Ricardo Campos participou do time de gestão de fundos da Hedging-Griffo com Luis Stuhlberger (Reach Capital/Divulgação)
Marília Almeida
Publicado em 5 de novembro de 2019 às 09h00.
Última atualização em 7 de novembro de 2019 às 15h34.
São Paulo — Com a Selic em 5% ao ano, a mínima histórica, o investidor conservador se vê cada vez mais sem saída. O jeito é diversificar aplicações e encarar mais risco.
Mas, diante de uma economia ainda em recuperação no Brasil e um cenário global incerto, o mercado de ações é de fato uma alternativa segura? O gestor Ricardo Campos, da Reach Capital, está otimista, apesar de fazer as devidas ressalvas. O que não dá, segundo ele, é para o investidor continuar onde está.
Administrador de Empresas pela FGV-SP, Mestre em Matemática pela USP e Mestre em Economia e Gestão Empresarial pela FGV-SP, Ricardo iniciou sua carreira no Banco Salomon Brothers em 1997 e em 1998 se juntou ao time de gestão de fundos da Hedging-Griffo com Luis Stuhlberger. Na gestão foi corresponsável pela parte de derivativos do Fundo Verde e gestor dos fundos de Renda Fixa, Cambiais, Fundos de Investimento no Exterior e Ações Referenciado.
Em 2013 fundou a Mogno Capital com ex-sócios da Hedging-Griffo. Em 2017, a Mogno foi cindida e Ricardo passou a presidir a nova gestora oriunda do processo, a Reach Capital. A gestora tem três fundos: um de Ações, outro de Multimercados e, o mais recente, de Previdência. No total, Campos já administrou mais de 1,5 bilhão de reais.
Veja abaixo a entrevista concedida pelo gestor de fundos à EXAME:
Devemos fazer a ressalva de que é esperado que na última reunião do Copom do ano a taxa caia mais 0,5 ponto porcentual e começa-se a discutir um ou dois cortes de 0,25% no ano que vem. Portanto, estamos falando em uma Selic entre 4% e 4,5%. Alguns bancos já apontam para uma taxa básica de juros de 3,75% ao ano.
Agora retire a alíquota de 15% do Imposto de renda que recai sobre o investimento de 4,25% ao ano: sobram 3,6%, sendo que a meta para a inflação nos próximos 12 meses é de 4%. Virou "perda fixa".
Estou projetando uma taxa de inflação média, que considera apenas gastos com cesta básica, passagens de ônibus, entre outros. A alta dos preços é maior do que 4% para o brasileiro de classe média, que tem dinheiro investido, que também sofre com a alta do plano de saúde, dos preços de passagens aéreas, restaurantes mais caros. No cliente private essa perda é muito nítida.
Vemos pessoas bastante assustadas com esse cenário. Apesar dele estar constituído no mundo todo há bastante tempo, aqui no Brasil as pessoas o vivem pela primeira vez. Durante 25 anos, desde 1994, os rentistas não se preocupavam com retornos financeiros, mas em ter uma fonte de renda extra, que daria a ele um determinado valor por mês.
Temos de desmistificar o risco. O investidor pensa que vai investir sem risco e investe no CDI. Atualmente a bolsa tem risco de volatilidade no curto prazo e segurança de uma boa remuneração no longo prazo. Já a renda fixa não tem risco no curto prazo, mas ao investir na modalidade há o risco de não se ter uma remuneração adequada de capital no longo prazo
Além disso, investir em CDI é comprar um título do governo que tem 80% de dívida de tudo o que produz e que está crescendo muito pouco até agora. Eventualmente, se esse governo dá errado, nossa dívida é toda interna e é óbvio que todo mundo sairá perdendo.
Nesse caso o governo deixará a inflação andar, continuará recebendo 4% a 5% de juros nos títulos, enquanto a inflação será de 8% ou 9%. Ou seja, o governo resolve o problema dele, mas no pior cenário a perda nos títulos aumenta.
Nesse mesmo cenário, as empresas que estão na bolsa reajustam os preços de seus produtos e serviços de acordo com a inflação. Apesar de sofrerem, ainda podem ter um belo retorno. Desde 1960 o retorno médio das ações em dólar foi de 12% ao ano, passando por todas as moratórias, golpes, inflações, planos, etc.
Estou vendo muita gente comprar debêntures, CRIs, CRAs: títulos incentivados governo, além de fundos imobiliários, que se relacionam mais com o histórico de investimento do brasileiro. Mas o investidor vai ter de ir para a bolsa também.
O investimento médio na bolsa é muito baixo. São 5 trilhões de reais depositados em fundos, e do volume total 10% estão em fundos de ações. Ou seja, 500 bilhões de reais. Se apenas 5% desse volume total migrar para fundos de ações, o mercado vai crescer 50%. Isso irá causar um problema: vão faltar ativos e os preços vão subir.
Quando a bolsa chegar a 150 mil o investidor ficará louco para comprar, mas ele esquece que quem compra antes compra mais barato.
Nos Estados Unidos, o melhor ponto para comprar ações era no meio da crise de 2008, quando todas as empresas estavam quebradas, havia a crise do subprime. O índice chegou a 3 mil e parou e agora todo mundo pensa: a bolsa americana vai cair. Mas em 2008 eram apenas 600 pontos: multiplicou por 5.
São ciclos. Temos de olhar para o longo prazo. Não se compra ação boa ou ruim. Elas vão subir, cair, mas é no longo prazo que os fundamentos transparecem. O ideal é escolher boas empresas, e um gestor pode ajudar.
Não quando olhamos para diversos índices. Um deles é o price earning, que calcula quanto tempo levará para eu receber lucro no papel da empresa. Por exemplo, demora 10 anos para eu receber os 100 reais que paguei. Hoje, esse índice, retirando Petrobras e Vale, está sendo negociado a 13 para o próximo ano na bolsa brasileira. É a média de 2007 até hoje.
Esse índice estaria "caro" se batesse em 15, 16, 17. Lógico que, dentro desse índice, há empresas com múltiplos mais altos, como as de varejo, e outras com múltiplos menores, como as do setor de commodities. Com um pé no forno e outro na geladeira, a temperatura geral do corpo fica boa. Ainda assim não é um múltiplo caro. É um pouco mais alto do que o que seria considerado normal. Há espaço para crescer.
Já o earning yield, que compara o quanto se ganha de retorno na bolsa em relação à renda fixa, está no nível mais alto, ou seja, mais propício para investir, desde 2010. Em 2008, a bolsa estava em 45 mil pontos. Hoje se pegarmos 110 mil dividido por 4 dá 27,5 em dólar. Ou seja, pelo menos na visão do gringo ela está barata. Isso traz dinheiro.
Mesmo em reais, considerando que a inflação no Brasil bateu recordes em 2008, 2010, nos 130 mil ainda tem índice 8, sendo que o capital investido do Itaú é muito maior do que naquele período, a Petrobras explora muito mais barris por dia. Todas as empresas cresceram muito.
Na minha visão o Brasil está em um ciclo muito favorável, e os juros baixos ajudam a bolsa de diversas formas.
O valor futuro de qualquer investimento é o fluxo de todos os retornos trazidos a valor presente. Juros menores trazem mais valor. Agora, investidores de renda fixa começam a comprar bolsa, o que também valoriza os papéis.
Além disso, uma série de projetos que não eram viáveis com juros altos, em segmentos como os de construção e saneamento, agora passam a fazer sentido. No caso de compras parceladas, juros menores permitem que mais consumidores consigam adquirir um bem ou serviço.
Outro efeito que ajuda a bolsa é a falta de concorrência. Como a economia andou mal nos últimos anos, e até hoje não está aquela maravilha, surgiram poucos concorrentes para as empresas nacionais, seja porque não valia a pena montar novas empresas, já que as que haviam estavam com uma capacidade ociosa enorme, como também muitas faliram ou encararam uma recuperação judicial.
Como consequência, as empresas que sobreviveram à crise se tornaram mais eficientes. Cortar o cafezinho, ir para um escritório que tenha um aluguel mais barato ou cortar motorista dos diretores é algo bem mais difícil de se fazer em momentos de bonança. Na crise, se consegue. Agora, essas empresas estão mais eficientes para participarem de um novo ciclo de crescimento.
Por fim, a mão de obra ainda está barata, já que o desemprego continua alta. Isso não é legal para o país, vai mudar com o crescimento, mas antes que isso aconteça isso é bom para as empresas após anos de reajustes de salários acima da inflação.
Estamos sem crescer há muito tempo, e estão sendo colocadas em pauta diversas reformas. A PEC do Teto. a Reforma Trabalhista, a MP da Liberdade Econômica, a Reforma da Previdência e um programa consistente de privatizações devem trazer resultados interessantes.
O resultado não aparece de uma hora pra outra: demora-se um tempo para se sentir o efeito da queda dos juros, de 6 a 9 meses, Estamos começando a sentir agora.
O que vemos são sinais de retomada bons, mas ainda modestos. O setor de construção, que é intensivo em mão de obra, deve crescer em 2019 após anos de declínio. O financiamento indexado ao IPCA deve ajudar.
A inadimplência está em níveis baixos, a produção industrial cresceu 0,8% em agosto, um pouco melhor do que a expectativa do mercado. As vendas do varejo cresceram 4,8% ano a ano em termos reais, com ajuda da liberação do FGTS. Além disso, os níveis de confiança do consumidor estão bons.
O CAGED mostrou que 157 mil novas posições foram criadas, número melhor do que a expectativa. Mas em geral o nível de desemprego se manteve porque apesar da criação de vagas mais gente começa a procurar emprego quando sente que a economia está retomando, o que dá um efeito estatístico ruim.
O PIB não teve um crescimento tão bom porque fomos muito impactados pela Argentina, e o mundo cresceu bem menos do que o esperado.
No cenário global, o risco está se concretizando. O ano de 2020 será difícil para o mundo. Há a crise na Alemanha, o Brexit inglês, a economia japonesa com resultados piores do que o esperado, e a China que escapa da crise graças a injeções de capitais em sua economia, que acontecem em um país já bem alavancado. Além disso, a guerra comercial está abrindo espaço apenas para um primeiro acordo, que ainda está longe de solucionar o problema.
Hoje um terço da renda fixa no mundo já está com juros negativos. Mas isso talvez seja um dos motivos pelo qual nossa taxa de juros e inflação estão baixas: o mundo está ruim.