(Germano Lüders/Exame)
Marília Almeida
Publicado em 11 de dezembro de 2020 às 06h00.
Última atualização em 11 de dezembro de 2020 às 08h56.
A gestora Dahlia Capital surfou bem a crise do coronavírus. As cotas de seu fundo Global Allocation, que investe em ações, renda fixa, commodities e moedas nos Estados Unidos, no Brasil e em outros países, valorizaram-se 28% no acumulado do ano. Para a sócia-fundadora e gestora Sara Delfim, os juros na mínima histórica obrigaram investidores brasileiros a diversificar a carteira e a começar a aplicar lá fora. A estratégia entregou retorno maior. O fundo multimercado nacional da Dahlia, o Total Return, com fração limitada de ativos no exterior, valorizou-se no mesmo período a metade do Global: 13%.
A aplicação mínima inicial no fundo é de 1 mil reais. Mas, por investir mais de 67% de seus ativos no exterior, o fundo é voltado para investidores qualificados, ou seja, que possuem mais de 1 milhão de reais em aplicações. Diante da restrição, a gestora criou um fundo espelho do Global na categoria previdência, que pode ser acessado pelo pequeno investidor. Nele, 50% do patrimônio é aplicado no Dahlia Global, e a outra metade, em renda fixa.
Os sócios passaram a aplicar dinheiro no novo fundo. "O que nos comprometemos a entregar ao investidor é participação da alta quando a bolsa se valoriza. Já quando cai, o fundo cai bem menos ou nem cai por conta de sua diversificação de ativos, como moedas, juros e metais", diz Sara Delfim.
Veja abaixo a entrevista completa feita pela EXAME Invest com a gestora:
Em 2020 se falou muito em investimento no exterior. O fato de o fundo Global ter sido criado no início do ano e registrar alta de 28% parece elucidativo.
O brasileiro não investe no exterior por uma combinação de dois fatores. Em primeiro lugar, não precisávamos até agora. Com juros de dois dígitos, não precisávamos ter essa dor de cabeça: bastava deixar o dinheiro rendendo na renda fixa. E temos uma cultura muito enraizada em investimentos mais conservadores por conta disso. Temos atualmente cerca de 7 trilhões de reais na renda fixa, rendendo muito pouco.
O outro motivo é que se criou preconceito e uma desinformação de que esse investimento é uma coisa para poucos. E não é: investir no exterior não é burocrático nem exige grande quantidade de capital.
Quando os juros caíram para o seu valor mínimo histórico, isso obrigou o investidor a despertar para os ativos lá fora, já que as aplicações aqui passaram a render pouco. Atualmente temos juro real negativo, ou seja, a inflação está mais alta do que o CDI, e esse cenário pode se manter em 2021.
Com o CDI baixo os brasileiros se reinventaram como investidores. O primeiro passo foi migrar para ativos de risco no Brasil, e o segundo, exportar parte da poupança. E isso não apenas porque existem bons ativos lá fora, mas também porque é sempre vantajoso ter parte do dinheiro aplicado na moeda da maior economia do mundo.
E até mesmo nós, na Dahlia, passamos por esse processo. No final de 2019, analisamos o quanto da poupança dos funcionários e dos sócios da Dahlia estava investido na maior economia do mundo. Se não era zero era bem perto disso. Então, criamos o fundo Global como uma necessidade de exportar uma parte da nossa poupança.
O nosso carro-chefe, o fundo Total Return, tem 80% dos ativos no Brasil, divididos entre bolsa e renda fixa, e 20% no exterior. O fundo Global é um espelho mas com a proporção inversa: 80% do seu portfólio é composto por ativos lá fora e 20% por ativos nacionais.
Esse olhar para o exterior virou uma tese de investimento na Dahlia?
Decidimos estudar história, especialmente a americana, para entender o que faz uma economia ir para a frente e se destacar de outras. Verificamos que a resposta passa por geografia, cultura e força das instituições, entre outras. Concluímos que esses elementos vão continuar se destacando na economia americana e chamamos a tese de Pax americana. Verificamos que tínhamos de ter parte da poupança investida nessa economia.
O Global teve até agora um bom desempenho por conta disso, além do fato de que estávamos posicionados no índice de tecnologia americano. Na pandemia, as empresas de tecnologia tiveram ótimos resultados, e a maioria está nos Estados Unidos.
Outros fatores que melhoraram a performance do fundo foram os metais e as moedas nos quais investimos, que se valorizaram. O dólar voltou a desvalorizar um pouco agora, mas, se olharmos os últimos 12 meses, ainda registra alta. Até mesmo a parte da carteira investida em ações nacionais ajudou.
A divisão da carteira do fundo mudou durante a pandemia?
Nós não mudamos o nome dos ativos, mas, sim, o tamanho das posições dependendo do momento do ano. Continuamos a investir em empresas do setor elétrico, como Eneva e Taesa, que pagam dividendos de 7%, três vezes maior do que o valor do CDI. Também aplicamos em papéis de empresas de tecnologia, como Magalu, Totvs, WEG e Mercado Livre. Na crise, vencem empresas de qualidade e líderes de mercado. Então aplicamos em Localiza, Alpargatas e Natura.
Na virada ano estávamos com a carteira bem mais concentrada na bolsa, embora tivéssemos posições em dólar, ouro, cobre e renda fixa no Brasil, principalmente em Tesouro IPCA. Aí no final de fevereiro, reduzimos a fatia do portfólio aplicada na bolsa e aumentamos nossa posição em dólar, metais e principalmente no ouro.
Já no final de março víamos que pico de contaminação bateu na Ásia, na China e que estava perto de acontecer na Europa. Nos Estados Unidos e na América Latina iria acontecer também mais para a frente. Também verificamos que o sistema de saúde não entrou em colapso. Então já no final de março voltamos a comprar bolsa no Brasil e nos Estados Unidos porque nos sentimos confortáveis sobre a evolução do coronavírus.
Temos uma posição em dólar desde o primeiro dia no qual a Dahlia foi criada, em maio de 2018. Ela só fica maior ou menor, dependendo do cenário macroeconômico. Acreditamos que a moeda serve como proteção mas também é uma ótima reserva de valor. Afinal, é a moeda da maior economia do mundo e que continuará a ser. Existe, portanto, uma demanda natural pelo dólar e é difícil achar razões sobre por que o dólar se desvalorize ao longo do tempo. Faz todo o sentido para a nossa filosofia de investimentos, que é de médio e longo prazo.
Também acreditamos que o ouro é uma reserva de valor importante, pois tem oferta limitada. Se pegarmos todas as reservas comprovadas do metal no mundo, o valor não enche duas piscinas olímpicas. Nos parece pouco para uma demanda crescente, que vem principalmente de fundos de pensão americanos.
Gostamos de aplicar em cobre por três razões. A primeira é uma perspectiva positiva para a China. No ano que vem, serão realizados diversos eventos importantes no país, como o aniversário de 100 anos do Partido Chinês. Acreditamos que o governo chinês irá aproveitar o momento para estimular a economia, e esses estímulos já começaram a acontecer. Então é um bom momento para commodities em geral, incluindo o cobre, no qual vimos uma assimetria de preço e aplicamos por conta desse potencial de crescimento.
Além disso, o metal é peça essencial de uma demanda global por uma matriz energética mais limpa. O metal é um condutor de energia. Por fim, um terceiro motivo é que o metal salva vidas. Na pandemia aprendemos que o cobre tem uma característica antimicrobiana e antiviral. O Chile é um dos maiores produtores do metal do mundo e sua infraestrutura de aeroportos é feita em cobre, não inox. Por conta disso, a nossa visão é que o uso do metal deve ser uma tendência.
Quais são as suas perspectivas para 2021? Continua a ter uma posição otimista para a bolsa nos próximos dois anos?
Acredito que 2021 tenha um cenário favorável para ativos de risco, como a bolsa, por conta da manutenção dos juros baixos ou até de juros reais negativos no mundo. Achamos que a bolsa pode continuar a subir sem a necessidade de participação do investidor estrangeiro.
Para muitas empresas o lucro registrado em 2020 foi igual ao de 2019. Ou seja, a pandemia apenas retardou um pouco o crescimento, mas, até 2022, o cenário não muda muito.