Jair Bolsonaro: deslizes no uso do hífen e da pontuação (Ricardo Moraes/Reuters)
Júlia Lewgoy
Publicado em 29 de outubro de 2018 às 10h10.
Última atualização em 29 de outubro de 2018 às 10h18.
Os mercados financeiros devem dar um voto de confiança ao novo presidente eleito, Jair Bolsonaro. Em seu primeiro discurso, o candidato eleito disse quase tudo que o mercado queria ouvir: que a prioridade vai ser reduzir o déficit público e interromper a trajetória de aumento da dívida e que vai reduzir o peso no Estado na economia. Faltou apenas uma menção mais direta à reforma da Previdência, hoje principal risco para as contas públicas brasileiras. Mas o tema é politicamente tão delicado que é compreensível a cautela em falar do assunto logo agora.
A questão é de quanto tempo será esse voto de confiança dos investidores, se será uma lua de mel, mais longa, ou apenas uma noite de núpcias, como diz um ex-diretor do Banco Central (BC). A paciência do mercado será ainda mais preciosa, pois o novo presidente não tem equipe montada, nem experiência no governo para já assumir o controle do Estado como teriam outros partidos. Um tempo para adaptação será, portanto, fundamental. “Se não souber lidar com os funcionários dos ministérios, por exemplo, nem água ele vai ter para beber”, diz esse ex-diretor.
A expectativa, porém, é que a Bolsa suba ainda mais e o dólar e os juros recuem com a confirmação da eleição. “A tendência é que se veja um pouco mais de euforia na segunda-feira”, diz Pablo Stipanicic Spyer, diretor da corretora Mirae Asset.
“Depois, os investidores vão olhar os passos da nova equipe indicada pelo Paulo Guedes e o andar da carruagem, não esquecendo que estamos em um cenário muito tenso lá fora com alta dos juros americanos, crise na Itália, guerra comercial dos EUA com a China, o Brexit da saída do Reino Unido da União Europeia, e a tensão com a Arábia Saudita pelo assassinato do jornalista de oposição”, lembra Spyer. “Na sexta-feira, o mercado brasileiro ignorou tudo isso e subiu, mas pode ser que nesta semana haja uma realização sem ligação com a situação brasileira”.
O mercado deve dar o benefício da dúvida para Bolsonaro, antevendo um governo reformista e liberal, o que poderia levar a Bolsa a entre 90 mil e 100 mil pontos até o fim do ano, ou 10% a 20% de alta dos níveis atuais, afirma a corretora XP Investimentos.
Os juros futuros devem recuar para 7,5% a 8,5% ao ano para 2020 e para 10% em 2030. E o dólar pode cair no curto prazo para o nível de R$ 3,50 a R$ 3,70, “mas vemos os R$ 3,70 a R$ 4,00 como mais adequados, dado o cenário de risco externo”.
Segundo a corretora, para que esse movimento seja sustentável, a evolução das reformas é crucial. “Caso as reformas se materializem ao longo de 2019, a Bolsa poderia buscar os 125 mil pontos até o final do próximo ano”, diz a XP.
Jair Bolsonaro tem chance de fazer as coisas certas, diz Marcos De Callis, estrategista da Votorantim Asset Management. Ele traz a vontade declarada de injetar um ar mais liberal na economia, que pode beneficiar a economia brasileira. “A direção que ele quer dar é positiva, mesmo com limitações”, afirma De Callis.
É o caso das privatizações, que aparentemente não serão tão amplas como imaginado no início pelas declarações do guru econômico do candidato, o economista liberal Paulo Guedes. “Mas se ele melhorar a governança das estatais, mesmo sem privatizar, já vai ser muito bom”, avalia.
Outro ponto é a reforma da Previdência, que Bolsonaro já afirmou ter consciência de que é fundamental para o país, mas diz que não vai adotar a reforma proposta por Michel Temer, que já era modesta. “É preciso, portanto, ver que grau de reforma ele vai conseguir”, observa De Callis. Há também a necessidade de o novo presidente ter uma boa articulação com o Congresso. “Ele não conseguirá governar sem o Congresso, tem consciência disso e sabe que a agenda é difícil”, afirma.
O cenário internacional mais complicado acabará impondo mais disciplina ao novo governo brasileiro, acredita De Callis. Haverá menos espaço para erros e menor tolerância dos investidores internacionais com os desequilíbrios fiscais. Por isso, o novo presidente terá de cumprir logo a agenda de reformas.
“E o Paulo Guedes sabe disso e vai colocar isso na agenda do presidente”, espera De Callis. O lado positivo do governo é esse viés mais liberal e essa visão de que é preciso reformar o sistema previdenciário, e isso vai dar fôlego para os mercados, acredita.
É preciso ver quanto tempo o mercado vai dar de lua de mel ao novo presidente. “O mercado vai esperar talvez até meados do ano que vem”, acredita De Callis. “Até junho, é preciso estar com a Previdência votada”, alerta. “O mundo está mudando lá fora e, se o Brasil não fizer a lição de casa, nossa situação pode se complicar”, diz.
Ele espera que Paulo Guedes forme uma boa equipe, usando suas conexões com o mercado financeiro e o mundo acadêmico. Esse ambiente todo cria um cenário mais positivo, especialmente para bolsa de valores, acredita De Callis. “Hoje, o que mais esvazia o entusiasmo com o Brasil é o crescimento baixo da economia e, se houver um sinal de ajuste das contas públicas de longo prazo, isso trará a perspectiva de crescimento maior e terá impacto no preço das ações das empresas”, lembra.
O câmbio e os juros, em um ambiente mais estável, tenderiam a cair, e o dólar pode voltar para os R$ 3,50. Os juros, por sua vez, ainda têm prêmios nos prazos mais longos, relativos ao risco fiscal do país. “Nesse caso, as taxas de juros longas vão depender mais da reforma da Previdência para cair”, afirma. “Para cair mais o juro real das NTN-B (papéis do Tesouro corrigidos pela inflação), tem de sair a reforma da Previdência.”
De Callis espera uma revisão para cima do crescimento da economia brasileira em 2019. “As projeções devem subir e podemos ter espaço para o investimento em ações ser melhor que o em juros”, diz. Ele lembra que tanto o câmbio quanto os juros têm um piso, que é o cenário internacional, enquanto as ações podem ir muito mais longe, pois dependem apenas do desempenho da economia e das empresas brasileiras.
Assim, depois da reforma da Previdência, o Índice Bovespa, hoje nos 85 mil pontos, pode bater os 100 mil pontos ou mais. “Antes da reforma, porém, não deve passar dos 90 mil, a menos que o cenário internacional melhore muito para os emergentes”, alerta.
Nesse cenário, De Callis acha que a alocação dos investidores deve incluir um pouco mais de risco em ações e menos em renda fixa, principalmente NTN-Bs longas. Já o dólar tende a recuar. Nos fundos multimercados da Votorantim Asset, a aposta é ficar vendido em dólar e em moedas de países mais frágeis, como África do Sul, que podem sofrer mais em caso de alta dos juros americanos.
Canadá e Austrália, países que ampliaram muito o crédito nos últimos anos, também podem ter problemas com a alta dos juros americanos. “Tanto os emergentes quanto os países desenvolvidos não estão igualmente frágeis e alguns podem sofrer mais que os outros, o que cria oportunidades para os gestores de multimercados”, diz.
Para o mercado de ações, De Callis diz que pode haver uma mudança no perfil da alta. Este ano, o gestor tradicional, mais voltado para a seleção de ações com maior potencial de valor, perdeu espaço, pois a alta se concentrou em papéis mais líquidos, como Petrobras e Vale, ou exportadoras de commodities. “Agora, com o crescimento local retornando, as empresas voltadas para o mercado interno devem voltar a se destacar”, diz.
Isso deve beneficiar os bancos, que darão mais crédito, e empresas ligadas ao ciclo de crescimento doméstico. “O setor de construção, por exemplo, foi destruído nos últimos anos, e só sobraram as empresas voltadas para o programa Minha Casa Minha Vida. Qualquer sinal de melhora da economia deve reativar o segmento”, diz.
Estatais com a perspectiva de melhora da gestão também tendem a se destacar, diz De Callis. Isso tem beneficiado as ações da Cemig, Copasa e até da Light e da Eletrobras.
Já o dólar ainda pode ceder um pouco mais, acredita, uma vez que muitas empresas fizeram proteção e ainda não desmontaram essas operações. “Quem saiu do dólar foram os investidores profissionais, as grandes empresas e fundos ainda vão fazer isso e aí o dólar ainda pode recuar mais semana que vem”, diz.
Ele observa que muitos investidores conservadores ainda não ajustaram suas carteiras ao novo cenário, aumentando a aplicação em bolsa. Mas acredita que ainda dá tempo para fazer esse ajuste. “Vamos ter um horizonte mais longo de investimento e crescimento se tudo der certo, e aí haverá tempo para ganhar com a Bolsa”, diz.
No Itaú, a visão é muito positiva em Bolsa, hoje a primeira classe de ativos para os recursos novos, diz Martin Iglesias, especialista em investimentos do Itaú Unibanco. “Uma parte da alta das ações em reação ao cenário político já foi, mas acreditamos em mais valorização no fim do ano, que pode continuar no ano que vem”, afirma.
Segundo Iglesias, por trás dessa alta está a visão de que a composição do futuro Congresso permitirá ao governo Bolsonaro avançar com algumas reformas que ficaram pendentes, com a da Previdência e a tributária. “Isso traz um cenário positivo em termos de confiança na economia e na estabilidade da inflação e dos juros”, diz.
Iglesias vê um cenário bastante positivo para os ativos brasileiros e oportunidades boas na Bolsa, que pode subir mais.
Outro fator de alta é técnico, diz Iglesias. Para ele, o investidor estrangeiro ainda não entrou no mercado. “Muito da alta recente, para 85 mil pontos, foi impulsionada pelo investidor local, ou seja, o estrangeiro ainda não se posicionou muito e esse movimento deve acontecer agora e provocar uma nova onda de alta da Bolsa”, afirma.
Como a expectativa é de entrada de recursos em grande escala de estrangeiros, a alta da Bolsa deve se dar especialmente nos papéis mais líquidos, de maior peso nos índices de ações. “Portanto, o importante agora não é ficar selecionando muito, mas estar nos papéis mais líquidos dos índices”, diz Iglesias.
Para isso, há os fundos passivos, que reproduzem os índices, e dos quais também fazem parte os fundos com cotas negociadas em Bolsa, os Exchange Traded Funds, ou ETFs. “O momento é mais de fundos que acompanham os índices de mercado (o chamado “beta”) do que os que se diferenciam na escolha das ações (o chamado “alpha”, ou ganho acima dos índices).
Entre os ETFs disponíveis no mercado, o Itaú é responsável pelo mais antigo e mais barato, o It Now PIBB, que reproduz o Índice Brasil 50, com os 50 papéis mais relevantes do mercado. Há também o It Now Ibovespa, que acompanha o Índice Bovespa. Outro ETF de Ibovespa é o iShare Bova11, da BlackRock. Os ETFs têm a vantagem de acompanharem de perto os índices e terem taxas de administração mais baixas. As cotas são vendidas como ações, na Bolsa, por meio de corretoras.
Outra opção são os fundos de ações passivos, que reproduzem os índices e são oferecidos pelos bancos. No Itaú, Iglesias cita os fundos Fenix e Momento 30, que acompanham de perto os índices e tem algum diferencial. “Esses fundos costumam aplicar mais ou menos em Bolsa, de acordo com as oportunidades, e no momento estão bem aplicados”, diz.
A segunda classe de ativos preferida para o momento são os multimercados, diz Iglesias. Muitos estão investindo em Bolsa e em outros ativos que se beneficiaram do cenário de eleição de Bolsonaro, como os títulos prefixados ou na baixa do dólar. Eles são uma forma interessante de tirar vantagem de um cenário positivo com um risco e uma volatilidade menores.
Uma terceira classe de ativos são os Certificados de Operações Estruturadas (COEs), que oferecem aplicação em Bolsa com proteção de principal e gatilhos que determinam um ganho maior ou menor. Várias instituições oferecem esses papéis, que são montados a partir do mercado de opções.
No caso do Itaú, o banco montou um COE com base no Ibovespa. Se o índice subir mais de 40%, o investidor recebe a alta do indicador. Mas, se a alta ultrapassar esse percentual, o investidor leva apenas uma taxa de juros prefixada, em torno de 7,5% ao ano.
“Mesmo que o índice suba mais que isso, o que não acreditamos, esse ganho de 7,5% é interessante, pois, dada a melhora do dólar, a inflação pode vir para baixo e o juro básico pode ficar em 6,5% ao ano, como está hoje, até o fim do ano que vem”, afirma Iglesias. “Essa manutenção dos juros não está ainda sendo considerada no mercado futuro e, portanto, é uma oportunidade para o investidor”, diz.
Uma quarta classe de investimentos após a eleição é justamente o juro prefixado, diz Iglesias, levando em conta essa revisão para baixo da inflação e das projeções para a Selic nos próximos anos. “Um papel prefixado do Tesouro Direto, como a LTN 2021, pode capturar melhor essa revisão dos juros para baixo”, diz.
A LTN para 2021 pagava na sexta-feira 8,22% ao ano. Um papel mais longo, 2025, pagava 9,89% ao ano.
Para os papéis corrigidos pela inflação, já houve movimento importante de ajuste para baixo nos juros reais, mas ainda há algum ganho nos papéis (NTN-B ou Tesouro IPCA) para 2024 e 2035. O papel 2024 pagava IPCA mais 4,76% ao ano e o 2035, 5,20% ao ano mais inflação.
Os títulos de renda fixa pós-fixados pode ser alternativa pela liquidez, mas devem sofrer com a revisão para baixo dos juros nos próximos meses, avalia Iglesias. “Não são uma oportunidade tão interessante”, diz, lembrando que há um mês o cenário era justamente o contrário, com a incerteza recomendando deixar o dinheiro em ativos líquidos e que acompanhassem os juros à espera de oportunidades.
“Agora com o cenário político mais definido, é hora de aproveitar as oportunidades”, diz.
Sobre a renda variável internacional, haverá o impacto da queda do dólar nos próximos meses. “A visão para o dólar não é positiva, pois podemos ter valorização do real até o fim do ano e, para o fim de 2019, a projeção é de um dólar em R$ 3,80 perto do que temos hoje”, diz. “Por isso a renda variável internacional aparece na nossa última opção de investimento”, diz.
Mas, se a expectativa de ganhos é baixa neste momento, Iglesias lembra que a aplicação no exterior tem uma característica defensiva importante e deve fazer parte de todas as carteiras. “Se der algum problema, ter algo de investimento dolarizado e no exterior é bom, mesmo que seja uma parcela pequena”, diz. Ele não recomenda para os conservadores, mas sugere 4% a 5% em ativos no exterior para os demais perfis de investimento.
Iglesias faz uma lista de sugestão de carteira para diferentes perfis de investidores:
Há a possibilidade de aproveitar a alta da Bolsa com os multimercados, com 8% da carteira. Outros 5% pode ir para um COE, com garantia de principal, 7% para títulos prefixados, nada em papéis corrigidos pela inflação e 80% em pós-fixados.
Pode ter 5% em bolsa, 12% em multimercados, 5% em COE, 20% em prefixados, 10% em papéis atrelados à inflação, 45% em pós-fixados e 3% em ações no exterior.
A parcela de ações pode chegar a 11%, mais 20% em multimercados, 5% em COEs, 20% em prefixados, 15% em papéis atrelados à inflação e 25% em pós-fixados. Os 4% restantes podem ir para ações no exterior.
Podem destinar 25% para ações, 30% para multimercados, 5% para COE, 10% para prefixados, 19% para papéis corrigidos pela inflação, 5% em pós-fixados e 6% em ações no exterior.
Iglesias sugere que o investidor use a prioridade de alocação até atingir o limite de cada categoria. Se a pessoa é arrojada e tem só 5% em ações, pode aplicar os novos recursos que entrarem em bolsa, até atingir o limite de 11%. Depois, começa a aplicar em multimercados até chegar ao limite de 20%, e assim por diante.
“A ideia é que o investidor siga a ordem de preferência dos ativos, vá enchendo os "copinhos” e, no médio prazo, construa uma carteira diversificada, tentando entrar em cada classe no melhor momento”, diz o especialista.
*Este texto foi originalmente publicado no site Arena do Pavini.