Bolsa: os chamados “traders” especulam com os pequenos movimentos diários dos mercados
Da Redação
Publicado em 31 de outubro de 2016 às 13h03.
Última atualização em 6 de dezembro de 2016 às 10h17.
A alta dos preços das ações neste ano, com o Índice Bovespa subindo quase 50%, atraiu um maior número de pessoas físicas para o mercado. A fatia desses investidores individuais cresceu de 13,7% do volume negociado na média do ano passado para 17,6% neste mês e 17% na média do ano.
Mas, junto com os investidores tradicionais, as corretoras estão registrando um aumento grande no número de pessoas que tentam fazer da bolsa um meio de vida, operando várias horas por dia comprando e vendendo papéis e contratos futuros, o chamado “day-trade”. São os chamados “traders”, que especulam com os pequenos movimentos diários dos mercados, especialmente de dólar e Ibovespa Futuro.
Na XP Investimentos, hoje a maior corretora independente do mercado, o total de clientes pessoa física fazendo operações “day-trade” praticamente triplicou de um ano para cá, tanto na XP quanto na subsidiária Clear, afirma o presidente da empresa, Guilherme Benchimol. “A pessoa física em renda variável funciona dessa forma, ou seja, quando o mercado aquece, o número de clientes aumenta muito”, diz. São 10 mil pessoas na XP e 5 mil na Clear, cerca de 10% da base, explica Benchimol.
Na Rico Corretora, o número dos investidores considerados “traders” ou profissionais, que operam em mais da metade dos dias de pregão e fazem mais de 5 negócios por dia já chega a 2,5 mil. “O volume negociado de “day-trade” subiu e está quase em R$ 500 milhões, duas vezes e meia o do ano passado, de R$ 200 milhões”, afirma Fred Meinberg, sócio da Rico. “Temos os que ficam o dia inteiro operando e os que negociam apenas algumas horas, depois do trabalho”, explica.
A corretora está investindo para atrair esse tipo de cliente, promovendo eventos online para mostrar estratégias e apresentar especialistas em análise gráfica, principal instrumento dos “traders”. Há duas semanas, a Rico reuniu 150 desses profissionais no pregão da Bovespa para um dia inteiro de negociação e cursos de operação ao vivo. Foi o primeiro evento do tipo feito no local onde os operadores, aos gritos, faziam o mercado de ações brasileiro funcionar. O resultado foi um recorde de negócios com minicontratos de câmbio na bolsa e a queda do sistema de wi-fi algumas vezes pelo excesso de celulares e computadores.
Meinberg destaca que não são só os profissionais que estão se multiplicando na bolsa. Começam a voltar os adeptos do chamado “swing-trade”, nome dado aos que especulam com ações ou contratos por alguns dias. “Mais recentemente, o que mais cresceu foram os que compram uma ação e ficam uma ou duas semanas”, diz. Em geral, são pessoas que gostam de especular no curto prazo com ações, mas não têm tempo para se dedicar diariamente ao mercado e tentam tirar proveito dos movimentos do mercado. Mas isso é bom pois ajuda a aumentar o volume do mercado.
Ele acredita que o número de investidores em renda variável vai continuar crescendo, com um mínimo de segurança para a economia. “Essa segurança e a alta das ações vai levar a uma retomada dos IPOs (abertura de capital em inglês), que também atrair muito as pessoas físicas, e devemos ter um ano virtuoso em 2017”, afirma Meinberg. “O ânimo do mercado muda muito rápido e agora mudou com a aprovação da PEC 241, dos gastos, e isso atrai tanto o investidor local quanto o estrangeiro”, diz. “O primeiro sinal é a realização do primeiro IPO”, afirma. Os prenúncios de Meinberg estão se confirmando, com o saldo de estrangeiros na Bovespa neste mês acima de R$ 3 bilhões e o primeiro IPO na semana passada, com a abertura de capital da Alliar Médicos à Frente.
Segundo ele, a Rico está abrindo em média 10 mil contas por mês, muito acima dos 3 mil clientes novos por mês do ano passado. São 400 novas contas por dia, dos quais 50% ativam a conta, ou seja, colocam dinheiro para investir. Desses, 30% vão para a bolsa, número que era inferior a 10% no ano passado. “A maioria ia para Tesouro Direto ou renda fixa, LCI LCA, o que mudou um pouco”, explica Meinberg.
Foi a chance de mudar de profissão que levou o advogado e professor universitário Cristiano Natividade, de 34 anos, a investir na carreira de “trader”. Ele começou a estudar o mercado há dois anos, fez cursos e está agora terminando a transição para virar profissional de mercado. “Já estou reduzindo os atendimentos do escritório de advocacia, não pego clientes novos”, diz Cristiano, que segue ainda dando aulas na Universidade Cruzeiro do Sul. Hoje, ele ainda opera duas horas por dia. Mas diz que o que o atraiu mesmo foi a adrenalina do mercado. “Sábado fico triste por não ter como operar”, afirma.
Cristiano investia em ações da maneira tradicional, comprava os papéis e deixava parado. Até que começou a se interessar pela análise gráfica, acompanhando orientações de sites especializados. Fez então vários cursos e hoje opera todas as manhãs, em uma sala que divide com outros três “traders”. E passou também a dar cursos pela internet, em conjunto com outros especialistas em gráficos. “Hoje eu já poderia largar os outros trabalhos para viver só do mercado”, diz, acrescentando que este mês o “trading” rendeu mais que a advocacia e as aulas.
Para ele, o mais difícil na vida do profissional de mercado não são os gráficos ou análises do comportamento dos ativos, mas o controle emocional. “Quando é seu dinheiro que está lá é difícil pensar racionalmente”, diz. “Quando estamos perdendo, a tendência é sempre esperar o mercado voltar, e quando estamos ganhando, queremos sair logo, e aí é que as perdas acontecem”, explica Cristiano. Ele já chegou a perder R$ 7 mil em um mês, mas acha que isso é normal. “Já vi gente perdendo muito mais, R$, 50 mil, R$ 600 mil”, afirma.
Para evitar riscos, Cristiano tem meta de ganhos e um limite de perdas, para evitar prejuízos muito altos. Ele opera mais contatos futuros de dólar e um pouco de Índice Futuro. “Ações só de vez em quando, Petrobras e Vale”, diz. O dinheiro das economias, por sua vez, fica em Tesouro Direto. “Como o emocional no mercado é muito importante, deixo o dinheiro aplicado em algo bem conservador, e aproveito para usar os títulos como garantia das margens nas corretoras”, explica. Ele usa a estratégia chamada de “tape reading”, que analisa as posições dos grandes investidores do mercado e a partir de seus movimentos indica uma tendência para os ativos. “Se um grande investidor compra quando o dólar cai pode ser um sinal de alta mais adiante”, explica.
Apesar do sucesso, Cristiano alerta que poucos conseguem se dar bem na atividade de “trader”. Dos que tentam, 80% a 90% não ganham ou quebram”, diz. Ele mesmo, apesar de gostar da adrenalina do mercado, às vezes não aguenta e tensão. “Na hora do desespero, tiro o valor financeiro (que mostra quanto em dinheiro se está perdendo) da tela e olho só a operação”, admite.