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Na crise do vestuário, quem ganha é o consumidor

Enquanto a indústria têxtil sofre com falta de competitividade, varejistas enxugam operações e importam da Ásia para driblar a queda do consumo

Empurrões, filas em provadores e sacolas lotadas passam ao consumidor a nítida impressão de que nunca se vendeu tanto no varejo de roupas, acessórios e calçados (Getty Images)

Empurrões, filas em provadores e sacolas lotadas passam ao consumidor a nítida impressão de que nunca se vendeu tanto no varejo de roupas, acessórios e calçados (Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 30 de dezembro de 2011 às 15h52.

Quando se caminha por shopping centers e ruas comerciais no Brasil, não há qualquer indício de que as lojas de vestuário estejam passando por um período complicado. Empurrões, filas em provadores e sacolas lotadas passam ao consumidor a nítida impressão de que nunca se vendeu tanto no varejo de roupas, acessórios e calçados.

No entanto, 2011 não foi o melhor ano para o setor. Apesar da facilidade de parcelamento, do aumento da renda da população e do recorde na geração de empregos no país, o varejo têxtil acumula crescimento de 4,5% nos primeiros dez meses do ano, ante uma alta de 10,9% no mesmo período de 2010, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Apenas em outubro, as vendas do setor recuaram 2,2% na comparação com o mesmo período do ano passado.

Um aumento de 4,5% pode parecer suficiente, sobretudo no ano em que o Produto Interno Bruto (PIB) dificilmente crescerá mais de 3%. Contudo, o contexto econômico para o vestuário não foi desfavorável em 2011 – sobretudo devido à queda do preço do algodão. Em 2010, a commodity havia subido mais de 100%, mas voltou ao mesmo patamar de 2009 no segundo trimestre deste ano, mantendo-se estável até dezembro. Parte dessa alta foi absorvida pelos consumidores no início deste ano, quando o país dava sinais de superaquecimento - e não de crise. Já a renda das famílias se manteve estável em relação a 2010, com uma leve alta de 0,7% na comparação entre novembro deste ano e do ano passado, criando um ambiente para que o consumo se mantivesse estável.

Os fatores negativos começaram a exercer influência apenas no segundo semestre: a valorização do dólar a partir de agosto impactou os custos de importação de tecidos e manufaturados; e a queda inesperada do consumo das famílias no terceiro trimestre – a primeira verificada no período desde 2008 - afetou a demanda. “O mercado acabou criando a expectativa de que 2011 seria um ano muito próspero. O ser humano se acostuma com coisas boas”, afirma Ulrich Kuhn, presidente do Sintex, o sindicato que representa as empresas têxteis de Blumenau e região – o principal polo têxtil do país. Contudo, na avaliação de Kuhn, o endividamento da população e a redução do crédito acabaram sacrificando as compras de vestuário e calçados.

Os efeitos dessa queda foram sentidos em todos os pontos da cadeia produtiva e no varejo. Para reduzir custos, as importações têxteis aumentaram 25% no ano, sendo a China o principal fornecedor. Com isso, a balança comercial do setor deverá encerrar 2011 com déficit de 4,8 bilhões de dólares, segundo estimativas da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit). Ainda segundo a entidade, a indústria têxtil demitiu cerca de 15 mil pessoas ao longo de 2011.


A desaceleração na indústria e no varejo, na avaliação do analista Renato Prado, do Banco Fator, era previsível e reflete o desaquecimento ocorrido em todos os setores da economia. “Os resultados desaceleraram de forma saudável no terceiro trimestre, como era esperado. Não houve nenhum solavanco. E no quarto trimestre não deverá ser muito diferente”, afirma. Contudo, os varejistas do setor não compartilham da mesma tranquilidade. No início do mês, a Marisa cortou 239 funcionários, alegando “readequação” de sua estrutura para assegurar o crescimento e maior eficiência em 2012. No mercado, há rumores de que a C&A seja a próxima a demitir – informação que foi negada pela empresa.

Mais promessas do governo para a indústria - Para estimular a indústria têxtil brasileira – que responde por cerca de 16% da geração de empregos da indústria de transformação do país – o ministro da Fazenda Guido Mantega afirmou na última terça-feira que mudará o regime de tributação dos produtos vindos do exterior. Segundo o ministro, a atual cobrança “ad valorem” (um percentual sobre o valor do produto importado) será substituída pela alíquota “ad rem”. Ela consiste no pagamento de um valor absoluto, em dinheiro, sobre o volume total trazido do exterior. A proposta será apresentada à Organização Mundial do Comércio (OMC), com a alegação de Mantega de que, sob o regime “ad rem”, as importações têxteis estarão menos sujeitas ao subfaturamento. "Esse argumento do ministro foi muito infeliz, pois subfaturamento é crime", afirma Kuhn, do Sinditex.

Ainda que o governo esteja se movimentando para tornar o setor mais competitivo, a indústria parece descrente. “Só agora eles falam em estímulo para o setor, mas o meu medo é de que seja tarde demais”, afirma a diretora de uma importante indústria têxtil de Santa Catarina, e que preferiu não ter seu nome citado. Segundo a empresária, o governo passou a olhar para o setor têxtil porque viu a ameaça de desemprego bater à porta. “Eles sempre deram mais incentivo para setores com alto volume de arrecadação, como mineração e energia. Agora que estão vendo o emprego ser afetado, começaram a olhar para o setor têxtil”, diz.

Em agosto deste ano, foi lançada a nova política industrial do governo, o Plano Brasil Maior, com o objetivo de desonerar a indústria nacional e torná-la mais competitiva. Os efeitos, segundo Ulrich Kuhn, do Sintex, ainda não foram sentidos. “O governo prometeu muito quando criou o Brasil Maior, que foi um plano que gerou frustração. E frustração gera pessimismo”, afirma.

A redução tributária, porém, não bastará para que a indústria têxtil consiga competir com os gigantes asiáticos – muitas vezes subsidiados por seus próprios governos. Na avaliação do consultor de varejo Sylvio Mandel, as importações são necessárias porque suprem a pouca diversidade de tecidos produzidos no Brasil. “Nós não temos indústria que produza o suficiente para suprir a demanda por linho, seda e tecidos sintéticos”, afirma. No Brasil, a produção consiste, em grande parte, em denim e malha de algodão.

Guerra de preços – Tantos percalços na indústria e no varejo poderão resultar em preços menores ao consumidor. A desaceleração da inflação do vestuário também já começa a ser notada - ainda que continue alta, a 7,42% no acumulado do ano. De acordo com a composição do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de novembro, a inflação do grupo Vestuário vem desacelerando a partir do segundo semestre - apenas em novembro, passou de 0,74% para 0,58%. “Num cenário não otimista, a competitividade aumenta. E isso cria espaço para uma briga de preços no varejo que acaba beneficiando o consumidor. Eu não acho que 2012 será um ano ruim, mas será, sim, muito competitivo”, afirma Kuhn.

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