Minhas Finanças

Não basta investir em um bom negócio, diz Tarpon

O sócio Pedro de Andrade Faria explica que por que muitas vezes a Tarpon precisa buscar empresas com baixa liquidez, governança ruim ou estrutura societária complexa

Brasil Foods é o principal investimento da Tarpon - são mais de 700 milhões de reais em jogo

Brasil Foods é o principal investimento da Tarpon - são mais de 700 milhões de reais em jogo

DR

Da Redação

Publicado em 5 de janeiro de 2012 às 20h12.

Separar o que é apenas um bom negócio do que é realmente um bom investimento tem sido, desde 2002, o grande desafio dos gestores da Tarpon, uma das duas únicas gestoras de recursos do Brasil a ter ações negociadas na Bovespa - a outra é o GP. Com 2,5 bilhões de dólares sob administração, o time da Tarpon está à caça de empresas de capital aberto ou fechado que sejam promissoras, mas que, naquele momento específico, estejam sendo enxergadas com pessimismo pelo mercado por algum motivo. Em geral, esse é o caso de boas empresas que tenham ações com baixa liquidez, uma governança ruim ou uma estrutura acionária complexa.

"Queria eu dizer que inventamos essa filosofia de contramão", diz Pedro de Andrade Faria, sócio da Tarpon (a entrevista faz parte da série de conversas com os grandes gestores brasileiros, que também já ouviu executivos da <a href="http://portalexame.com/financas/nao-compramos-promessas-diz-presidente-rio-bravo-522237.html"><strong>Rio Bravo</strong> </a>e da <a href="http://portalexame.com/financas/gosto-investir-outros-tem-preconceito-diz-fundador-polo-capital-533761.html"><strong>Polo Capital</strong> </a>). Segundo ele, é preciso "gastar muita sola de sapato" e estudar profundamente uma empresa para entender, "já na largada", quando um negócio em si é ruim e quando trata-se apenas de um ou outro problema pontual. A estratégia, no entanto, tem se provado vencedora. A Tarpon acumula um ganho de 36% ao ano desde sua criação em 2002. Entre os casos em que a gestora foi muito feliz, Faria cita o do Pão de Açúcar, que passou de "patinho feio" a "princesa" do mercado nos últimos três anos - e lhe proporcionou lucros extraordinários.</p>

Faria está no mercado desde 1995 e teve passagens pelo Chase Manhattan e pelo banco Pátria, onde conheceu José Carlos Magalhães, o fundador da Tarpon, conhecido no mercado como Zeca. Hoje seu trabalho é fazer a interface com as empresas que recebem os investimentos. Ocupa uma cadeira no conselho de administração de seis companhias (Comgás, BrasilAgro, Direcional Engenharia, Cremer, Omega Energia Renovável e da própria Tarpon) e também coordena o time de análise de investimentos. No momento, a principal aposta da Tarpon são as ações da Brasil Foods, onde foram investidos mais de 700 milhões de reais. Em seguida, aparecem duas varejistas do setor de vestuário, a Marisa e a Hering. Na entrevista a seguir, Faria explica os motivos para a aposta nessas empresas e os pilares de investimento da Tarpon:

Como são tomadas as decisões de investimento na Tarpon?
Tudo aqui é muito baseado em consenso. Temos um comitê de investimentos para discutir onde aplicar o dinheiro. O Zeca é o gestor do portfólio, responsável por determinar quais investimentos vão diminuir ou aumentar. Eu sou a pessoa que trabalha junto com ele, mas menos com a gestão do portfólio e mais com as empresas. Faço a interface com as companhias em que investimentos para que a estratégia que pensamos efetivamente aconteça. Nosso time gosta de ser profundo nos poucos negócios em que investimos. Concentramos ao máximo nossas iniciativas para termos capacidade e tempo para nos mantermos informados.

E de que forma a Tarpon prefere entrar nas empresas escolhidas?
O primeiro passo é encontramos um bom investimento, seja em private equity ou uma empresa de capital aberto. Nossa filosofia é de nos qualificarmos como o maior investidor após o controlador. Mas também não vamos deixar de fazer um bom investimento se não formos o maior ou o segundo maior. Desenvolvemos uma filosofia de gestão imutável, condensada em uma série de princípios, mas temos uma postura muito flexível em relação a formatos ou estruturas. Se houver uma empresa que é excepcionalmente bem-gerida, não nos importamos em ter só 10% do capital. Por que criar uma caixinha cheia de pré-requisitos para eu fazer um bom negócio? Isso é mais inerente quando você faz a gestão de recursos de terceiros, onde você é obrigado a prestar contas aos cotistas. Por outro lado, ser dono da empresa nos leva a enxergar oportunidades de melhoria, estabelecer uma governança bacana. Queremos ter essa participação grande pra ter uma relação de ganha-ganha com as empresas. Somos um sócio que agrega valor. O grande diferencial da Tarpon é se enxergar muito como dono dos negócios em que investe. A conversa fica natural porque nós e os controladores não pensamos diferente.

E como é sua participação no cotidiano com as empresas?
Nossa vida é fora do escritório, visitando as fábricas, avaliando se a coisa acontece. Somos mais investidores de sola de sapato do que de leitura de relatórios.

Nessas conversas com executivos, vocês conseguem transformar as estratégias das empresas?
Sem dúvida nenhuma. Os dois melhores casos são a Arezzo [varejista de calçados] e a Cremer [fabricante de adesivos e materiais hospitalares]. Na Arezzo, os seis meses mais frios do ano respondem por apenas 25% a 30% de suas vendas e o inverno deste ano vai ser maior do que o ano inteiro de quando entramos lá [2007]. A Cremer [fabricante de adesivos e materiais hospitalares] também foi um caso de reviravolta estratégica. À medida que passamos a ter mais influência, mudamos a gestão por completo, voltamos ao básico, avaliamos onde ganhávamos dinheiro, checamos onde estavam as oportunidades.


Esse tipo de gestão mais pró-ativa da Tarpon acaba fazendo com que controladores bastante receosos em perder o comando da empresa acabem se afastando de vocês?
A gente sempre se sentiu muito bem em todas as empresas que tivemos participação. Não somos o tipo de acionista que entra, chuta a porta e não avisa o que está fazendo. Interagimos com as pessoas da empresa antes de comprá-las, não somos esse investidor ativista no mau sentido da palavra. Por isso não sinto muito essa situação. Buscamos negócios em que, mesmo que não seja possível mudar nada, ele ainda dê certo.

É difícil trabalhar com um acionista controlador que vai querer estar para o resto da vida na empresa?
Esse é um conflito natural, mas nós também não temos data para sair ao contrário de outros fundos de private equity. A gente está em busca de oportunidades de compra para sempre - sem que isso signifique que eu vou estar lá para sempre. Vamos sempre avaliar outras oportunidades que, se forem melhores, vão me levar a um processo de desinvestimento. Às vezes um ótimo negócio também chega a tal ponto de maturação em que fica tudo precificado. Mas não sou um cara que pensa como vou sair daqui a três ou cinco anos sem um bom motivo. Todo o processo de entrada em um negócio é meio traumático. Você tem que aprender se aquela pessoa é da forma que você imaginou, se o negócio aguenta uma crise. Depois que você já está em uma empresa consolidada em que tudo está funcionando, é provável que não haja outro lugar melhor para colocar o dinheiro.

Como vocês separam os bons e os maus investimentos?
Em geral, temos entre 10 e 12 investimentos em nosso portfólio e entre 12 e 14 pessoas dedicadas a estudá-los. Sempre peço ao time para eles gastarem 80% do tempo avaliando os investimentos atuais e 20% pensando em novos investimentos. Queremos que as pessoas de nossa equipe, que estão dedicadas a no máximo dois negócios, tenham tempo para interagir com a empresa que recebeu o investimento, possam conhecer os planos e a estrutura mesmo que nós estejamos fora do conselho. Queremos saber quem é fornecedor da empresa, quem é o cliente, o que um ex-funcionário pensa, em quais mercados novos a companhia quer atuar, se esse mercado realmente existe.

Faz sentido realizar todo esse trabalho sem estar no conselho para tentar mudar alguma coisa?
Quando temos a representação formal via conselho, isso facilita a apresentação de sugestões. Por outro lado, quando a Tarpon ainda era pequena, cansamos de fazer apresentação para conselhos de companhias mostrando a nossa visão sobre a empresa. Eu, se fosse o dono da empresa, também gostaria que meu sócio viesse e dividisse opiniões comigo.

Você acha que 20% do tempo é suficiente para que o time de investimentos encontre boas oportunidades dentro das mais de 400 empresas da Bovespa?
Sim, primeiro porque nunca ficamos tristes por perder um negócio. E também porque nossos gestores estão há 15 ou 20 anos no mercado e acumularam um conhecimento ao longo do tempo. Não seria mentira eu falar que 100% das empresas "investíveis" estão no nosso radar, já foram ou estão sendo estudadas. Ao mesmo tempo, nós pensamos em poucas coisas simultaneamente. Não teria como olhar para os cem negócios de private equity disponíveis no Brasil.

Em geral, vocês não investem nas maiores empresas da bolsa. Por quê?
Até preferimos a maior empresa possível pois isso significa mais escala, mais recurso e mais liquidez. Mas nem sempre as coisas são assim. Em geral, têm mais gente olhando para essas empresas. Nossa capacidade de se destacar em relação aos outros investidores é menor. Então acabamos não tendo interesse. Ao mesmo tempo, o mercado valoriza demais a liquidez de uma empresa. Quando alguém não tem convicção de um investimento, a primeira preocupação é de poder sair no futuro se estiver enganado. A gente raciocina de forma contrária. Se está todo mundo de mau humor em relação a um negócio porque suas ações não têm liquidez, é ótimo porque tem menos gente olhando. Só que como sei que não vai ser fácil sair desse investimento, isso me força a não errar já na largada. Então precisamos estar concentrados nos poucos investimentos que realmente valem a pena e nos dão convicção de que teremos ganhos. É daí que virá o retorno acima da média. Quem é diversificado, não precisa se preocupar tanto com isso.

Em um dos prospectos da Tarpon, vocês dizem que procuram empresas com baixa liquidez, governança ruim e estrutura societária complexa para investir. Eu já li centenas de relatórios de analistas e nunca vi ninguém recomendar a compra de ações de uma empresa por qualquer um desses motivos. Por que a Tarpon pensa assim?
Queria eu dizer que inventamos essa filosofia de contramão. Os investidores mais ganhadores no longo prazo sempre foram esses caras que olham para o que o mercado não está olhando. O que pouca gente faz é distinguir o que é um bom negócio e o que é um bom investimento. São duas coisas que não estão necessariamente alinhadas. Tem excelentes negócios que são maus investimentos. O negócio ruim a gente vai evitar porque não tem a sustentação do negócio em si. Mas quanto mais difícil for entender o negócio, quanto mais sola de sapato precisar gastar e quanto mais desviado ele estiver da visão da manada, mais você vai ter a Tarpon interessada. Esse é o nosso DNA.


Essa estratégia só dá certo no longo prazo, né? Vocês precisam de tempo para obter um "turn around"...
Acreditamos muito mais no conceito do copo meio cheio ou copo meio vazio do que no conceito do "turn around". Uma coisa que falamos sempre é que "'turn around' por 'turn around', estamos fora". É muito difícil um negócio ruim vir a ser muito bom com o tempo. O mercado pensa o dia inteiro é na dinâmica do copo meio cheio ou meio vazio. Nosso papel é antecipar o que é uma visão distorcida da prática. Por sermos mais dedicados, temos a capacidade de antecipar o que vai levar um negócio a um resultado diferente do atual.

Que investimento da Tarpon foi vitorioso com essa estratégia?

O melhor exemplo que eu posso dar é o Pão de Açúcar. Nada nos últimos anos explica tão bem o que fazemos. Entramos entre 2007 e 2008. Desde 2002, essa era uma ação que não tinha saído do lugar mesmo com uma alta histórica da bolsa. O Pão de Açúcar fazia aquisições que não davam certo, a estrutura estava inchada, ninguém entendia a divisão de poder entre o Abilio Diniz e o Casino. Então ninguém queria saber do negócio, era o patinho feio do mercado. Nós vimos uma linha de tendência diferente, um mundo de poder aquisitivo maior, a formalização da economia brasileira, as estratégias de vários formatos de lojas e as aquisições bem feitas, como foi o caso do Assai. O Pão de Açúcar chegou a ser a principal posição do nosso fundo, com 25% da carteira. Na época era algo como 600 milhões de reais. Durante a crise, o Pão de Açúcar foi uma das únicas empresas cujas ações subiram. A empresa entregou, entrou em uma dinâmica vitoriosa, construiu um negócio imobiliário, avançou no comércio eletrônico. De 2007 para 2010, o Pão de Açúcar virou a princesa do mercado. Hoje todo o gestor fala bem deles. Na hora em que virou um senso comum do copo meio cheio, nós saímos fora. Agora a coisa já aconteceu. Temos humildade para reconhecer que a transformação do Pão de Açúcar teve muito pouco a ver com a gente. As coisas já estavam em marcha. Não ganhamos dinheiro por termos participado da mudança, mas por termos percebido antes que essa mudança viria.

A ação do Pão de Açúcar também subiu bastante por causa das aquisições do Ponto Frio e da Casas Bahia, o que era impossível de prever. Vocês também não tiveram bastante sorte?
Sorte faz parte do jogo. O Ponto Frio não estava na tese inicial, mas acabou sendo um negócio ótimo. A grande diferença da Tarpon é que saímos de um negócio quando a tese inicial se concretiza ou quando coisas que não havíamos previsto começam a acontecer. Não tem a ver com a subida ou a descida do valor de ações.

Dentro da Bolsa, só há outro fundo de investimentos com ações listadas, que é o GP. Daria para comparar o trabalho de vocês com o deles? Quais as principais diferenças entre os dois fundos?

São várias, e não gosto de falar dos outros, não tem certo nem errado no mercado. Mas a grande diferença é que o GP consolidou, ao longo do tempo, uma filosofia de promover mudanças nos negócios que é única no Brasil. Estamos longe de estar capacitados pra fazer isso. Então nos apoiamos mais naquela tese de investimento de conhecer a coisa na largada. Como nos sabemos incapazes de mudar um negócio, a pergunta que nos fazemos é: independente de a gente não fazer nada, isso ainda é um bom investimento ou não é? Tem outros gestores, e o GP é um deles, que mexem no negócio para que ele melhore. Nós estudamos, aprendemos, mas não contamos com nossa própria habilidade de gestão de negócios pra tomar uma decisão de investimentos.

Por conta dessa estratégia, a Tarpon acaba não levando a fama de ter ajudado no "turn around" de uma empresa, ao contrário do GP?

Nós não estamos no ramo de ter reputação. Quem nos conhece são aqueles que interessam, nossos sócios e investidores. Eles investem com a gente não porque somos bacanas ou famosos, mas por causa da boa filosofia de trabalho. Ganhamos mandatos de investimentos porque, entre 2002 a 2010, demos 35% ou 36% de retorno anual aos investidores. Quem investiu desde o começo, ganhou 12 vezes o valor aplicado. Mas temos a humildade de reconhecer que demos sorte em muita coisa que deu certo. Nos soluços do mercado também estávamos bem posicionados. Na última crise, por exemplo, acho que ninguém saiu mais preparado. Quando começou a história de "todo mundo vende tudo", foi a época mais feliz da nossa vida. Chegamos a investir, entre setembro de 2008 e fevereiro de 2009, mais de 1 bilhão de reais que estavam em caixa. Cremer, Hering e Marisa foram alguns dos maiores investimentos da nossa história. Muitos gestores tiveram resgate e nós tivemos aplicação. Ficamos até tristes de a crise ter passado tão rápido.


Qual é hoje o principal investimento da Tarpon?
A Brasil Foods. Temos entre 700 milhões e 800 milhões de reais aplicados na empresa. Nossa tese de investimento se sustenta em quatro ou cinco pontos. O primeiro é a escala da empresa. Estamos falando de alguém que compra 30% do milho no Brasil. Vai ser difícil replicar isso, apesar de concorrentes como o Marfrig estarem correndo atrás. Achamos que marca e distribuição são coisas que em geral não entram na conta do valor de uma empresa, mas que uma hora podem aparecer. A gente também acredita muito que a Sadia e a Perdigão serão capazes de capturar sinergias industriais e operacionais com a fusão, o que o mercado ainda não viu. Também temos uma visão mais positiva sobre a possibilidade de aprovação da fusão no Cade.

Quais são as outras grandes apostas?

A Marisa hoje é a segunda posição na carteira e a Hering também é forte.

Qual é a ideia da Marisa?

É a tese do varejo se consolidando no Brasil como ocorreu há algum tempo nos Estados Unidos. Na época em que fui a Miami pela primeira vez, comprava as coisas em qualquer lojinha pequena. Hoje, você compra em apenas um grande vendedor. Não é dois, é um só. As outras lojas todas faliram ou fundiram. O setor de varejo tem uma tendência para a consolidação e a formalização quando começa a acontecer uma competição desigual entre o cara que tem duas ou três lojinhas e o aquele que tem 200 ou 300. Quem é maior compra diferente, negocia diferente com shoppings, desenvolve bons sistemas A capacidade de grandes redes do varejo formal ganharem espaço sobre o varejo informal é muito grande.

Mas por que a Marisa e não outro varejista?

O caso da Marisa é interessante. Na crise, ela ficou largada. Fez um IPO [oferta inicial de ações] mal-entendido pelo mercado, que não compreendeu o lucro financeiro da companhia. Não foi uma empresa que nasceu de “parto natural” na bolsa, nasceu a fórceps mesmo. Entramos em contato com eles e percebemos um formato muito vencedor, exposto à classe econômica que interessa [a classe C], uma estratégia de expansão bem definida, uma obsessão por margens, um time sensacional no comando. Hoje nós fazemos parte do conselho. Entramos um pouco porque estava barato, mas trimestre após trimestre só nos surpreendemos com a performance. O próprio presidente da Marisa diz que nunca viu um varejo como estamos vendo hoje. Só que eles também estão ganhando mercado da concorrência. Enquanto o varejo cresce 6% ao ano, eles crescem 20%. O consumidor, quando sai da [rua] 25 de Março [o maior centro de comércio popular de São Paulo], vai para a Marisa. É uma marca forte com uma liderança em categorias rentáveis, como moda íntima.

E a Hering?
É outro caso de "turn around" muito bom. Enquanto o mercado tinha todo preconceito com a família controladora da Hering e a camisa branca, nós percebemos uma mudança. Muitas vezes os outros investidores da bolsa, os nossos concorrentes, têm 100 empresas para acompanhar, o cara está focado em Brasil, China, Rússia e índia. Ele pega um relatório da Hering, descobre que ela chegou a falir, e, em cinco minutos, desiste de tentar entendê-la. Então compramos 18% ou 19% do capital da Hering em um momento que a ação não tinha liquidez, negociava 500.000 reais por dia. Hoje esse papel negocia entre 5 milhões e 7 milhões de reais.

Por que vocês quase não compram commodities?
O nosso maior investimento foi a Acesita. Ganhamos muito dinheiro vendendo a empresa para a Mittal. Hoje gostamos de investir em comida. A Brasil Foods tem um componente de commodities no mercado externo que é bem relevante. Acho bem bacana a parte de commodities agrícolas, ligadas ao consumo. Não trabalhamos mais com o resto porque raciocinamos por margem de segurança. Quando investíamos na Acesita e na Gerdau, por exemplo, ficávamos imaginando que, se a China crescer, o mundo estiver bem e o preço do aço subir, isso justificaria o investimento. Mas o que eu gosto é quando o preço está atrativo mesmo se várias premissas derem errado. Hoje, se você faz uma aposta na OGX ou na Petrobras, tem que acreditar que o petróleo vai subir para mais de 100 dólares. Aqui em São Paulo eu não tenho bola de cristal pra saber se o preço vai subir ou não. Imagina como o resto do mundo é mais capaz de saber isso do que eu. A gente não gosta de investir em negócios que dependem de fatores que não controlamos.

É engraçado que a percepção do mercado em geral é de que investir em blue chips é menos arriscado...

É óbvio que uma empresa gigante tem liquidez, você sai quando quiser e a chance de ter stress é muito menor. Mas se há menos risco percebido, menor é o retorno. Do outro lado, tem coisas ilíquidas, com um stress até maior se você precisar sair, mas o risco intrínseco do negócio é muito menor. Em 2008, você ia à loja do Pão de Açúcar e as vendas estavam normais. A chance daquele negócio micar é muito baixa. Eu quero negócio de baixo risco, não investimento de baixo risco.

Na área de private equity, qual o maior investimento de vocês?
Temos a Arezzo, a Omega [de energia] e a ETH Brenco [de etanol]. A Arezzo é um caso sensacional que ainda vai dar muito o que falar. Acho que, entre elas, é a que está melhor posicionada para chegar à bolsa. Mas é difícil dizer porque também não sei que bicho vai dar a ETH Brenco [resultado da recente fusão entre a ETH e a Brenco e que, segundo especulações de mercado, pode atrair a Petrobras como sócia].


Você acha que a Brenco foi o maior erro de vocês?
Já erramos feio igual, mas a Brenco foi o erro que deu mais trabalho.

O que aconteceu? Foi o momento errado?
Foi a tese errada no momento errado. Pode ser até que dê certo, mas a gente, como investidor, meio que se lascou. Mas o aprendizado foi muito grande. Aprendemos que não podemos deixar que um projeto em que já investimos não aconteça. Agora temos um negócio que existe e vai viver [a Brenco teve dificuldades para captar os recursos necessários para a conclusão de algumas usinas]. Mas tivemos que tomar uma providência. O BNDES e o [fundo ] Ashmore [outro sócio] foram muito importantes nisso. Eu acho que hoje o cenário melhorou. Outro de nossos aprendizados é que nesses setores cíclicos é necessário ter um respeito diferente. Quando vem a maré baixa, não dá para achar que você é um investidor horrível e, quando vem a maré alta, é um gênio. Essa é outra razão para privilegiarmos o Pão de Açúcar, que não tem ciclos.

Como a Tarpon capta novos clientes?
O mais importante é que pensamos nos investidores como sócios. Ao longo da história da Tarpon, tentamos deixar de lado o cotista comum, que compra uma cota do fundo e toma a decisão de sair dependendo do mercado. Nossos investidores precisam ter um horizonte de longo prazo. A Tarpon tem 20% dos 2,5 bilhões de dólares que estão sob nossa gestão. Esse é um dinheiro que não sai mais do fundo. O maior trabalho foi mapear quem pensava igual a nós. Nada dos recursos vieram de alocadores, intermediários ou bancos. Foi trabalho de formiguinha. Na média, cada conversa com cliente leva dois anos pra dar resultado. Então não faz sentido se o cara vier para o fundo e não ficar conosco ao menos outros dois ou três anos. Se amanhã aparecer alguém falando que quer colocar 100 milhões na Tarpon, a probabilidade de falarmos não é muito alta. Queremos essa triagem, esse tempo longo para conhecermos o investidor e para ele nos conhecer. Uma coisa que poucos gestores têm é a intimidade com os investidores. Os clientes que realmente contribuem para o fundo são menos de cem. Eles se sentem à vontade com a gente, aí falam bem de nós pra outro investidor.

Recentemente a Tarpon divulgou um acordo com fundos canadenses da Província de Alberta que se tornaram o maior cliente individual. Como foi o contato com eles?

Eles não eram clientes antigos, mas nos conheceram por meio de outros investidores canadenses que estão há muito tempo conosco. Eles desenharam essa captação de 250 milhões de dólares para eles, mas, porque estavam tão alinhados com a gente, quiseram colocar todo o dinheiro em um negócio que a gente escolher. O dinheiro está à disposição para, quando enxergarmos uma grande oportunidade, eles entrarem junto.

Sobre própria a ação da Tarpon em bolsa, por que você acha que ela não tem liquidez? Por que o valor de mercado da empresa é menor do que os dos investimentos que você têm dentro do fundo?
Eu acho que em casa de ferreiro, o espeto é de pau (risos). O mais importante que eu posso falar, e isso é uma informação pública, é que nos últimos seis meses os compradores mais consistentes das ações da nossa empresa somos nós mesmos. É óbvio que a ação é pouco líquida porque a empresa é pequena. As pessoas têm alguma dificuldade em entender o nosso negócio por mais que a gente ache fácil. As pessoas têm dificuldade em avaliar quanto vale os investimentos que a gente têm, quanto vale nossa relação com os investidores, qual o fluxo da taxa de administração... É um bom exemplo do que a gente faz na vida. Pouquíssima gente presta atenção na nossa ação, faz conta e tenta entender.

Se vocês tivessem chegado à bolsa com o tamanho de hoje, teria sido diferente?
Não sei dizer, mas talvez houvesse mais visibilidade. Mas duas coisas foram importantes em nosso IPO. Agora temos capital próprio para chegar no investidor e dizer que somos cotistas grandes do nosso fundo, e não só gestores. A segunda coisa é que os processos funcionam. Por mais que seja uma empresa de 40 pessoas, quando algum investidor vem nos visitar, ele percebe que há organização por trás disso tudo pelos processos, sistemas e recursos que temos.

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