Bombril: investimento da Dynamo na empresa foi um grande fracasso (Divulgação)
Da Redação
Publicado em 28 de março de 2012 às 09h25.
São Paulo – Quem bate o olho na rentabilidade nominal do Dynamo Cougar, um dos fundos de ações mais antigos do Brasil, acha que está diante de algum equívoco. O fundo teve uma valorização de inacreditáveis 1.014.594% desde que foi criado em setembro de 1993. É lógico que o número está bastante poluído porque a aplicação foi criada em um momento de inflação elevadíssima no Brasil. Mas mesmo o resultado deflacionado pelo IGP-M é capaz de impressionar qualquer investidor. O retorno real do Dynamo Cougar alcança 6.774% desde então, transformando muita gente em milionários.
Para quem acha que acaba de descobrir quem vai contratar para investir algum dinheiro em ações, aqui vai uma má notícia. O Dynamo Cougar está fechado para novas captações. Pedro Damasceno, sócio da gestora de recursos, afirma que não enxerga neste momento oportunidades na Bovespa que justifiquem o investimento de mais recursos. Ele também diz que uma parte dos 6 bilhões de reais sob administração já está em caixa à espera de melhores oportunidades para entrar no mercado. Em palestra realizada na Casa do Saber, em São Paulo, realizada na noite de segunda-feira, Damasceno detalhou a filosofia de investimentos, as ideias e alguns momentos marcantes da história da Dynamo:
Bolsa
A Dynamo sempre foi uma gestora com visão “bullish” [otimista] com o potencial de retorno das empresas brasileiras e pessimista com o Brasil. De 2004 para cá, no entanto, tem sido o contrário. O país vive um bom momento, mas é muito difícil encontrar na bolsa bons negócios a preços razoáveis. As bolsas mundiais estão caras. Estamos devolvendo o dinheiro dos investidores lá fora. Aqui isso não é possível devido aos custos tributários, mas estamos fechados para novas captações e mantemos um percentual acima da média de dinheiro em caixa. O preço que a gente paga por isso é que se a bolsa andar muito, ficaremos para trás. Mas preferimos não fazer nada a investir em ativos que nos deixem desconfortáveis.
É lógico que dentro de alguns anos, vamos olhar para trás e perceber que muitas companhias garantiram retornos excepcionais no período. Mas vejo poucas oportunidades óbvias neste momento. Vou dar exemplos do que mudou. Em meados da década de 1990, a Perdigão valia 50 milhões de reais, a AmBev custava 3 bilhões de reais e o Itaú, 6 bilhões de reais. Não tem nada parecido agora. O Brasil mudou. As empresas têm muito mais acesso a capital, o que é uma mudança estrutural. Nem o mais otimista dos analistas esperaria que a Hering ou a Lojas Renner conseguiriam alcançar os resultados atuais. É preciso buscar as empresas que vão se beneficiar se esse processo continuar, mas sem correr riscos exagerados.
A bolsa é difícil para pessoas físicas
É muito difícil para uma pessoa física ou para que qualquer investidor que não acompanha de perto a bolsa identificar quando uma possível ruptura vai criar uma oportunidade de compra de ações. A pessoa física tem que buscar sua zona de conforto e investir em coisas mais estáveis ou que conhece bem. A própria Dynamo tem dificuldade para acompanhar empresas de tecnologia e de commodities, por exemplo. Já tivemos empresas de matérias-primas em nossa carteira, mas não nos julgamos capazes de prever com precisão o preço futuro do petróleo ou do minério de ferro. Então a gente não dorme tranquilo se tiver uma grande posição disso.
Outro conselho que daria às pessoas físicas é evitar os grandes erros. Um prejuízo grande com apenas uma posição pode estragar a rentabilidade geral. É preciso escolher bons negócios e deixar a magia dos juros compostos multiplicar o dinheiro. Alguns erros muito comuns são a tentação de tentar adivinhar o momento certo de entrar e sair do mercado e aquela fraqueza de vender as ações quando a macroeconomia é desfavorável. Nessa questão de “market timing”, nós mesmos que estamos na bolsa há tanto tempo não nos julgamos capazes de acertar. A gente sempre entra e sai de um investimento muito cedo.
Eu também acho arriscado demais ficar procurando aquele negócio que vai render 100% em um ano. A gente está atrás de companhias que garantam um retorno de 15% a 20% ao ano de forma consistente.
O que é um bom negócio
Hoje a competição entre empresas é muito maior. Diversas multinacionais estão de olho em mercados que antes eram oligopolizados, dominados por poucas empresas brasileiras. Uma preocupação que a gente sempre tem é levantar quais serão as empresas mais afetadas por esse processo. Preferimos as empresas que detêm o canal de distribuição. A lista de multinacionais que investem um bom dinheiro no Brasil e o negócio não deslancha é enorme. A distribuição é a grande barreira de entrada para novos concorrentes.
A AmBev é um bom exemplo disso. A companhia tem uma rede de distribuição que lhe dá uma vantagem competitiva praticamente intransponível. No caso dos bancos de varejo, é a mesma coisa. Bradesco e Itaú conseguem levantar dinheiro barato e repassar os recursos com um bom ganho. Olhando lá fora, a gente vê que o negócio bancário é mais regional mesmo. Poucos são os bancos que conseguem ter uma presença em várias regiões e, ainda assim, serem muito lucrativos. O Santander o HSBC talvez sejam duas exceções a serem destacadas.
Negócios à prova de idiotas
É muito difícil avaliar quando um negócio é bom a partir das pessoas que foram apontadas para geri-lo. Essa não é uma questão de honestidade ou da falta dela. Muitos empresários com quem conversamos acreditam piamente que seus negócios são excelentes. O problema é que muitas vezes os caras estão errados. Perceber se o executivo é ou não bom é ainda mais difícil quando há grande rotatividade na companhia. Pegue o caso da Redecard, por exemplo. O diretor que está na empresa há mais tempo chegou há uns dois anos e meio. Então o que a gente tenta fazer é selecionar aqueles negócios que aguentam muito desaforo mesmo com as pessoas erradas. O Warren Buffett costuma dizer que algum dia um idiota vai gerir a companhia em que você investe. Então é melhor que seja uma empresa boa o suficiente para atravessar essa fase.
A tentação dos investimentos temáticos
A Dynamo nunca se deu bem com investimentos temáticos. Quando a gente acha que algum setor vai ser a bola da vez, sempre erra feio. De 2003 a 2005, por exemplo, gastamos muito tempo estudando o pré-sal. Éramos próximos da Petrobras e já ouvíamos falar do potencial impressionante do negócio. Mesmo considerando que geólogos são sempre bastante otimistas, nós e o mundo inteiro estávamos animados com a nova fronteira de exploração de petróleo.
Começamos a estudar as empresas que estavam com a Petrobras no negócio do pré-sal e montamos um portfólio que incluía ações da Repsol, da Galp e da Statoil. O pré-sal acabou se revelando uma reserva com um potencial muito maior do que qualquer um de nós imaginava. Mas, mesmo assim, nosso investimento foi horroroso. O portfólio de ações de petróleo da Dynamo teve um desempenho inferior à British Petroleum, que protagonizou o maior acidente da indústria petrolífera mundial [a empresa destruiu o Golfo do México com um vazamento em 2010]. A lição que ficou é que investimento temático não funciona. O que é preciso fazer é encontrar os bons negócios e investir neles.
Estratégia
A Dynamo utiliza a estratégia conhecida como “value investing”, baseada nos fundamentos para a escolha das melhores empresas. Isso sempre foi muito comum nos Estados Unidos, mas quando começamos a adotar essa filosofia no Brasil, éramos tratados como um ET. Os investidores não iam às companhias levantar informações enquanto a gente tratava isso como a base de nosso trabalho de analista.
Em primeiro lugar, a gente sempre olhou os números da companhia. Isso é muito simples de fazer. Uma boa faculdade ou um curso de MBA já ensina os alunos a avaliar o balanço de uma empresa. O passo seguinte é olhar o negócio. Gastamos 80% do nosso tempo fazendo isso. É o mais difícil de fazer porque o que é uma boa empresa hoje nem sempre será daqui a algum tempo. A desconstrução do negócio envolve os oito sócios da Dynamo. O investimento só é feito quando há um consenso sobre a atratividade.
O último passo é analisar as regras que normatizam a atuação da companhia. Olhamos os documentos societários, o acordo de acionistas, o estatuto da empresa e as regras da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). No Brasil, tem muito documento público que a maioria dos investidores não lê nem dá a devida atenção. A razão para nossa preocupação é que na década de 1990 havia uma expropriação muito grande dos acionistas minoritários. A Lei das S.A. permitia muitos “abusos”. Tivemos de ir algumas vezes à CVM e à Justiça para fazer valer nossos direitos. Daí veio nossa obsessão por sempre entender as regras do jogo antes de começar a jogar.
Os primórdios
O Brasil da década de 1990 era muito hostil para investimentos em “small caps” [as empresas com baixo valor de mercado]. Naquela época, era quase um investimento de “private equity” em empresas abertas, tamanha era a falta de liquidez da maioria dos papéis negociados em bolsa. A gente tinha de comprar as ações e esperar até que o valor do investimento aparecesse.
Também era difícil levantar dinheiro junto aos investidores, que não conheciam muito bem esse negócio de fundos. Demos muita sorte de ter começado muito bem e apresentado bons resultados logo no início. Através de uma propaganda feita boca a boca, começaram a chegar novos investidores.
Uma posição bem lucrativa
A Dynamo ganhou muito dinheiro com o negócio de adquirentes do setor de cartões. Cielo e Redecard chegaram à bolsa no final da década passada e eram difíceis de analisar. Conhecíamos o balanço dos bancos e sabíamos que esse era um bom negócio, mas era um setor novo na bolsa, o que sempre traz mais dificuldades. O setor passou por uma grande provação em meados de 2010, quando o Banco Central deixou claro que queria mais competição e menores preços nas transações com cartões.
O mercado ficou bem assustado. As ações despencaram. Mas a gente tinha a convicção de que era um negócio muito protegido e vimos a oportunidade de realizar o investimento. A gente sabia que haveria mais concorrência entre a Redecard e a Cielo, mas não achava que seria no mesmo grau que o mercado estava achando. A grande barreira para novos entrantes seria a distribuição. Nos Estados Unidos e na Europa, o banco não era dono do negócio como aqui. O Bradesco, o Banco do Brasil, o HSBC e o Safra oferecem os serviços da Cielo. O mesmo vale para o Itaú com a Redecard.
Outro problema dos entrantes seria a escala. O Pão de Açúcar já pagava pouco pelas transações com cartões. Esse cliente não garantiria uma grande margem para novas empresas. Já o pequeno comerciante gera pouca receita e não garante escala. Até encomendamos um levantamento a um instituto de pesquisas para verificar se a empresa de cartões do Santander estava avançando em São Paulo e em Porto Alegre, onde o banco possui grande participação. Era um questionário aplicado mensalmente que nos mostrava que a Redecard e a Cielo estavam resistindo bem.
Também visitamos diversos países onde o Banco Central dizia que havia forte concorrência no setor de cartões. Falamos ainda como BC, o Cade, o Ministério da Justiça e órgãos de defesa do consumidor. Foi a partir disso que chegamos à conclusão de que o aumento do volume de transações com cartões compensaria a queda das margens do negócio. Esse setor tem crescido 20% ao ano. Então tivemos de nos afastar do dia a dia das notícias ruins, o que não é fácil, e se concentrar no conjunto do negócio. Mas foi recompensador.
Um grande fracasso
Um dos nossos maiores fracassos foi com a Bombril. A gente viu que a empresa tinha problemas e permaneceu até o final com o investimento. A empresa gerava muito caixa, mas era controlada por um cara polêmico, o italiano Sergio Cragnotti. Ele tinha 100% das ações ordinárias da Bombril e também controlava uma grande empresa de alimentos que havia sido estatal na Itália. O Cragnotti usava a Bombril quase como um banco para a operação italiana, que recebia dinheiro emprestado do Brasil. Nós e outros acionistas como a Previ e o BNDES fomos à Justiça contestar. Sabíamos que o empresário não era honesto, mas achávamos que o negócio era tão bom que mesmo assim valia a pena. O fim disso tudo não foi nada virtuoso. A empresa chegou a ser obrigada pela CVM a assinar um termo de ajustamento de conduta que nunca foi cumprido. Depois, o Cragnotti até foi preso na Itália. A lição que ficou foi a de não investir onde as pessoas não são confiáveis.
A Petrobras
A Petrobras é uma das empresas mais ricas do mundo e vai continuar a ser por muitos anos. O governo intervém bastante na empresa, mas isso não é necessariamente um impeditivo para o investimento, já que é o que acontece em quase todas as estatais do setor. O problema da Petrobras é que haverá um gigantesco comprometimento dos fluxos de caixa da companhia por muitos anos devido aos investimentos em novos campos de petróleo. A empresa poderia, por exemplo, abandonar alguns campos em terra e concentrar seus recursos no pré-sal, por exemplo. Mas isso não parece ser do interesse nacional. A empresa também vai ter de se virar para arrumar gente, equipamentos e dinheiro para cumprir todos seus objetivos nos próximos anos.
As incorporadoras
A Dynamo sempre achou que as incorporadoras têm problemas estruturais. Só passamos a investir nesse setor quando entendemos que a natureza do negócio é bem parecida com a indústria de hedge funds. Tanto nós como eles temos mais dificuldade para captar dinheiro quando a economia vai mal e recebemos muitos recursos quando está tudo caro e não tem muito o que fazer com o capital.
A incorporação de imóveis sempre vai ser um negócio bem alavancado e de alto risco. Mas houve uma forte correção nos preços no ano passado a partir do momento em que as empresas corrigiram seus balanços e divulgaram estouros orçamentários. Nós achamos que os preços estavam convidativos e investimentos principalmente nas ações da Helbor. Duas questões pesaram na escolha. Tivemos uma identidade muito forte com o empresário que comanda a empresa e eles criaram uma conselho independente que passou a deliberar sobre os dividendos que serão distribuídos aos acionistas. Na prática, os dividendos só são retidos quando o empresário convence os acionistas de que há fins melhores para aquele dinheiro.
O setor elétrico
A gente gosta de investir no setor elétrico, mas é preciso entender a lógica desse negócio. O setor elétrico é muito regulado e, a cada quatro anos, o governo estuda a estrutura de custos das empresas para definir a taxa de retorno que será garantida ao investidor. Muita gente não entende o impacto disso no caixa das empresas e investe no setor elétrico como se fosse renda fixa. Mas não é assim que funciona. Se uma ação que vale 10 reais hoje cair muito porque o governo definiu que as tarifas cobradas pela empresa precisam ser reduzidas, o valor do papel terá uma forte correção. Investimentos no setor elétrico só são parecidos com renda fixa no período de três anos após a última revisão tarifária. No quarto ano, o papel poderá oscilar bastante tanto para baixo quanto para cima, de acordo com a expectativa sobre as negociações com o governo.
A necessidade de ser global
Criamos a Dynamo Capital em Londres para criar a inteligência necessária para conseguir entender melhor o que está acontecendo aqui. Ao longo dos anos, surgiram várias propostas para que criássemos fundos novos, em renda fixa, long/short, na Argentina... Mas a gente nunca quis porque todos os sócios são analistas de ações. Ao mesmo tempo, a gente sempre olhou para as bolsas e as empresas abertas fora do Brasil com muita curiosidade. Não demorou para percebermos que em alguns setores como a siderurgia, só dá para entender o que está acontecendo aqui quando é analisado o contexto global. Foi isso que nos motivou a constituir um fundo lá fora para investir em empresas dos Estados Unidos e da Europa.