Financiamento sem juros do Peugeot 207: Conar pediu modificação da propaganda (.)
Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h48.
São Paulo - Banco de couro, financiamento com juros zero, tanque cheio e IPVA grátis. Vale tudo para fisgar o cliente interessado em comprar o carro novo. A bem da verdade, até aqueles que não planejam colocar os pés na concessionária cedem à tentação e se convencem da urgência de aproveitar as promoções. Especialistas esclarecem, no entanto, que a enxurrada de ofertas que inunda o mercado pode não passar de um velho truque de marketing. E que por trás da magia de descontos e presentes, se esconde um conhecido personagem das compras a prazo: os juros embutidos.
Décio Carbonari de Almeida, presidente da Associação Nacional das Empresas Financeiras das Montadoras (Anef), é taxativo quando o assunto é o preço dos carros parcelados. "Sempre existiu alguma forma de incentivo de vendas, criatividade é o que não falta. Mas a verdade é que nenhum banco trabalha com taxa zero", admite. A instituição financeira paga juros pela captação de recursos no mercado e, como naturalmente intenta aumentar a margem de rentabilidade, repassa - e aumenta - esse custo para emprestar dinheiro ao consumidor.
Tanto que no Brasil os juros médios para a compra de veículos são os maiores entre os principais mercados mundiais, segundo estudo da consultoria Roland Berger. Para tirar a prova, basta saber qual será o desconto obtido à vista na compra de um carro que poderia ser financiado com custo zero. Ou ainda o valor final do automóvel dispensados os adicionais grátis prometidos pela concessionária. Se o vendedor sinalizar a possibilidade de negociação, a diferença de preços alcançada representará os juros escondidos.
Héssia Costilla, economista da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (ProTeste), alerta que as propagandas de carro devem informar não apenas as taxas de juros cobradas no financiamento mas também o Custo Efetivo Total da operação. Encontrado em letras miúdas no rodapé dos anúncios, o CET, como é chamado, é um percentual que inclui todas as tarifas, despesas e tributos cobrados pela financeira anualmente. "A propaganda de juros zero atrai a atenção de qualquer um. Mas é importante frisar que ela não implica em gasto zero. O CET reflete o custo real que a pessoa terá, podendo ser mais caro que o usual para compensar a ausência de juros", afirma Costilla.
No ano passado, a ProTeste fez uma patrulha na internet para identificar irregularidades nas peças publicitárias que se apoiavam no mote dos juros zero. Depois de um imbróglio que se arrastou por seis meses, o Conar (Conselho de Autorregulamentação Publicitária) acatou o recurso que pedia a alteração das propagandas da Citroën e Peugeot, alegando que as empresas induziam o consumidor a acreditar que o financiamento era isento de custos.
Os CETs divulgados para o financiamento dos carros C4 Pallas Flex, Grand C4 Picasso e Xsara Picasso não consideraram a Taxa de Abertura de Crédito (TAC) de 888 reais, maquiando o custo total da operação. Por sua vez, a propaganda do Peugeot 207 não mostrava qualquer outra informação que não a possibilidade de parcelamento sem juros. A simulação da compra, entretanto, revelou a existência de CET de 15,5% ao ano.
A exceção à regra
Em algumas situações específicas, as montadoras subsidiam os juros para desovar seus estoques e girar o capital. Isso acontece, por exemplo, quando os pátios estão abarrotados de carros. Seja por uma forte retração nas vendas ou pela necessidade de escoar carros na transição entre modelos, o interesse é em vender logo os veículos remanescentes. Para dar respaldo às promoções, as montadoras podem bancar os subsídios com o próprio bolso ou mesmo captar recursos no exterior. A prática permite a obtenção de dinheiro com juros menores, possibilitando um repasse mais modesto para os clientes finais.
Segundo dados registrados nos últimos seis anos pela Anef, a média de juros cobrados pelos bancos das montadoras vem mantendo uma pequena - porém regular - distância do mercado em geral. Em 2009, estas instituições cobraram uma média de 1,42% ao mês para o financiamento, ao passo que a taxa do mercado ficou em 1,9%. A margem pode parecer pequena, mas garante uma diferença de quase 7% ao longo do ano. "Para o cliente, só há taxa zero quando a fábrica resolve pagar os juros para os bancos", diz Décio Carbonari de Almeida. De qualquer forma, a condição é observada em pouquíssimos casos: geralmente na oferta de carros mais caros, adquiridos com 50% de entrada e parcelados em no máximo 24 meses.
É, portanto, uma estratégia para atrair o cliente que a princípio poderia comprar o carro à vista, mas passa a considerar a possibilidade de dividir os gastos pagando a mesma quantia pelo bem. Considerando que a média de parcelamento dos financiamentos no Brasil é de 42 meses, não é difícil constatar que a oferta não contempla exatamente o consumidor que mais precisa de iniciativas desta natureza. "Via de regra, o financiamento é uma ferramenta que viabiliza o negócio para o cliente que não tem renda suficiente para realizar um sonho sem pagar juros por ele", afirma Sílvio Paixão, professor da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi).
Para Miguel Ribeiro de Oliveira, economista da Anefac (Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade), as concessionárias têm muito interesse nas vendas parceladas porque embolsam, além do ganho com a operação, uma comissão paga pelo banco utilizado no financiamento. "Quanto maior o prazo acordado, maiores serão os juros para o cliente e o bônus para as empresas", ressalta. Por isso, aqueles que não precisam do carro com urgência podem economizar e investir em um fundo de renda fixa, por exemplo, antes de colocarem as mãos atrás do volante. "Quanto maior for o montante disponível para a entrada, mais vantajosa será a compra", finaliza.