Estado paralisante: mente do compulsivo gira em torno das compras. (Francois Durand/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 13 de outubro de 2011 às 18h17.
São Paulo - A dificuldade de lidar com o próprio dinheiro, os gastos desenfreados e o endividamento excessivo em geral são frutos de um péssimo planejamento financeiro. Excepcionalmente, contudo, podem ser indícios de um problema de saúde mais grave, a compulsão por compras. Assim como outras compulsões - por álcool, drogas e até por comida - a compulsão por compras costuma ser sintoma de outros transtornos, como ansiedade e depressão.
O diagnóstico de uma compulsão deve ser feito por um médico psiquiatra ou um psicólogo. Indivíduos gastadores ou irresponsáveis com dinheiro não necessariamente são compulsivos por compras, pois seus problemas podem estar nos maus hábitos. A compulsão é paralisante, causando real dano à vida pessoal e profissional de quem a manifesta. “A dependência tira a pessoa do convívio normal. Ela passa a se dedicar às compras praticamente o tempo inteiro. O sofrimento é muito grande”, frisa a psicóloga Thaís Maluf, do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Sintomas
A compulsão por compras pode se manifestar tanto em homens quanto em mulheres, não importando o nível de escolaridade ou o grau de entendimento financeiro. “A maior parte das pessoas que chega ao Proad tem nível superior e renda alta”, diz a psicóloga. O verdadeiro comportamento compulsivo pode se manifestar de diversas formas em graus mais ou menos avançados. Alguns sinais podem servir de alerta para buscar um especialista. Um deles é a vontade tida como irresistível de ir às compras e não voltar para casa de mãos vazias. Esse impulso incontrolável faz com que a mente da pessoa gire apenas em torno do objeto de sua compulsão, prejudicando seu rendimento no trabalho, nos estudos e nas relações pessoais.
Passar em frente a um shopping ou uma loja pode se tornar um tormento. Há quem falte o trabalho ou se atrase para compromissos importantes por não conseguir sair do estabelecimento. O que deveria ser algo prático acaba se tornando mais demorado que o planejado. “A pessoa olha no relógio, sabe que tem hora, mas simplesmente não consegue seguir para o compromisso”, explica Thaís Maluf.
Mentir sobre os gastos excessivos ou ir às compras para “se animar” após uma chateação também são comportamentos recorrentes. Depois das sensações de alívio e saciedade, bate o arrependimento, e as novas aquisições são normalmente deixadas de lado como objetos sem importância. “Se não consegue realizar a compra na hora em que deseja, porém, o compulsivo fica angustiado e pode até manifestar sintomas físicos, como o suor frio”, descreve a psicóloga.
O perfil de compra do compulsivo também é bastante característico. A ida às compras é constante, podendo ser diária, e não raro estoura o orçamento. Os gastos em geral são inúteis, extremamente caros ou em quantidades anormais de um mesmo item. A pessoa pode, por exemplo, comprar uma mesma peça de roupa em todas as cores disponíveis, encher a estante de livros que nunca vai ler ou levar para casa vinte pares de sapatos de uma só vez. Já houve casos de quem trocasse de celular dez vezes no mesmo ano, comprasse um freezer extra para acomodar o excesso de compras do supermercado ou presenteasse parentes, amigos e conhecidos constantemente.
Tanto descontrole frequentemente se reflete no endividamento excessivo. O compulsivo se vê obrigado a contratar empréstimos para quitar outras dívidas ou vender alguns de seus bens. Isso quando não tem algum deles alienado pelo banco. “Tem gente que perde tudo”, enfatiza Thaís Maluf. Para essas pessoas, os inúmeros cartões de crédito que carregam são inimigos quase invencíveis. Apenas vê-los passar pela maquininha já desencadeia uma sensação de prazer no organismo do paciente.
Tratamento
Segundo Thaís Maluf, outra diferença crucial entre o gastador irresponsável e o compulsivo é que o compulsivo não consegue viver sem tratamento. Este alia a psicologia à psiquiatria, uma vez que as compulsões normalmente vêm associadas a transtornos de ansiedade ou à depressão, condições que podem ter origem biológica e demandar medicação.
“Nem todo paciente precisa tomar remédio. Em alguns casos, apenas a terapia resolve. Terapia ocupacional e arte-terapia também são instrumentos muito usados”, diz a psicóloga da Unifesp. O ideal é que a família também receba orientação psicológica para entender o problema e saber apoiar o paciente. No início, o compulsivo pode até delegar a administração de suas finanças a um parente e destruir seus cartões de crédito, mas é importante ter em mente de que essas são estratégias passageiras, que devem desaparecer tão logo o paciente se recupere.
Vale lembrar que a compulsão por compras não é considerada uma doença, mas um transtorno que pode ser o sintoma de uma doença. A duração do tratamento, portanto, depende do problema ao qual a compulsão está associada, e varia de acordo com o paciente, podendo levar de alguns meses a vários anos.
Alguns hospitais dispõem de ambulatórios especializados em compulsões, como o Proad, no Hospital Federal de São Paulo, e o Ambulatório de Jogo Patológico e Outros Transtornos do Impulso (AMJO) do Hospital das Clínicas, também na capital paulista. Grupos de apoio, como os Devedores Anônimos (DA) podem servir de ajuda complementar para quem tem necessidade de conhecer pessoas com problemas semelhantes. O DA possui unidades em São Paulo, Ceará e Paraná.