Audrey Smith e seu imóvel na Califórnia: 90% do seu portfólio para a aposentadoria é composto por imóveis (Jenna Schoenefeld/The New York Times)
Marília Almeida
Publicado em 5 de julho de 2020 às 07h00.
Última atualização em 5 de julho de 2020 às 23h50.
Audrey Smith sabe como é plantar uma semente e esperar pelos frutos. Nascida em uma família de onze irmãos, ela cuidava da fazenda dos pais, em Texarkana, no Arkansas, e comia os vegetais que plantava.
Mas Smith não queria viver da terra. Por isso, fez faculdade e se mudou para a Califórnia, onde se pós-graduou e se tornou nutricionista. Trabalhou durante 41 anos na Watts Healthcare, uma organização de saúde, até que se aposentou há quase três anos como diretora de serviços de saúde preventiva.
Ao longo do caminho, ela formou família, tornou-se agente imobiliária e começou a planejar a aposentadoria quando tinha 30 e poucos anos, investindo principalmente em imóveis e optando por caminhos menos comuns para construir sua poupança.
Em vez de recorrer a assessores financeiros ou às opções de sempre em Wall Street, alguns investidores preferem criar seus próprios portfólios de investimento. A fonte de renda principal pode vir de imóveis residenciais ou comerciais, empresas ou mesmo metais preciosos. Não é incomum que esses investidores apliquem algum dinheiro em fundos mútuos, ações ou títulos, mas são investimentos secundários.
Mesmo na época das vacas gordas, investimentos alternativos exigem coragem, fôlego e botar a mão na massa. Ainda assim, qualquer coisa pode perder valor. Até a crise financeira de 2008, os donos de imóveis e investidores achavam que os preços jamais cairiam – mas o mercado implodiu. Durante a pandemia do coronavírus, com um mercado de ações volátil e a economia norte-americana em profunda recessão, as pessoas continuam preocupadas com suas estratégias de investimento de longo prazo e alguns pressupostos podem ajudá-las.
"Costumava dizer aos meus pais e à minha família que eu não seria pobre quando crescesse. Isso me motivou a investir em casas de aluguel e ações", contou Smith, de 72 anos, que vive em Inglewood, na Califórnia.
Nas últimas quatro décadas, ela criou portfólios de aposentadoria que incluem sete prédios com 15 apartamentos cada. Cerca de metade dessas unidades é reservada a famílias de baixa renda que têm os aluguéis subsidiados pelo governo dos EUA. Isso garante alguma renda fixa e ajuda a mitigar as perdas de outros locatários afetados pela pandemia.
A força do mercado imobiliário em Los Angeles ajudou a proteger o ganha-pão de Smith. Nos últimos 30 anos, o valor dos imóveis cresceu 194 por cento em Los Angeles, enquanto a média de valorização foi de 180 por cento no resto do país, de acordo com o Índice S&P CoreLogic Case-Shiller.
Segundo Smith, historicamente o valor de suas propriedades de aluguel se manteve, devido à escassez de imóveis disponíveis para locação. "Na Califórnia, as pessoas sempre estão à procura de um lugar para ficar. Se você toma conta de sua propriedade e é correto com os locatários, eles não vão embora", comentou.
Smith estruturou seu portfólio previdenciário de acordo com essa realidade: os imóveis representam 90 por cento do portfólio. O restante está investido em um plano de previdência comum, criado quando era funcionária registrada em uma empresa.
Para alguns poupadores, os investimentos previdenciários são uma espécie de passatempo. Gary Glein, de Gig Harbor, em Washington, foi jogador profissional de boliche durante boa parte da vida e combinou sua paixão pelo esporte com uma oportunidade de recuperar empresas com dificuldades econômicas: ele e a esposa, Linda, se tornaram os principais proprietários de duas pistas de boliche na região de Tacoma.
Glein se referiu à compra como "boa oportunidade". Porém, desde que o casal teve de fechar as pistas devido à pandemia, a Tower Lanes e a Paradise Lanes começaram a dar prejuízo de até US$ 60 mil cada.
"Os investimentos em empresas são muito mais voláteis do que os de renda fixa ou em ações. Não servem para quem tem o coração fraco", comentou Gary Glein, de 76 anos, que se aposentou de sua fábrica, a Norcore Plastics, em 1998, depois de vendê-la para poder financiar futuras aquisições.
O casal começou a investir em propriedades de aluguel nos anos 1970 e, nas últimas duas décadas, diversificou seus portfólios com investimentos na região de Tacoma, incluindo um restaurante, um prédio de escritórios e uma pequena marina. Imóveis e empresas representam quase 42 por cento dos investimentos do casal.
Para equilibrar sua estratégia, ambos também investem em ações e fundos indexados, que correspondem a 25 por cento dos investimentos; em planos de previdência tradicionais; e um bom dinheiro em certificados de depósitos bancários e ações. Mesmo assim, Linda Glein conta que as perdas estão começando a causar problemas. "A cada semana, ficamos um pouco mais assustados com o rumo das coisas", disse.
Economistas e especialistas em investimento dizem que o investimento imobiliário têm um papel importante na diversificação de portfólios, pois "gera um fluxo de caixa maior que o mercado de ações e se comporta de maneira diferente de outras classes de títulos e ações, além de ser uma das poucas áreas vantajosas do ponto de vista fiscal para os investidores individuais", explicou Douglas Abbey, que dá aulas sobre o mercado imobiliário no curso de pós-graduação em negócios da Universidade Stanford.
Abbey, que tem décadas de experiência como investidor imobiliário, conta que a principal regra é comprar propriedades que "vão durar para sempre" por conta da localização. "Como uma boa garrafa de cabernet, seus imóveis devem melhorar após vinte anos, em vez de virarem vinagre", acrescentou.
Outra forma de investir é por meio de fundos imobiliários – empresas que adquirem, gerenciam ou financiam imóveis geradores de renda –, adquirindo ações na bolsa de valores, em fundos mútuos ou em câmbios de fundo comercial. Os REITs (fundos de investimentos imobiliários) de capital geralmente geram retornos "maiores que os de títulos e menores que os do mercado de ações", disse Abbey. O retorno total no horizonte de cinco a 40 anos vai de 5,2 a 11,5 por cento. Até maio deste ano, os REITs de capital haviam perdido 15,3 por cento do valor, enquanto as ações da S&P 500 haviam caído cinco por cento. Entretanto, os rendimentos de dividendos foram de 4,2 por cento – mais que o dobro do rendimento no S&P 500, de acordo com o Nareit, um grupo comercial de REITs de capital aberto.
Enquanto os REITs são vistos como uma ferramenta para tornar portfólios diversificados menos voláteis, alguns analistas são cautelosos, pois essa classe de ativos é sensível a mudanças na taxa de juros.
Abbey descreveu os REITs de capital como "veículos chatos e lentos", no geral, mas que podem ser bons para aposentados, graças à mistura de "dividendos que ajudam a pagar as contas com valorização de longo prazo".
Além dos imóveis, outra classe de ativos que atrai investidores há séculos é o ouro. Os investidores compram moedas ou barras, títulos de mineradoras e ETFs que investem em ações dessas empresas ou em ouro.
"O preço do ouro aumentou nas últimas semanas e isso ajudou a estabilizar os portfólios", afirmou Michele Gambera, uma das diretoras de alocação estratégica da UBS Asset Management. Contudo, o preço do ouro pode variar mesmo quando não há mudanças nos ânimos do mercado e, portanto, ele não está completamente a salvo.
Mesmo assim, o desempenho do ouro desde o fim de fevereiro foi similar ao de um "portfólio de títulos de alta qualidade. O ouro tem desempenhado seu papel tradicional de porto seguro em meio aos problemas mais recentes no mercado", disse Ben Johnson, diretor de pesquisa em ETF global da Morningstar.
Johnson comentou que os fundos que detêm reservas de ouro, como o iShares Gold Trust e o SPDR Gold Trust, fornecem a "exposição mais pura" aos investidores. Fundos que investem em mineração têm desempenho mais parecido com o de ações e tendem a ser "extremamente voláteis", de acordo com ele.
A família Glein tem confiança em que seu portfólio diversificado e suas reservas em dinheiro serão suficientes para resistir à recessão, mesmo que algumas das empresas para as quais alugam imóveis não sobrevivam.
O plano deles é reabrir as pistas de boliche em Tacoma. Mas antes precisam garantir que funcionários e clientes se sintam seguros para voltar.
Apesar dos riscos, Linda Glein conta que seu envolvimento com as empresas e com a comunidade é como um "jogo de xadrez" que a faz se sentir "muito mais viva e ativa que muitos de meus amigos aposentados".