Minhas Finanças

Gafisa é construtora mais processada por comprador de imóvel

Empresas do grupo, no entanto, não reconhecem os números de levantamento que usa dados do TJSP

Desde 2008, total de processos contra incorporadoras subiu quase 400%. (Divulgação)

Desde 2008, total de processos contra incorporadoras subiu quase 400%. (Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 31 de dezembro de 2013 às 09h13.

São Paulo - O desenvolvimento do mercado imobiliário brasileiro tem sido acompanhado de uma contrapartida desanimadora: o aumento no número de processos contra as incorporadoras. Entre 2008 e 2010, só na cidade de São Paulo, o número de ações judiciais passou de 147 para 727, um aumento de quase 400%. O grupo Gafisa foi o destaque negativo, com três das suas empresas aparecendo no ranking das seis mais processadas, concentrando 66% dos processos registrados no ano passado.

Os dados foram coletados no Tribunal de Justiça de São Paulo e divulgados pelo escritório de advocacia Tapai Advogados. Os processos correm em diferentes instâncias, e ainda são passíveis de recurso. O principal motivo das ações judiciais é o não cumprimento de prazos, seja na entrega da obra ou das chaves. Falta de informação e cláusulas abusivas em contratos completam a lista de queixas. “Há atrasos que superam os dois anos. Em casos extremos, chegam a três anos”, diz Marcelo Tapai, sócio do escritório que fez o levantamento.

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  2008 2009 2010
Tenda (do grupo Gafisa) 57 139 293
Gafisa 44 73 157
MRV 11 58 133
Cyrela 22 28 63
Ecoesfera 8 2 50
Fit (do grupo Gafisa) 5 7 31
Total 147 307 727

Fonte: Tapai Advogados

Dos seis nomes da lista, três pertencem ao grupo Gafisa. Além da própria Gafisa, que figura em segundo lugar, a líder Tenda é controlada pela marca desde 2008, e atualmente representa o braço da Gafisa voltado para a classe C. A Fit, por sua vez, foi incorporada pela Tenda também em 2008.

Não é só no levantamento da Tapai Advogados que essas empresas demonstram problemas. O Ministério Público de São Paulo abriu ações contra as quatro primeiras colocadas - Tenda, Gafisa, MRV e Cyrela - por motivos semelhantes aos dos processos registrados no TJ.

A Tenda, particularmente, vem sendo alvo de um bom número de reportagens relatando a insatisfação dos clientes com o descumprimento de prazos. Segundo a Fundação PROCON de São Paulo, a construtora tem sido a mais reclamada entre as empresas de habitação desde 2008, e atendeu a apenas cinco das 69 reclamações fundamentadas feitas contra ela no ano passado.

Os principais motivos relatados pelos reclamantes do PROCON foram o não cumprimento do prazo de entrega e dos termos da oferta no ato da venda. Em razão das queixas, em meados de 2010 a empresa foi solicitada a assinar um termo de compromisso fixando metas de redução de reclamações na entidade, mas se negou a fazê-lo.


Outro lado

Em nota, a Gafisa e a Tenda dizem não reconhecer os números de processos indicados na pesquisa e que os dados não mantêm “qualquer relação com o volume de processos ativos identificados pelo departamento jurídico das companhias.” Além disso, a empresa destaca que “a dinâmica dos processos é constante, ou seja, há um número de processos encerrados mês a mês”.

Já a Cyrela afirma que o número de ações judiciais em andamento na Comarca de São Paulo relativo ao atraso de obra é inexpressivo face ao número de clientes e obras da empresa. Em nota, a empresa afirma ainda que não comenta dados de pesquisa de fontes não oficiais.

Maria Fernanda Menen, diretora executiva jurídica da MRV, diz que a empresa encara a alta nos números com naturalidade, uma vez que o crescimento da empresa tem sido maior que o aumento no número de processos. “Os números são pouco representativos”, diz ela. Menen diz ainda que os empreendimentos da MRV não passam por atraso nas obras, e que a maior parte dos processos diz respeito a problemas na liberação do crédito pelos bancos na hora da entrega das chaves. “Por isso as chaves acabam sendo entregues num momento posterior à expectativa do comprador”, esclarece.

A Ecoesfera afirma, em nota, que os casos de atrasos na entrega dos empreendimentos não diferem dos que têm ocorrido no setor, causados por falta de mão de obra qualificada e excesso de chuvas nos últimos meses. A empresa diz ainda que os contratos foram renegociados com sucesso e os clientes informados do novo cronograma de entrega.

Armadilhas

Segundo Marcelo Tapai, sócio da Tapai Advogados, atrasos na entrega da obra ou das chaves são os principais motivos de tantos processos e reclamações, principalmente porque as incorporadoras costumam se isentar de qualquer responsabilidade no caso de não cumprimento dos prazos. Aos consumidores, por outro lado, não resta a opção de deixar de pagar o financiamento, uma vez que a promessa não foi cumprida, sob risco de perderem o imóvel e terem o nome incluído em cadastros de inadimplentes.

“O problema é que as pessoas se planejam para pagar as prestações à incorporadora e o aluguel simultaneamente durante certo período de tempo. Chegada a data de entrega das chaves, se esta não ocorre, a programação do consumidor acaba caindo por terra. É um negócio muito perverso”, relata o advogado.


Para Tapai, esses contratos contêm cláusulas abusivas, uma vez que são totalmente favoráveis a uma das partes e muito desfavoráveis à outra, prática que vai contra o Código de Defesa do Consumidor. “O Código Civil também protege o consumidor, pois garante a exceção do contrato não cumprido, isto é, enquanto uma das partes não cumprir o contrato, não pode exigir que a outra o cumpra”, explica.

A seguir, conheça algumas das armadilhas e práticas abusivas comuns às construtoras que não cumprem o que prometem, de acordo com Tapai:

A armadilha do “sem juros” e da correção pelo INCC: como os bancos no Brasil não financiam imóveis em construção, quando compra um imóvel na planta, o consumidor deve pagar as parcelas à construtora, e só após a entrega das chaves a dívida é transferida para o banco que tenha aprovado o crédito. No ato da compra, os vendedores alardeiam que o financiamento junto à construtora é isento de juros, mas podem não deixar claro sobre a correção pelo Índice Nacional da Construção Civil (INCC).

“Alguns vendedores não dão a informação correta. O índice corrige o contrato de financiamento e, de fato, não se configura como juro. Mas o vendedor diz que as parcelas são fixas e que a correção pelo INCC incide apenas sobre as parcelas. Mas, na verdade, o índice incide sobre o valor total do contrato”, explica Marcelo Tapai. Resultado: as parcelas vão crescendo ao longo do tempo de maneira que, se a entrega das chaves atrasa e a dívida não migra para um banco, o planejamento financeiro do consumidor não dá mais conta do pagamento do aluguel e das prestações.

Cláusula dos 180 dias: é uma cláusula contratual utilizada para dar uma “margem de manobra” para a incorporadora poder atrasar a entrega das chaves. No contrato fica estabelecida uma data precisa para a entrega, mas muitas incorporadoras adicionam uma cláusula que estabelece que os prazos estão sujeitos a atrasos de até 180 dias – nada menos que seis meses. “Na verdade, o prazo é ilegal, e essa cláusula vem escondida lá no meio do contrato”, afirma Marcelo Tapai.

O consumidor, por outro lado, não pode suspender o pagamento das prestações, mesmo que não tenha mais como bancá-las. Em tese, isso deveria ser possível, mas na prática, o comprador pode perder o imóvel ou ter o nome incluído em um cadastro de inadimplentes. “A maioria dos contratos prevê que, para inadimplência superior a 90 dias, o contrato está desfeito. A construtora devolve uma parcela irrisória do que o consumidor pagou, retoma o imóvel e o vende, posteriormente, a outra pessoa. Há um completo desequilíbrio no contrato”, detalha o advogado.

Ameaça de parar a obra: segundo Marcelo Tapai, algumas construtoras ameaçam os consumidores caso eles desejem entrar na Justiça. A principal alegação é de que se a construtora for alvo de muitas ações judiciais, a obra corre o risco de parar de vez, já que a saúde financeira da empresa ficará comprometida. De acordo com o advogado, porém, essa alegação não tem fundamento, pois a construção do imóvel se destaca do patrimônio da construtora.


A “parcela de entrega das chaves”: os contratos estabelecidos com construtoras muitas vezes estabelecem uma “parcela de entrega das chaves”, que condiciona o início do pagamento de parcelas de valor um pouco maior que as prestações iniciais a uma data que, supostamente, seria a de entrega das chaves. O problema é que se a entrega não ocorre, mesmo assim o consumidor precisa começar a pagar as prestações mais altas, pois elas estavam atreladas à data, não à entrega das chaves realmente.

Para adiar o início da nova cobrança, a construtora propõe ao consumidor assinar um aditivo contratual que, na prática, legaliza o atraso na entrega. Caso o consumidor se recuse a assinar e a pagar, contudo, pode ser considerado inadimplente.

Cuidados

Após assinar um contrato com a construtora, o consumidor lesado não terá saída senão procurar órgãos de defesa do consumidor ou mesmo a Justiça. Mas antes de fechar negócio, o consumidor tem que ficar bastante atento e tomar certos cuidados:

- Leia atentamente o contrato. Caso não compreenda, leve-o para alguém de confiança, ou mesmo para um advogado imparcial, que não seja ligado à construtora.

- Jamais acredite em promessas verbais, faça com que toda promessa seja feita por escrito.

- Guarde folhetos e propagandas, principalmente os que prometem prazos, pois esses documentos integram o contrato.

- Tenha em mente que financiamentos junto à construtora são isentos de juros, mas que a correção pelo INCC incide sobre o valor total do contrato, e não apenas sobre a parcela.

- Faça o seu planejamento financeiro e habitacional prevendo um possível atraso na entrega das chaves, para não ficar sem ter para onde ir ou se tornar inadimplente por incapacidade financeira.

- Em caso de atrasos, procure a Justiça. Não assine aditivos contratuais, pois eles são sempre favoráveis à incorporadora.

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