Finanças das mulheres também são influenciadas pelas relações socioafetivas e familiares (Witthaya Prasongsin/Getty Images)
Marília Almeida
Publicado em 2 de maio de 2021 às 07h00.
Três pesquisadores brasileiros da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) de São Paulo mostram que desvantagens vividas pelas mulheres ao longo da vida, como menor conhecimento financeiro, menor renda, empregos de qualidade inferior, trajetórias de trabalho irregulares associadas ao papel de principal cuidadora dos filhos e da família e até a violência doméstica contribuem para uma redução do seu bem-estar financeiro.
O artigo, publicado no International Journal of Consumer Studies, analisou 130 artigos científicos publicados entre 1990-2020 que tratam sobre o tema.
Virgínia Gonçalves, Mateus Ponchio e Roberta Basílio concluíram que muitos elementos individuais, familiares, comunitários e sociais interferem nas finanças femininas. "As decisões importantes tomadas pelas mulheres, especialmente aquelas relacionadas ao trabalho e à maternidade, são limitadas ou ampliadas de acordo com o contexto cultural em que estão inseridas”, diz Gonçalves.
Do total de estudos analisados, 76% foram feitos em países norte americanos e europeus. Ásia e a região do Pacífico responderam por 13% dos estudos, África por 4%, Oriente Médio, 4%, e América do Sul e Central, 3%.
Veja abaixo as principais conclusões dos especialistas:
As finanças das mulheres são influenciadas pelas relações socioafetivas e familiares. Há evidências de que as mulheres casadas apresentam níveis mais elevados de bem-estar financeiro do que as solteiras, divorciadas e viúvas.
Isso porque na separação os homens são mais propensos a manter a propriedade da casa, enquanto as mulheres tendem a manter a custódia de seus filhos e arcar com custos que não são devidamente cobertos pela pensão alimentícia. "Fora que, quando a mulher entra em um novo casamento ou o ex-marido se casa, reduz as chances de que ela continue a receber pensão", diz Gonçalves.
Já mulheres viúvas podem sofrer um maior estresse econômico devido à ausência de plano de previdência falta de histórico de trabalho, maior expectativa de vida e menor propensão a se casar pela segunda vez.
Os autores também observaram como licenças parentais e o papel de cuidadoras também interferem nas finanças femininas.
Ponchio aponta que há claramente um maior efeito da maternidade no trabalho para a mulher do que para o homem. "Mesmo com escolaridade maior do que a do homem elas registram um engajamento inferior no mercado de trabalho neste momento". Gonçalves reforça que a maternidade é o grande ponto de inflexão entre homens e mulheres. "Enquanto o engajamento dela cai, o do homem aumenta".
Segundo dados do IBGE, o nível de participação de uma mulher com uma criança de três anos em casa no mercado de trabalho é de 55%, enquanto esse número sobe para 67% entre as que não são mães ou têm crianças pequenas. Quando o homem não tem crianças pequenas em casa sua participação no mercado de trabalho é de 83%, enquanto entre os que têm é de 89%.
Além disso, pesquisas demonstram que o salário da mulher após a licença maternidade é reduzido em até 9%. "É a chamada penalidade da maternidade", conclui Gonçalves.
Um ponto do estudo que chamou a atenção dos pesquisadores foi que a violência doméstica também tem impacto nas finanças femininas, tanto no curto como no longo prazo, extrapolando suas consequências físicas e emocionais.
Além de intimidação psicológica, foram identificadas estratégias de sabotagem no trabalho, dependência financeira extrema e táticas de isolamento que fazem as mulheres se sentirem economicamente dependentes do agressor e presas no relacionamento.
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Mesmo o estupro e o assédio podem ser considerado crimes econômicos, diz Gonçalves. "A mulher precisa se afastar do trabalho para se recuperar emocionalmente, e às vezes o assediador faz parte desse ambiente. Os crimes também geram gastos com saúde. Ou seja, têm impacto na sua empregabilidade e aumentam suas despesas".
Como o estudo abrange os últimos 30 anos, Ponchio aponta que é possível observar mudanças sobre o tema. "As questões de gênero começaram a ser abordadas com maior frequência nos últimos 20 anos".
Além disso, começam a aparecer problemas a partir de uma maior inserção da mulher no mercado de trabalho, diz o pesquisador. "A mulher vem acumulando funções. O trabalho não a isenta do cuidado do lar, das crianças e idosos. A mulher passa 21 horas cuidando da casa, enquanto os homens passam 11 horas. Isso prejudica a carreira e a renda feminina".
O estudo conclui que programas de educação financeira, customização de produtos, serviços e projetos com foco em aumentar o engajamento das mulheres com o planejamento financeiro pessoal são iniciativas necessárias. É uma forma de instituições financeiras, formuladores de políticas públicas e as próprias mulheres reduzirem o gap de conhecimento financeiro entre os gêneros.
Segundo Ponchio, há evidências de que meninos começam a aprender sobre finanças mais cedo do que as meninas. "Então, uma forma de a mulher quebrar esse ciclo é despertar seu interesse pelo tema". As escolhas vocacionais femininas também podem ser ampliadas. "Muitas carreiras em Exatas, que geralmente oferecem um maior piso salarial, têm menor participação das mulheres. Pensar em seguir alguma delas pode também auxiliar no aumento da renda feminina. As mulheres também podem ocupar esses espaços, e empresas precisam estimular isso".
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Para instituições financeiras, os pesquisadores dão algumas sugestões. "O banco pode cogitar conceder carência para o pagamento de um empréstimo quando a mulher engravida?", diz Ponchio. Já Gonçalvez aponta que iniciativas como simplificação da linguagem em apps podem aumentar o engajamento das mulheres com o banco. "Criar contas específicas para mulheres pode ser algo interessante também".
Para aquelas que enfrentam situações de maior vulnerabilidade financeira, tais como mães solo e de crianças com deficiência, idosas, viúvas e mulheres vítimas de violência, os autores reforçam a necessidade de programas específicos de apoio.
Além disso, Gonçalves aponta a necessidade de se incluir mais mulheres na decisões políticas e empresariais, como forma de debater questões próprias, a exemplo da licença-maternidade. "O tempo da licença-maternidade é de 120 dias para mulheres e cinco dias para o homem no Brasil. É uma diferença de 24 vezes. Na Dinamarca há equiparações e possibilidade de o casal escolher. Isso faz com que a mulher não precise se afastar tanto do mercado de trabalho".
Segundo ela as mulheres ocupam hoje 37% dos cargos gerenciais do setor privado. Quanto maior é o rendimento do cargo, menor a sua participação. Entre os cargos mais bem pagos, apenas 20% são ocupados por mulheres. Embora tenha aumentado o número de mulheres na Câmara dos Deputados, o Brasil ainda registra o pior porcentual da América Latina: 14,8%.