Garantias: Diferentemente de outros investimentos de renda fixa, debêntures não têm cobertura do FGC em caso de perdas (Thinkstock/Thinkstock)
Juliana Elias
Publicado em 23 de setembro de 2019 às 05h04.
Última atualização em 23 de setembro de 2019 às 05h04.
São Paulo - A rota de queda nos juros do país está levando os investidores brasileiros a buscar alternativas de aplicações que, para boa parte deles, eram desconhecidas ou distantes até então.
Nesse cenário, desponta o interesse pelas debêntures, que são títulos de dívidas de empresas. Elas são similares ao já mais conhecido Tesouro Direto, que vende pequenos pedaços da dívida pública, mas, em vez de serem emitidas pelo governo, são emitidas pelas companhias para levantarem dinheiro para seus investimentos e suas operações.
Ou seja, quando compra uma debênture, o investidor está emprestando dinheiro para a empresa, em troca dos juros que ela irá pagar, e se torna, portanto, seu credor.
Como os títulos públicos, as debêntures são também um investimento de renda fixa, mas em geral com remunerações maiores. É essa natureza que tem acendido o interesse por elas como uma espécie de meio do caminho entre a renda fixa mais conservadora e o sobe e desce da bolsa de valores.
Para se ter uma ideia, o total de dinheiro investido em debêntures entre janeiro e agosto deste ano (117,4 bilhões de reais) já é 7% maior que nos mesmos meses no ano passado. Nos oito meses de 2019, soma mais do que o total de 2017 inteiro (96 bilhões de reais). Os dados são da Associação Nacional das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
Especialistas em investimentos concordam que as debêntures são uma boa opção para começar a variar o portfólio de quem esteve sempre habituado à renda fixa tradicional. Ressalvam, porém, que elas têm riscos maiores que os de pares como os títulos públicos, a poupança, CDBs, LCAs ou LCIs.
“Como não tem garantias, não é uma opção recomendada para o investidor conservador, e sim para aqueles que têm perfil de moderado a arrojado”, disse o economista André Alírio, operador de renda fixa da corretora Nova Futura.
As debêntures não possuem nenhuma garantia para o caso de calote, à exemplo do que faz o Fundo Garantidor de Crédito (FGC) quando um banco deixa de pagar os investidores. Além disso, elas estão intimamente ligadas ao desempenho da empresa. Se a companhia ficar mal de caixa, isso pode se desdobrar em percalços que vão desde a renegociação dos prazos dos títulos até a falência do negócio e calote dos pagamentos.
É o que está acontecendo com os debenturistas da Rodovias do Tietê, que administra rodovias no interior de São Paulo. Com a queda na movimentação e arrecadação dos pedágios, a concessionária entrou em crise e tenta renegociar com os credores prazos mais longos e a reduçao de 8% para quase zero dos juros que prometeu. Aqueles que tentam botar seus papéis para frente no mercado, mesmo pela metade do preço, não encontram compradores.
“Não são casos que acontecem com frequência, mas são possíveis”, disse a gerente de representação de mercado de capitais da Anbima, Erika Lacreta. “O calote é a pior possibilidade, mas, até a empresa não pagar, o investidor já vai ver a situação se deteriorando. A empresa terá deixado de cumprir alguma obrigação, irá tentar renegociar ou alongar a dívida; o sinal amarelo acende antes.”
As debêntures são oferecidas nas plataformas das corretoras e bancos. O valor para comprar cada uma delas pode variar bastante, indo da faixa dos 1.000 reais até mais de 20.000 reais. Os juros pagos costumam ser uma porcentagem do CDI ou a inflação do período acrescida de um juro fixo.
Os prazos de validade também variam bastante, indo de dois até mais de dez anos. Em geral, costumam ser prazos longos, já que, muitas vezes, se trata de um dinheiro que irá para investimentos de longo prazo da empresa, como a renovação de uma rodovia ou a construção de uma fábrica. A validade média das debêntures emitidas atualmente é de 6 anos, de acordo com a Anbima.
Caso queria se desfazer do título antes do vencimento, o investidor pode revende-lo no mercado, mas dependerá da disponibilidade de compradores interessados e do preço que estiver sendo oferecido pelo papel no momento. Se for de uma empresa sólida e com remunerações boas, o papel pode estar valorizado. Se for uma companhia que passa por uma crise, o preço dele pode virar pó.
De toda maneira, caso mantenha a aplicação até o vencimento, o investidor mantem o direito de receber o valor integral dos juros que contratou.
Os rendimentos das debêntures pagam imposto de renda, bem como os títulos públicos e os CDBs, mas debêntures ligadas a infraestrutura - as debêntures incentivadas – são isentas do imposto.
São dois os grandes riscos das debêntures: o de crédito, que diz respeito às dificuldades de pagamento que a empresa possa vir a ter, e o de liquidez, que está ligado aos prazos longos de vencimento e à maior ou menor dificuldade de ter acesso ao dinheiro aplicado no título antes do prazo de vencimento.
Há, porém, maneiras de mensurar e diluir esses riscos. Alírio, da Nova Futura, diz que ter debêntures de mais de uma empresa e ter foco no longo prazo são maneiras de estar mais protegido. “O ideal é que o investidor coloque nas debêntures uma parte de seu dinheiro de que não dependerá no curto prazo e que possa carregar tranquilamente até o vencimento”, disse.
Também é possível ter uma ideia da saúde financeira da companhia por meio de sua nota de crédito, dada por agências como Standard & Poor's (a lista de avaliações pode ser checada aqui), Fitch Ratings e Moody’s. Como nas notas dadas aos países, elas definem se a empresa tem ou não grau de investimento.
Petrobras, Vale e Comgás são alguns exemplos de empresas seguras mencionadas por Alírio, enquanto grupos ligados a concessões de infraestrutura estão na ponta de riscos maiores. “Não significa que a pessoa só deve comprar empresa com nota alta, mas, sim, ter consciência de quais estão de acordo com o seu perfil”, diz ele. “Quanto maior o risco, maior o prêmio.”
"A nota de crédito é uma ferramenta, mas a decisão deve ser tomada a partir de um conjunto de fatores", disse Erika, da Anbima. "Veja o prazo, a rentabilidade, se há amortizações periódicas do pagamento ou só no fim, qual o setor da empresa. O importante é estar de acordo com o perfil de risco que a pessoa busca."