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Júlia Lewgoy
Publicado em 16 de dezembro de 2016 às 12h45.
São Paulo - No pacote de reformas microeconômicas anunciado ontem (15) pelo Planalto, uma delas atinge diretamente consumidores: o governo permitiu que lojistas cobrem preços diferentes para o mesmo produto conforme a forma de pagamento, com cartão, boleto ou dinheiro.
Apesar dessa cobrança diferente já ser praticada pelo mercado informalmente, agora, com o aval do governo, a expectativa é que a prática se torne ainda mais comum, para além das lojas de bairro, e estimule a competição entre os diferentes meios de pagamento . No entanto, todas as entidades de defesa do consumidor ouvidas por EXAME.com criticam a iniciativa e alegam que a prática é abusiva.
A medida é um retrocesso porque penaliza os consumidores que optam por pagar suas compras com cartão de crédito, segundo especialistas. Assim, na prática, em vez de gerar desconto para quem paga com dinheiro, aumenta o preço para os usuários de cartão.
“Diferenciar o preço é discriminar o consumidor. Essa não é uma vantagem, pelo contrário. A crise econômica não justifica criar medidas apressadas e não pensadas, que desrespeitam consumidores”, critica o diretor do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon), Vitor Hugo do Amaral Ferreira.
A cobrança de preço igual para pagamento com cartão, dinheiro e boleto é uma luta antiga de entidades de defesa do consumidor. No ano passado, a Proteste lançou a cartilha Cartão igual a dinheiro, para orientar que consumidores não aceitem a cobrança de preço diferente.
Mesmo com a nova medida do governo, a recomendação continua valendo, como aconselha o gerente de relações governamentais da Proteste, Henrique Lian. “Não aceite o preço maior, nem o desconto. Procure outra loja ou denuncie a prática nas entidades de defesa do consumidor”, sugere Lian.
Em nota, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) afirmou que as medidas anunciadas “representam um retrocesso às garantias do Código de Defesa do Consumidor, em temas que foram regulamentados em normas e leis”.
Ainda, segundo o Idec, “a fixação de preço para pagamento à vista fere o inciso V do artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor, que classifica como prática abusiva exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva”.
O Procon do Rio de Janeiro lembra que a diferenciação de preços foi proibida por uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em nota, também afirmou que “quanto aos eventuais impactos para o consumidor, é preciso aguardar os estudos que, como o próprio presidente Temer disse ontem, o Banco Central ainda vai fazer”.
A Fundação Procon de São Paulo também considera a medida abusiva e reiterou, em nota, “que o pagamento feito com cartões de crédito é considerado pagamento à vista e que os lojistas são responsáveis pelo ônus dos serviços contratados e não podem repassá-los aos consumidores”.
Com a nova medida, o Planalto promete incentivar a redução dos juros do crédito rotativo, que chegam a 1.100% ao ano. No entanto, o governo ainda não detalhou como isso acontecerá.
Para as entidades de defesa do consumidor, essa relação não é clara. “Não existe uma fórmula lógica que mostre que a diferenciação de preço conforme o meio de pagamento vai levar à redução dos juros”, explica Vitor Hugo do Amaral Ferreira, diretor do Brasilcon.
O que poderá acontecer, segundo ele, é uma reação do mercado de cartões de crédito. Com a concorrência mais acirrada entre os diferentes meios de pagamento, as administradoras de cartões poderão criar promoções com mais frequência, em parceria com fornecedores, para concorrer com o pagamento em dinheiro. “O consumidor terá que ficar mais atento e verificar se os descontos são reais”, alerta Ferreira.
Para o gerente de relações governamentais da Proteste, Henrique Lian, liberar a diferenciação de preço é uma medida tímida, que não vai conseguir reduzir a taxa de juros do crédito rotativo. “O risco de inadimplência dos consumidores não justifica a alta margem cobrada pelos bancos brasileiros, a maior do mundo”, avalia Lian.
Em nota, a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito (Abecs) afirmou que “entende as medidas recém anunciadas pelo Governo Federal e está pronta para debater com o Banco Central os assuntos pertinentes a ela”.
Também em nota, o presidente da Abecs, Marcelo Noronha, destacou que “o Ministério da Fazenda e o Banco Central têm sempre agido com determinação para discutir os aspectos regulatórios, sempre pautados pelo equilíbrio e rigor técnico, com o intuito de promover o desenvolvimento do mercado de meios eletrônicos de pagamento”.