Rotativo do cartão: Os juros rotativos são uma modalidade de crédito ativada automaticamente quando o cliente não paga o valor total da fatura do cartão até a data de vencimento (Joe Raedle/Getty Images)
Repórter de finanças
Publicado em 7 de setembro de 2023 às 09h10.
As famílias brasileiras continuam com dificuldades para quitar suas dívidas. No mês passado, 77,4% delas tinham dívidas, e 30% estavam com atrasos, como aponta a pesquisa recente realizada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Na tentativa de equilibrar as contas, o cartão de crédito pode ser uma alternativa. Contudo, é preciso ter cuidado com os juros do crédito rotativo, que podem chegar a 445,69% ao ano.
No entanto, esse cenário pode mudar. A Câmara aprovou um projeto de lei que limita os juros do rotativo do cartão de crédito a 100% ao ano. Nas próximas semanas, a proposta irá ao Senado e, caso seja aprovada, pode afetar diretamente o bolso do consumidor.
Para Amanda Notini, sócia da One Investimentos, se a proposta for aprovada, permitirá que mais de 70 milhões de pessoas saiam da situação de inadimplência. "Apesar da taxa continuar alta, haverá um limite, e isso irá proporcionar um melhor planejamento para que o consumidor consiga arcar com a dívida."
Os juros rotativos são uma modalidade de crédito ativada automaticamente quando o cliente não paga o valor total da fatura do cartão até a data de vencimento. Quando isso ocorre, o saldo devedor é transferido para a próxima fatura e acrescido de juros que são aplicados ao saldo remanescente.
Para Fernando Lamounier, educador financeiro e diretor da Multimarcas Consórcios, essa modalidade é "um tanto perigosa e pode levar o consumidor a ter uma dívida interminável". Por isso, ele se mostra otimista com o projeto de lei que visa estabelecer que as dívidas cheguem, no máximo, ao dobro do valor inicial da compra. "Será uma vitória para o consumidor", diz.
Como vantagem do projeto de lei sobre os juros rotativos, Paula Bazzo, planejadora financeira certificada pela Planejar e sócia da SuperRico, afirma que o texto, além de estabelecer o limite de 100%, também propõe a possibilidade da portabilidade de dívidas. Ou seja, a pessoa poderá renegociar os valores com outra instituição em condições mais favoráveis.
Já a desvantagem, segundo a especialista, pode ser a redução da oferta de crédito por parte das instituições, a diminuição da possibilidade do parcelamento sem juros e o aumento do preço dos produtos.
Isso pode acontecer porque existem uma série de custos, impostos e lucros que a instituição financeira incorpora ao serviço de crédito. Somado a esses fatores, existe um risco de inadimplência muito elevado, que eleva significativamente o custo do dinheiro do país.
Caso as instituições não possam "cobrar pelo risco que estão correndo", elas poderão diminuir a oferta de crédito ou impor barreiras maiores. Para tentar incluir o custo na cadeia, as operadoras de cartão de crédito podem, por exemplo, cobrar dos lojistas taxas mais elevadas.
"E o lojista, por sua vez, vai incorporar ao preço do produto. Então, pode inibir a oferta da modalidade de parcelamentos sem juros, muito famosa em nosso país. Não vejo com maus olhos, mas de uma certa forma, a curto prazo, vai impactar o consumidor que pode não ter acesso a produtos que hoje ele tem", explica Bazzo.
Gilvan Bueno, sócio e gerente educacional da Órama Investimentos, também concorda que há pontos positivos no limite dos juros do rotativo. Segundo o especialista, 75% das compras no Brasil são realizadas com parcelamento sem juros, o que acaba resultando em uma inadimplência de 50%.
"Ou seja, você financia sem juros, mas metade das pessoas ficam endividadas. A grande cilada aqui é saber como controlar o parcelamento total. Por exemplo, muitos estudos mostram que somente 30% da renda pode estar comprometida com parcelamentos. A ideia é sempre respeitar esse limite."
Bueno ainda acrescenta que a população atualmente é muito dependente dos cartões de crédito, citando o levantamento do Banco Central de 2023, que mostrou que havia em circulação 190,8 milhões de cartões de crédito emitidos no Brasil em junho de 2022.
Apesar da possibilidade de redução, os especialistas afirmam que o rotativo do cartão não é a melhor escolha. "O consumidor precisa ter um bom planejamento financeiro e disciplina para evitar ao máximo utilizar o rotativo do cartão de crédito, devido às altíssimas taxas de juros", afirma Notini.
Lamounier orienta que, caso a pessoa não tenha dinheiro para pagar a fatura do cartão, a primeira coisa que deve ser feita é analisar modalidades de crédito que tenham juros menores do que os aplicados no crédito rotativo. O parcelamento da fatura ou o empréstimo pessoal podem ser uma saída. No primeiro caso, as operadoras de cartões tendem a oferecer opções de parcelamento a uma taxa mais baixa do que os juros rotativos.
Segundo Bueno, as principais linhas de crédito mais baratas no Brasil são o crédito direto ao consumidor e o crédito consignado, que é limitado a 30% da renda descontada diretamente da folha de pagamento. "Basicamente, esses são os créditos mais acessíveis à população."
Os especialistas ouvidos comentam que o novo limite, caso se concretize, acabará com o acúmulo de juros sobre juros, uma vez que haverá um teto anual. Na prática, os valores parcelados no cartão de crédito não diminuirão, mas os juros sobre essas parcelas do crédito rotativo serão reduzidos para cerca de 8,33% ao m
O projeto ainda está em votação e, se for aprovado pelo Senado, as instituições financeiras podem apresentar, em até 90 dias, ao Conselho Monetário Nacional (CMN) e ao Banco Central (BC), uma contraproposta ao limite de 100% para os juros nos cartões. Caso isso não seja feito, o teto será permanente. A regra foi incluída pelo próprio relator do projeto, o deputado Alencar Santana (PT-SP).
A Febraban (Federação Brasileira de Bancos), em nota à EXAME Invest, afirma estar envolvida no debate para enfrentar o alto custo do crédito no país. No entanto, ela critica a criação de limites oficiais de preços e argumenta que essa limitação pode inviabilizar os cartões de crédito.
"Limites artificiais de juros afetam a oferta de crédito, pois carregam o risco de torná-lo insustentável. No caso do cartão de crédito, um produto que representa 40% de todo o consumo no Brasil e 21% do PIB (Produto Interno Bruto), tetos para os juros no rotativo podem tornar uma parcela significativa dos cartões de crédito economicamente inviáveis, afetando a disponibilidade de crédito na economia", afirma.
A instituição também ressalta que o prazo de 90 dias deixa o setor mais aliviado, pois permitirá que trabalhem em alternativas para o limite. "Apesar de o tema ser muito complexo, estamos confiantes de que, nesse prazo de 90 dias, a indústria de cartões, em colaboração com o governo e o regulador, terá sucesso em promover evoluções significativas no cartão de crédito."