia acelerou os investimentos nos papéis. “Apliquei mais após a desvalorização das ações como uma forma de compensar perdas. Comprei muita coisa na alta. Então, busco fazer com que o tíquete médio fique abaixo do que comprei antes da crise”, explica.
Moraes diz que uma ação que comprou por 13,90 reais anteriormente foi comprada agora por 6 reais. “Dessa forma, conseguirei recuperar o que perdi quando o valor chegar a cerca de 9 reais.” Além de compensar perdas das ações que já tinha na carteira, Moraes comprou ações diferentes na crise.
A empreendedora, que começou fazendo investimentos de médio prazo com ações, passou também a fazer operações de curto prazo na bolsa, como day trade e swing trade. Para isso, tem uma planilha onde anota todos os valores das ações de sua carteira. “Há dias em que as operações são ótimas e outros nos quais não acerto. Faz parte. O que busco é correr um risco controlado. Na pandemia, essas operações se tornaram uma fonte de renda. Tenho um site, mas esse trabalho não está rendendo agora. Tive de apelar para a bolsa.”
O comprador Raphael Cezari, de 38 anos, investia na poupança e em um plano de previdência privada havia cerca de 15 anos. Recentemente, conheceu os títulos de dívida privada, como LCIs (Letras de Crédito Imobiliário) e LCAs (Letras de Crédito Agrícola).
Sua primeira experiência com ativos de renda variável foi em 2017, quando investiu em um fundo de ações de um grande banco que seguia o Ibovespa. Até que, no ano passado, influenciado por amigos do trabalho, Cezari decidiu investir pela primeira vez diretamente na bolsa de valores. “Meus colegas, incomodados com o salário, começaram a falar sobre o investimento em ações como uma fonte de renda extra”, diz.
Usando um home broker simples, Cezari começou investindo 50 reais, depois 100 reais, e foi aumentando a aplicação aos poucos. Inicialmente, seu foco eram aplicações de curto prazo. “Quando encontrava uma brecha no trabalho, tentava montar uma posição e colocava um preço-alvo para encerrá-la. Cheguei a ganhar 30% em uma delas. Mas logo vi que não conseguiria fazer isso com um emprego no expediente comercial. Desisti de ser day trader”, conta.
O comprador resolveu, então, se tornar um investidor de longo prazo na bolsa. “Vi que o valor de algumas ações cresce 300% ao longo dos anos. Adotei a estratégia de comprar e esperar muito”, diz. Hoje, 15% de sua carteira de investimentos está na bolsa e divide-se entre fundos imobiliários (15%), ETFs (25%) e ações (70%). No médio prazo, o objetivo é ter 50% da carteira de investimentos na bolsa.
Cezari foi diversificando sua carteira aos poucos, tanto por meio de ações diferentes quanto de segmentos de atuação diferentes. “Passei a analisar melhor as empresas. Comecei comprando os papéis da empresa de telefonia Oi. Vinha muita gente dizendo que, caso a empresa fosse vendida, a cotação explodiria. Paguei R$ 1,20 pelos papéis, e hoje eles não valem nem R$ 0,70. Agora vou segurar até vender. Mas aprendi com o erro”, afirma.
A pandemia foi uma prova de fogo para a estratégia de longo prazo de Cezari. “A rentabilidade da minha carteira chegou a ficar 49% negativa. Contudo, foi um susto que não tirou meu sono, porque não era um dinheiro de que eu precisava agora. Não vendi nada.” Valeu a pena esperar: as perdas já foram reduzidas a 23%. Além de não ter realizado o prejuízo, Cezari ainda dobrou o valor que tinha aplicado na bolsa. “Foi a forma que encontrei para equilibrar um pouco do que perdi na crise quando o mercado recuperar”, explica.
Seu principal incentivador é o aumento de informações sobre ações disponível na internet. “Perdi muito tempo. Se soubesse, teria começado a investir com 18 anos”, diz. Hoje, ele faz questão de passar noções de educação financeira para seu filho de 9 anos. “Quero que crie essa consciência.”
A engenheira de software Carol Bonturi, 33 anos, teve contato com o mercado financeiro ao longo de sua vida profissional. Mas ficou mais animada para começar a aplicar na bolsa de valores quando viu que haviam no mercado home brokers com interface mais simples de usar. "Prefiro ferramentas intuitivas. Pago até uma taxa de corretagem maior para saber o que estou fazendo".
Antes de aplicar em ações, no ano passado, Carol investia em renda fixa há cerca de 10 anos. "Acumulei ao longo desse tempo um valor legal e queria diversificar mais meus investimentos". A engenheira começou investindo em um fundo de índice (ETF) que segue o principal índice da bolsa, o Ibovespa (BOVA11). Esses fundos também são negociados na B3. Somente depois que passou a estudar o mercado que Carol decidiu comprar a ação de uma empresa, no caso, da própria B3. "Todas as empresas nas quais invisto estão ligadas a tecnologia, que é a minha área de atuação. Consigo entender o negócio e me sinto mais confortável".
Antes de aplicar em ações e índices, sua estreia na bolsa, na verdade, aconteceu em 2018, quando começou a investir em fundos imobiliários, também listados na B3. "Comecei a balancear meus investimentos quando percebi que não rendiam o quanto eu gostaria".
Hoje, 20% da carteira de investimentos da engenheira está aplicada na bolsa. "Coloco dinheiro na bolsa esperando um rendimento de 20%. Quando consigo, eu vendo. Pego esse lucro e deixo investido na bolsa, dessa vez como holder, pensando no longo prazo. Não fico fazendo trade, não tenho tempo de ficar de olho no mercado. O que consumo sobre finanças não são notícias quentes, mas conteúdo mais explicativo e didático".
Carol conta que colegas de trabalho, bem mais novas, já investem na bolsa. Já amigas de sua idade acabam procurando ela para falar sobre o tema. "Ensinei uma amiga a investir. Veja que a preocupação com dinheiro é uma coisa nova para as mulheres, pelo menos acontece há menos tempo que os homens. Muitas vejo que nem têm ainda reserva de emergência. É mais uma questão histórica e cultural do que perfil".
O estudante de engenharia eletrônica, Marcelo Patrão, 23 anos, começou a aplicar esse ano na bolsa de valores. Além da queda de rentabilidade dos investimentos de renda fixa, Marcelo foi influenciado por amigos do trabalho. Começou então a consumir, no final do ano passado, uma série de conteúdos para aplicar por conta própria. "Demorei cerca de seis meses para comprar minha primeira ação, justamente na pandemia".
Marcelo estava pensando em adquirir um papel em janeiro, mas quando verificou que o novo coronavírus poderia afetar também o Brasil decidiu esperar um pouco. Com base em análises de investimentos da corretora, podcasts e influencers do YouTube, montou sua estratégia. "Tomei muito cuidado para escolher a ação. Sabia que tinha oportunidades e também enrascadas".
Desde o seu primeiro emprego Marcelo já investia em títulos privados de renda fixa, como LCIs e CDBs e já montou sua reserva de emergência. "Tive noções de educação financeira na escola e também com meus pais, mas minha família tem perfil conservador. Acho que sou o primeiro investidor em ações".
Marcelo busca aplicar o dinheiro nos papéis aos poucos. "Não tenho ganância de colocar tudo de uma vez. Prefiro fazer preço médio". Hoje, o investimento em ações já corresponde a 15% de sua carteira de investimentos.
Das ações que investe, 80% são com horizonte de longo prazo, e com 20% o estudante faz operações de curto prazo, buscando um rendimento de 25%. "Das quatro ioperações que fiz, até agora só tive lucro. Busco fazer duas operações por vez para conseguir monitorar. Em todas coloco ordem de venda automática quando atingem determinado valor".
Foi com dinheiro da venda de um apartamento que corretora de imóveis Marcia Rodrigues dos Santos, de 47 anos, começou a investir na bolsa. O valor de cerca de R$ 100 mil estava aplicado na renda fixa por um período de dois anos e com a queda na taxa Selic, o retornou deixou de ser atrativo.
Ao conversar com amigos que já investiam ela percebeu que a bolsa era uma opção. A corretora foi buscar informações de como investir por meio de vídeos na internet e cursos gratuitos. Foram três meses focados em aprender sobre o investimento.
Em janeiro, Marcia fez seu primeiro investimento em cotas de um fundo imobiliário. “Tomei coragem e investi R$ 2,5 mil em janeiro. No dia seguinte caiu para R$ 1,2 mil. ” O mau desempenho do fundo ocorreu com a chegada do coronavírus.
Com a queda brusca e o susto inicial, a estratégia adotada por ela foi esperar para ver o que ia acontecer. Neste momento, Marcia sentiu a falta de ter uma orientação por parte da corretora de valores. Novamente, conversando com os amigos, ela ouviu que em outra corretora este serviço era gratuito a todos os correntistas. Ela abriu uma nova conta nesta corretora e decidiu investir cerca de R$ 5 mil.
Com a orientação da instituição financeira, ele teve a indicação da compra de um fundo imobiliário e ações dos bancos, como Itaú e Bradesco. “Fiquei com as duas contas. Em uma faço sozinha e na outra tenho ajuda. Estou aprendendo”. Sozinha, ela comprou ações da Via Varejo, Ambev, Petrobras e Lojas Americanas.