Simino e Glogowsky, da Fundação Cesp: as coisas ainda podem piorar (Divulgação)
Da Redação
Publicado em 2 de maio de 2011 às 18h57.
São Paulo - A Fundação Cesp é o quarto maior fundo de pensão do país, atrás dos gigantes Previ, Petros e Funcef. A entidade administra 18 bilhões de reais de 46.000 funcionários e ex-funcionários de empresas do setor de energia como AES Tietê, AES Eletropaulo, CPFL, Cesp, CTEEP, Elektro, Emae, Bandeirante e Geração Paranapanema. Por investir dinheiro que será usado para garantir a aposentadoria de milhares de pessoas, os fundos de pensão de companhias privadas costumam ser bem cautelosos no momento de escolher as melhores aplicações. Mas esse não é o motivo que leva a Fundação Cesp a preferir investimentos em renda fixa neste momento. O diretor-presidente da instituição, Martin Glogowsky, e o diretor de investimento e patrimônio, Jorge Simino Júnior, acreditam que há problemas reais na economia brasileira e mundial que vão prejudicar o desempenho das bolsas. Seria hora, portanto, de aproveitar os juros altos dos títulos públicos e esperar um momento de correção nos próximos três ou seis meses para entrar com mais força no mercado acionário. Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
EXAME.com - Qual é a melhor estratégia de investimentos neste ano?
Simino - É hora de ficar na renda fixa. Vamos esperar que venha uma correção de preços nos próximos três ou seis meses para, aí sim, aumentar a exposição em bolsa. As coisas têm piorado, e achamos que podem piorar mais. No Brasil, em nossa opinião, os juros terão de subir mais do que o mercado já precificou. Lá fora, há dois riscos. O primeiro é a Europa, que ainda tem muitos problemas a resolver. O outro é o petróleo, que ninguém sabe para onde pode ir. Uma análise do mapa do Oriente Médio mostra que até agora a confusão ainda não chegou aos maiores produtores da commodity. A Líbia produz quase 2 milhões de barris, mas o mundo não para se a produção deles for momentaneamente interrompida. Os EUA não dependem do petróleo líbio, é a Europa que o consome. Mas o que aconteceria se o rei saudita fosse o próximo a cair? Se o barril do petróleo chegar a 150 dólares, o mundo todo vai sofrer, inclusive o Brasil, mesmo que a Petrobras não repasse isso para o preço dos combustíveis.
EXAME.com - O mercado já começa a considerar a possibilidade de um aumento dos preços da gasolina e do diesel no Brasil?
Simino - Eu não acho provável que isso aconteça. Mesmo se o petróleo continuar a subir e atingir um novo patamar, eu acho que o governo ainda poderá dizer para a empresa segurar esse fio desencapado. A Petrobras pode ter de conter um eventual choque do petróleo. Uma alta de 10% na gasolina e no diesel elevaria o IPCA de 2011 em 0,4 ponto percentual. Esse é o impacto direto, mas ainda é necessário contabilizar o reflexo indireto no preço dos fretes. Como sem nada disso a inflação brasileira já está em 6% ao ano, bem distante do centro da meta, seria perigoso colocar mais lenha nessa fogueira neste momento.
EXAME.com - As ações da Petrobras seriam uma boa opção de investimento diante desse cenário?
Simino - Mantivemos nossa posição em ações da Petrobras inalterada nas últimas semanas. Lógico que a alta do preço do petróleo valorizaria as ações, mas não sabemos avaliar a probabilidade de isso acontecer. O que sabemos é que a Petrobras já começou a tocar um plano de investimentos gigantesco. Num primeiro momento, esse plano tende a reduzir a rentabilidade da empresa. É um monte de dinheiro que vai sair do caixa da empresa e ser despejado na ampliação da capacidade. Mas esse investimento ainda vai demorar para ficar maduro. São coisas que, se derem certo, vão começar a dar retorno em 2014 ou 2015. Então a gente acha que pode ser interessante aumentar a posição em Petrobras só em algum momento a partir de 2013.
EXAME.com - E o que está com preço interessante na bolsa neste momento?
Simino - Eu gosto das ações dos bancos. É lógico que essas medidas macroprudenciais anunciadas pelo governo para conter a expansão do crédito vão encarecer o custo de capital, mas minha percepção é que as ações estão com preços atrativos mesmo assim.
EXAME.com - Quais são as principais posições da Fundação Cesp em bolsa?
Simino - Do total de 18 bilhões de reais que gerimos, cerca de 24% está em bolsa. Metade do dinheiro em ações está em apenas duas empresas, a Vale e a CPFL. São posições que carregamos desde a década de 1990, é algo lá da época das privatizações
Glogowsky - Estamos muito felizes com nosso investimento em CPFL, mas é algo um pouco diferente do que costumamos fazer. Em geral, privilegiamos liquidez. Somos um fundo de pensão que, somente no ano passado, pagou 1,4 bilhão de reais em benefícios para os aposentados associados. Queremos ter liquidez porque precisamos de caixa todos os meses para arcar com essas obrigações. A posição em CPFL, portanto, não atende a essa necessidade, é uma posição de longo prazo. Temos uma cadeira no conselho da empresa. Contribuímos para a tomada de decisões estratégicas. Então não é uma posição que a gente vai vender de uma hora para outra.
EXAME.com - A Fundação também está no conselho da Vale?
Glogowsky - Na Vale, também é diferente. Fazemos parte do acordo de acionistas, mas não temos uma cadeira no conselho. A Previ é quem faz esse papel na Vale pelo lado dos fundos de pensão. Mas também foi um investimento bastante feliz que fizemos lá atrás, que continuamos a carregar e que não estamos pensando em alterar.
EXAME.com - Qual foi o segredo para escolher tão bem as empresas? Já na década de 1990, era possível prever que CPFL e Vale seriam companhias que cresceriam tanto?
Simino - A Vale tem que agradecer a Deus todos os dias pela China. Ninguém na época da privatização sabia que ela se tornaria tão grande. Muita gente achava que a privatização era um bom negócio, mas ninguém poderia prever que o preço do minério de ferro chegaria a 180 dólares por tonelada. Ninguém poderia imaginar que a China aumentaria sua produção de aço de 100 milhões para 600 milhões de toneladas por ano. Já a CPFL era algo mais próximo de nós, que cuidamos de aposentadorias de funcionários do setor elétrico. Não sei exatamente como foi o processo de decisão porque não estava aqui na Fundação na década passada. Mas pelo que sei, quando o Mario Covas era governador de São Paulo, havia diferentes planos para a privatização do setor elétrico. Em um momento em que o governo precisava de caixa, Covas quis saber o que seria menos complexo de privatizar. E o controle da CPFL deixou de ser estatal, abrindo espaço para investidores como nós.
EXAME - A Fundação Cesp terceiriza parte da gestão dos recursos ou toma todas as decisões de investimento sozinha?
Simino - Excluindo Vale e CPFL, do total de dinheiro que temos em bolsa, cerca de 20% é administrado por gestores de outras instituições. Também compramos quotas de fundos multimercados de terceiros. Nesses casos, nosso trabalho é fazer o processo de seleção dos gestores. Aplicamos um teste sobre os fundos para achar quem consistentemente apresenta bons resultados. Depois filtramos somente os gestores que fazem um trabalho que se encaixa com o perfil de investimentos de um fundo de pensão. Por último, falamos com os gestores e abrimos uma concorrência para ver quem cobraria as menores taxas pelo serviço. O dinheiro é distribuído entre os mais bem-classificados. Nesse ponto, nosso trabalho está apenas começando. Todos os gestores enviam diariamente para nós as posições em que estão investidos. Podemos verificar se o cara está cumprindo o mandato entregue a ele e se não há posições esquisitas dentro do fundo.
EXAME.com - Mas como vocês conseguem ter esse nível de transparência que não está disponível para o público em geral?
Simino - Por meio de fundos exclusivos. Nosso dinheiro é colocado em um fundo daquele gestor em que somos o único quotista. Então podemos ter acesso a todas as informações. Muitas vezes podemos ligar para ele e pedir explicações sobre determinadas posições. É um trabalho diário.
EXAME.com - Qual é a parcela do dinheiro administrado que está investida em renda fixa?
Simino - Cerca de 70% dos recursos, sendo que 65% estão em títulos públicos. A maior parte dos outros 5% permanece em CDBs de bancos grandes, aqueles “too big to fail” [grandes demais para quebrar]. Uma parcela bem pequena vai para crédito privado.
EXAME.com - É uma postura bem conservadora, não?
Glogowsky – A natureza do nosso negócio exige bastante cautela. Administramos dinheiro para garantir a aposentadoria de pessoas. Não devemos nunca correr riscos desnecessários. Mesmo assim, temos que alcançar uma meta atuarial que já não é mais tão fácil de ser atingida. Buscamos uma rentabilidade de IGP-DI mais 6% ao ano. Em 2010, por exemplo, tínhamos que alcançar um ganho de 17%, já que o IGP-DI superou 11%. Buscar isso em um ano em que a bolsa praticamente não rendeu nada não é fácil. Mas estamos felizes por termos conseguido uma valorização da carteira de mais de 19%.
EXAME.com - A Fundação consegue cumprir a meta todos os anos?
Glogowsky - Sim, com exceção de 2000 e 2008. Mas em 2008, que foi um ano péssimo em que a bolsa caiu mais de 40%, por exemplo, tivemos uma rentabilidade de 11%. Então não acho que demos motivos para queixas dos contribuintes.
EXAME.com - Se os juros caírem como se espera no longo prazo, o fundo de pensão não terá de correr muito risco para cumprir uma meta atuarial de IGP-DI mais 6%?
Simino - É provável que o nível de risco da carteira tenha de aumentar. Ainda não sei como vamos fazer isso. Pode ser com mais imóveis, mais multimercados, mais crédito privado ou mais ações. Mas será algo feito bem lentamente.
Glogowsky – E se acharmos que o nível de risco necessário está exagerado, também podemos levar uma proposta de alteração da meta à assembléia dos quotistas. No caso de algumas empresas que patrocinam o fundo, a meta já foi alterada para IGP-DI mais 5,75%. Faz bastante diferença na estratégia de gestão.
EXAME.com - Nos Estados Unidos e na Europa, a gestão de fundos de pensão também é bem cautelosa?
Simino - Os gestores americanos estão acostumados a correr bem mais riscos. Eles investem boa parte dos recursos em bolsa e também em private equity. Mas a sociedade americana aceita isso. O contribuinte médio não se importa em perder um pouco agora para ganhar bem mais depois. Há um fator econômico para isso. Investir apenas em títulos do Tesouro dos EUA renderia algo em torno de 3% ao ano. Para chegar em um número mais interessante, algo próximo a 7% ao ano, o gestor é obrigado a tomar risco. Considero eles bem agressivos, na verdade. Já na França e na Alemanha, é algo mais parecido com a realidade brasileira.
EXAME.com - A queda dos juros fará os fundos de pensão buscarem mais risco também no Brasil?
Simino - Para responder a essa pergunta, acho importante explicar um pouco mais como é o mercado brasileiro. Os fundos de pensão fechados possuem um patrimônio de cerca de 500 bilhões de reais. Quase a metade desse total está nas mãos dos três grandes: Previ, Petros e Funcef. Esses três fundos possuem grandes posições em renda variável, estão nos conselhos de diversas empresas, fazem uma gestão mais participativa. Também entram em projetos de hidrelétricas, por exemplo, que são importantes para o país e dão retornos no longo prazo. O resto da indústria tem um perfil mais parecido com o nosso, de investimentos mais cautelosos em ativos com liquidez. São fundos que investem principalmente em renda fixa. Para você ter uma ideia, a parcela do dinheiro desses fundos aplicada em ações já foi de 30% no passado, mas hoje é de 16%.
EXAME.com - Mas a queda dos juros não deveria incentivar os fundos a fazer o contrário?
Simino - Eu acho que muitos fundos se machucaram um pouco na bolsa e aprenderam a lição. O importante para um fundo de pensão é cumprir a meta atuarial, e não ser o mais rentável da indústria.
EXAME.com - Como a Fundação Cesp investe no setor imobiliário?
Simino - Temos menos de 2,5% do portfólio em imóveis. O limite imposto pela legislação é de 8%. Estamos longe, portanto. Mas gostamos principalmente de comprar participações em shopping centers. Temos parcelas de diversos shoppings, como o Iguatemi e o ABC. Achamos que os shoppings são um bom investimento porque eles nunca ficam totalmente vagos. Em geral, há uma taxa de vacância bem baixa, de 1% ou 2%. Mas isso não impede que tenhamos uma renda mensal garantida. Já no caso dos prédios de escritórios, achamos que o risco é maior. O imóvel pode ficar desocupado durante seis meses e só gerar despesas. Temos três imóveis desse tipo. O bom é que agora passamos por um excelente momento no mercado imobiliário e há demanda para todos. Nosso portfólio de imóveis rendeu 24% no ano passado.