Minhas Finanças

Ficar ou não ficar no fundo de inflação? Eis a questão

Os juros nos Estados Unidos estão subindo e os juros brasileiros estão indo junto. E o impacto dessa alta é agravado pelos problemas do país


	Dinheiro no bolso: muitos entraram na festa quando ela já tinha acabado, e a maré dos juros começava a virar, ou seja, no fim do ano passado e no começo deste
 (Marcos Santos/USP Imagens)

Dinheiro no bolso: muitos entraram na festa quando ela já tinha acabado, e a maré dos juros começava a virar, ou seja, no fim do ano passado e no começo deste (Marcos Santos/USP Imagens)

DR

Da Redação

Publicado em 24 de outubro de 2013 às 15h50.

Um leitor do blog conta que, em dezembro de 2012, cansado da caderneta de poupança, resolveu aplicar no fundo Caixa Capital Índice de Preços, com o apoio do gerente da Caixa, que lhe disse que era “uma boa pedida, pelo fato de ser renda fixa e com tendência de alta da inflação”.

Mas, dos R$ 31 mil aplicados, hoje ele tem apenas R$ 28 mil, uma vez que os juros subiram e desvalorizaram os títulos que fazem parte da carteira do fundo.

Ele escreveu ao blog para saber sobre a explicação de que quem mantiver as NTN-Bs até o vencimento receberá exatamente o juro contratado na aplicação e como isso funciona com o fundo Caixa Capital. Ele queria saber também se o fundo recebe os juros semestralmente ou somente no final e como saber o vencimento dos papéis que estão na carteira do fundo Capital da Caixa. E, claro, quer saber se tira o dinheiro da aplicação, mesmo no prejuízo, ou não.

Ele não está sozinho. Outro leitor escreveu para comentar uma nota “fundos de renda fixa índice, bons só no longo prazo” pois tem aplicação nessas carteiras e está perdendo bastante frente a outras aplicações.

Ele diz ter receio de liquidar a aplicação e acrescenta que vai precisar do dinheiro daqui a mais ou menos dois anos, e quer saber se esse prazo já é longo o suficiente para valer a ideia de ganho, ou se é melhor sacar o dinheiro agora.

Falha na orientação
Ambos os leitores retratam uma situação muito comum no mercado, de falta de conhecimento e falha de orientação na hora de investir.

No fim do ano, muitos investidores aplicaram em fundos de renda fixa índices movidos pela rentabilidade anterior, proporcionada pela forte queda dos juros de 12,5% para 7,25% ao ano, achando que ela se repetiria.

Ao mesmo tempo, muitos gerentes aconselharam esses fundos, usando a lógica de que aplicavam em papéis corrigidos pela inflação do IPCA. Portanto, se a inflação subisse, e esse era o cenário, eles estariam protegidos e até ganhariam, certo? Errado.

Apesar da lógica correta, os gerentes e investidores desconheciam o efeito que a alta dos juros tem sobre os papéis e sobre os fundos, que precisam atualizar os valores dos ativos em que aplicam diariamente, a chamada marcação a mercado. Muitos nem sequer imaginavam que esses fundos poderiam dar prejuízo, uma vez que a renda era “fixa”.


Juro voltando à normalidade
Também não foram orientados, investidores e gerentes, sobre o fato de que a situação dos juros no Brasil era artificialmente baixa, e não poderia continuar assim quando outras economias como Estados Unidos e Europa começassem a voltar à normalidade. É o que está acontecendo neste momento.

Os juros nos Estados Unidos estão subindo e os juros brasileiros estão indo junto. E o impacto dessa alta é agravado pelos problemas do país, como o déficit externo em alta, que pressiona o dólar, a inflação em níveis ainda elevados, a falta de clareza nas contas públicas a falta de competitividade e de confiança dos investidores locais e estrangeiros, o que atrapalha o crescimento brasileiro.

A situação hoje é que essas carteiras acumulam uma perda média no ano de 4,18% até dia 16. Mas esse número pode ser maior, dependendo da carteira do fundo. Segundo a Economática, a perda nesses fundos pode chegar a 8,38% no ano até dia 22, caso justamente do fundo Caixa Capital Índice de Preços. Outro fundo da Caixa, o Patrimônio Índice de Preços, perde 7,35% no ano.

Estratégia é essa mesmo
Vale destacar que esses fundos não fizeram nada de errado. Simplesmente aplicam em papéis de longuíssimo prazo, até 2050, e qualquer coisa que acontece hoje tem impacto no preço do título até seu vencimento. Por isso, qualquer alta ou baixa dos juros provoca fortes perdas ou ganhos para o investidor.

O problema é que muitos entraram na festa quando ela já tinha acabado, e a maré dos juros começava a virar, ou seja, no fim do ano passado e no começo deste. De lá para cá, as carteiras praticamente só deram prejuízo.

Mas de onde vem essa perda? Por que dizem que quem fica até o fim do prazo do título receberá o que combinou na aplicação?


Marcação a mercado
Isso tem a ver com a forma com os títulos são negociados diariamente no mercado. Todos os dias, investidores e bancos compram e vendem títulos uns dos outros e precisam reavaliar seus preços. Assim, se um investidor tem um papel antigo, com juro alto, seu papel vale mais do que um novo, que tem juro baixo, e ele ganha se vender para outro. Já se o investidor tiver um papel com juro mais baixo que o atual, o papel dele valerá menos.

Mas se ele não vender o título, nada mudará, ele receberá o mesmo valor que combinou com o banco ou com o Tesouro Nacional. O preço do papel no mercado vai cair, vai subir, mas no final o ganho será equivalente ao combinado.

Acontece que nos fundos de investimentos têm gente entrando e saindo todos os dias, e portanto o fundo compra e vende títulos diariamente. Se as cotas do fundo não estiverem ajustadas ao preço do mercado, o investidor que sai poderá sair com um ganho ou um prejuízo, e a diferença ficará para o fundo. Se sair na hora que os títulos estão perdendo valor, como no caso atual, de alta dos juros, e o fundo não tiver feito a correção dos papéis antigos, o investidor levará um valor maior que deveria, e o prejuízo ficará para os demais cotistas.

Foi para isso que foi criada a marcação a mercado, que atualiza todos os dias os preços dos papéis aplicados em fundos. Isso quer dizer que os papéis que ficaram na carteira se ajustam às novas taxas do mercado e o fundo, depois da perda, passa a render mais, acompanhando os juros do mercado. Por isso, não adianta sair, pois a perda já ocorreu. E, se o título se recuperar depois, o investidor terá perdido essa recuperação e a contagem de tempo válida para reduzir o imposto de renda.

Desempenho futuro
No caso dos fundos renda fixa índices, seu desempenho vai depender dos papéis que compõem sua carteira. Se ele recebeu muitas aplicações quando os juros estavam baixos e aplicou em NTN-Bs longas, ele dificilmente recuperará o prejuízo deste início de ano. Somente quando os juros voltarem ao nível de dezembro do ano passado ele recuperará as perdas. E isso poderá levar muitos anos.

Mas, olhando para frente, seu rendimento acompanhará o dos títulos longos atuais, oscilando junto com eles. Como os juros longos subiram bastante, para perto de 6% além da inflação, a expectativa é que novas perdas daqui para frente, se vierem, serão menores. Já se os juros recuarem nos próximos anos, os fundos renderão mais.


Tudo dependerá, portanto, da estratégia do fundo e se os investidores não vão desistir no meio do caminho e sacar, reduzindo os valores que seriam usados na renovação das carteiras ou obrigando os gestores a venderem os papéis com descontos maiores. É diferente de uma NTN-B comprada diretamente, que o investidor decide se quer manter com determinada rentabilidade ou realizar o prejuízo.

Todos os rendimentos do fundo entram na cota. Portanto, os juros pagos semestralmente pelas NTN-Bs também. Alguns fundos já acumulam diariamente o ganho com as NTN-Bs para evitar saltos nas cotas em janeiro e julho, quando os juros são pagos pelo Tesouro. No Tesouro Direto, há uma versão da NTN-B, a NTN-B Principal, que só paga os juros no final, mas ela só está disponível para pessoas físicas, não para fundos.

Para saber onde o fundo aplica, basta consultar o site da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Os fundos são obrigados a colocar lá a composição de suas carteiras.

Ficar ou sair, eis a questão
Sobre resgatar ou manter a aplicação, a decisão tem de ser do investidor, especialmente porque jornalistas não podem dar recomendações de investimento. Mas a sugestão dos analistas é que o investidor analise não o que já ocorreu com a aplicação, mas o que pode acontecer com ela. Os juros subiram para perto de 6% ao ano nos títulos mais longos, com as NTN-Bs 2050 pagando 5,86% ao ano mais IPCA.

A questão é se eles podem subir ainda mais quando o Federal Reserve começar a retirar os incentivos ao mercado, o que pode ocorrer nos próximos meses. E, também, se vão se manter nesse nível depois que a situação se normalizar. Olhando os últimos anos, parece ser consenso que o Brasil pode ter juros mais baixos, de um dígito, desde que faça a lição de casa dos gastos públicos e do controle da inflação.

Quem está pensando em se aposentar daqui 10 ou 20 anos pode esperar os juros voltarem para os níveis de dezembro do ano passado, o que pode ocorrer até 2050. E 6% reais ao ano é uma taxa interessante em qualquer lugar do mundo. Isso tornaria a aplicação em fundos renda fixa índice atrativa neste momento, olhando para frente.

Mas para quem não pode esperar tanto, que vai precisar do dinheiro em um ou dois anos, o risco de novas perdas no curto prazo existe. A questão é onde o juro brasileiro vai parar depois que o juro americano se ajustar, provavelmente acima de 4% ao ano, o que se espera que ocorra entre 2015 e 2016. Se a economia brasileira estiver bem, a inflação sob controle, os juros poderão voltar para 7,5% ou até menos. Mas quanto tempo isso vai demorar não se sabe.


Seis por meia dúzia
Outra questão é a alternativa do investidor em renda fixa. Se sacar do fundo, o investidor realizará o prejuízo e pode acabar aplicando em papéis que pagam a mesma coisa que os que estão na carteira do fundo, já atualizados ao mercado.

Ou seja, acaba trocando seis por meia dúzia. É preciso portanto, aproveitar e avaliar a mudança de forma mais ampla, reavaliando a carteira de aplicações, levando em conta o prazo que cada parcela do dinheiro poderá ficar aplicada, sua finalidade, e o risco que se quer correr. Se o dinheiro for para aposentadoria, por exemplo, pode-se concluir que o melhor seja mesmo o renda fixa índices.

Mas se o objetivo for evitar oscilações ou se o investidor achar que o juro básico pode ir muito acima do que projetam os mercados futuros, 12% ao ano para 2021, aí pode fazer sentido uma revisão das aplicações, especialmente as voltadas para o curto prazo. Nesse caso, fundos DI e aplicações indexadas ao juro diário farão mais sentido.

Repetir o erro
A única questão é que o investidor não pode cometer o mesmo erro que fez ao entrar nos renda fixa índices sem conhecer direito a aplicação ou movido pela emoção e pelos ganhos anteriores. E, nos momentos de grande instabilidade, a primeira recomendação dos analistas é também evitar fazer grandes mudanças de estratégia. Até porque não se sabe direito o que vai acontecer.

Opinião dos especialistas
Luciane Ribeiro, diretora executiva da Asset Management do Santander, recomenda ao investidor não resgatar neste momento. “O mercado está precificando os últimos dados da economia americana e sempre tem exageros nestes movimentos”, alerta. As oscilações, lembra ela, não significam perdas, e se o investidor não resgatar não realiza prejuízo.

“Os ativos que compõem as carteiras dos fundos estão sendo precificados a mercado e como a expectativa da taxas de juros é de alta acontecem estas oscilações”, diz.

Um diretor de renda fixa de um banco diz que dá para o investidor recuperar parte das perdas dos renda fixa índices, mas isso pode demorar. “Setor externo, inflação, eleições, tem muita coisa para complicar”, diz, pedindo para não ser citado.

Outro diretor, de outro banco, é mais direto. “Os fundos renda fixa índice são para aposentadoria”, resume. “Se o investidor está desesperado, é porque nem deveria ter entrado.”

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