Falência: é possível se preparar para alguns problemas já vivenciados por diversos outros empreendedores (Thinkstock/Thinkstock)
Anderson Figo
Publicado em 20 de fevereiro de 2018 às 11h50.
Foi a crônica de uma morte anunciada, parafraseando o livro de Gabriel Garcia Marquez. A empresa de fomento mercantil, ou factoring, Maximus Digital, que havia assumido os negócios da Alcateia Investimentos e seus 50 mil investidores, anunciou hoje que está desfazendo o negócio e encerrando as atividades.
Em comunicado em seu site, a Maximus diz que gastou R$ 4,5 milhões de seu capital próprio para sustentar a operação, mas “em virtude do descumprimento das cláusulas contratuais por parte da Alcateia Investimentos”, a única alternativa viável foi processar a Alcateia e encerrar as atividades. A empresa não informou qual o valor total devido aos investidores.
A Maximus, cuja sede seria em Belo Horizonte, diz ainda que, “a fim de manter a transparência e a lisura que sempre marcaram a conduta desta instituição”, informava o número da ação de rescisão contra a Alcateia, na 3ª Vara Cível do Foro Regional de Santana, em São Paulo, sob número 1003566-10 2018.8.26.0001. E que todas as demais ações serão informadas aos investidores que ainda têm saldo a receber.
A Máximus diz ainda que, “como demonstração de boa fé”, deixou à disposição do Poder Judiciário “imóvel constituído de 50 lotes, avaliados em R$ 90.000,00 cada, no Estado de Minas Gerais, em fase de averbação”. A nota não diz em que cidade estão os lotes, que teriam um valor estimado de R$ 4,5 milhões pelo que afirma a empresa.
A nota termina pedindo “escusas” a todos que “acreditaram em nosso projeto”, e que “infelizmente sem o repasse dos fundos provenientes da carteira de clientes originários da Alcateia Investimentos é inviável a manutenção das atividades”.
Investidores já vinham há cerca de um mês reclamando em redes sociais da dificuldade em receber os valores aplicados e o descumprimento de promessas de pagamento. Alguns visitaram a sede da Maximus em Belo Horizonte, mas foram informados que ninguém aparecia por lá há algumas semanas. Os gerentes responsáveis pelas contas deixaram de atender os telefonemas e e-mails e a Maximus parou de responder às reclamações no site Reclame Aqui. Era um sinal do fim do jogo.
É o fim de uma novela que começou há dois anos, e que entrou no radar da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em abril do ano passado, quando a autarquia divulgou um alerta ao mercado sobre a Alcateia Investimentos, que se autodenominava um grupo de investimentos e prometia rendimentos de 0,01% a 2% ao dia. Na ocasião, a Alcateia foi assunto de reportagem do portal Arena do Pavini, chamando a atenção para os absurdos do esquema.
Os ganhos, segundo o site da Alcateia, eram obtidos em investimentos “day trade” (nome dado a operações iniciadas e encerradas no mesmo dia) diversificados, em mercados tão distintos como ações, opções, Forex (moedas no exterior, atividade não permitida pela CVM), criptomoedas (Bitcoins), ações estrangeiras e outros não especificados. Se cumprida apenas em parte a promessa da Alcateia, com um ganho médio de 1% ao dia, o investidor teria um retorno de 22% em um mês de 20 dias úteis, ou 987% ao ano, em um momento em que os juros estavam em 11,25% ao ano. Ou seja, o equivalente a 25 anos de aplicação. Tudo isso sem risco de perdas, graças a um robô que antecipava os movimentos de todos os mercados, e ainda por cima sem tarifas ou taxas.
A CVM alertou o mercado pela Deliberação CVM 766 que o Grupo de Investimentos Alcateia e seu sócio Regis Cristiano Leite não estavam autorizados a exercer a atividade de administração de carteiras e distribuição de valores mobiliários por não possuírem autorização do órgão regulador. Apesar dos alertas e da multa diária de R$ 5 mil, a empresa continuou captando investidores com aplicação a partir de R$ 99,00. Até uma bailarina do Domingão do Faustão, Tainá Grando, chegou a aparecer fazendo propaganda da Alcateia, afirmando que a aplicação “rendia 10 vezes mais que a poupança”, sem tarifas ou taxas.
O esquema tinha gerentes responsáveis pelas contas, os Lobos Alfa, que incentivavam os investidores a trazer novos participantes para a Alcatéia e assim ganhar uma “comissão”, num claro movimento de pirâmide financeira. Havia o “lobo pai”, que era estimulado a trazer outros parentes, ou lobinhos, incluindo filhos, netos e bisnetos (a partir da quarta geração, a filiação à matilha já era proibida).
A empresa não divulgava onde o dinheiro era aplicado, nem em que mercados operava, nem as corretoras ou bancos onde tinha operações, alegando “sigilo”. O mesmo sigilo era usado para não informar onde ficava a sede da empresa, como convém a todo bom covil de lobos, bem como não divulgava seu telefone de contato, mas dizia que em breve estaria inaugurando uma sede em Porto Alegre. O único meio de contato era por meio dos Lobos Alfa, que agora estão desaparecidos.
Como era de se esperar, o esquema começou a desmoronar no fim do ano passado, com atrasos nos pagamentos dos resgates à medida que a captura de novos “lobinhos” se tornava mais difícil. Foi então que, surpreendentemente, em outubro do ano passado, surgiu a Máximus Digital, uma empresa de factoring, ou seja, compra de faturamento, e que também ofertava irregularmente aplicações ao público com lastro em fomento mercantil.
Em um comunicado conjunto, a Alcateia anunciou que estava transferindo seus clientes para a Maximus Digital e esta informou que a migração de sistema de clientes terminaria em 30 de outubro deste ano. “O que significa dizer que os saques estarão indisponíveis de 24/10/2017, terça-feira, a partir das 15h, com retomada programada para dia 01/11/2017, quarta-feira, às 15h”, dizia o comunicado, que celebrava a união e era assinado pelo presidente da Alcateia, Regis Cristiano Leite, e pelo Chief Executive Officer (CEO) da Máximus, Luiz Fernando Correa. Já na ocasião, vários investidores começaram a reclamar de dificuldades em acessar suas contas e do não pagamento de resgates.
De lá para cá, a Maximus fez vários esforços para tentar captar novos investidores e ampliar as aplicações dos atuais, com sorteios e promoções. Mas, já em 17 de dezembro, divulgou um comunicado informando que enfrentava dificuldades, pois a empresa responsável pelos pagamentos da Alcateia, a Pagbem Pagamentos, não teria dado conta de processar os saques, que saltaram de 200 a 500 por dia para 2.500.
“Pois bem, a Pagbem Pagamentos não honrou o compromisso de liquidação dos clientes e começou uma bola de neve”, disse a Máximus em comunicado. A empresa se queixava ainda que vários clientes estavam reclamando em redes sociais “por valores irrisórios, como se a Maximus Digital não possuísse capacidade de liquidar tais solicitações.”
Junto com as explicações para não pagar os resgates, a Maximus divulgou um novo sistema de remuneração, substituindo o ganho de até 2% ao dia por uma “atualização monetária de 1% sob (sic) o valor de todas as solicitações de saque pendentes no sistema em atraso”, sem informar a periodicidade da taxa. Além disso, ofereceu aos investidores da Alcateia a opção de se associar a Máximus, com um ganho de 0,01% ao dia composto, equivalentes ao “dobro do que uma caderneta de poupança alcança”.
As reclamações de dificuldades em resgatar os recursos aumentaram em sites como o Reclame Aqui e nas redes sociais e grupos começaram a ser formados para acionar a Maximus na Justiça. Agora, restará aos 50 mil investidores tentar recuperar ao menos parte do dinheiro investido por meio de ações judiciais. Mas com poucas chances de sucesso.
Este conteúdo foi originalmente publicado na Arena do Pavini.