Alteração na lei só entra em vigor ao fim deste ano e abre caminho, segundo especialistas, para conta em dólares no país no futuro | Foto: Lee Jae-Won/Reuters (Lee Jae-Won/Reuters)
Marília Almeida
Publicado em 7 de janeiro de 2022 às 06h25.
Última atualização em 12 de janeiro de 2022 às 19h21.
A nova Lei Cambial (14.286/2021) foi sancionada no dia 30 de dezembro de 2021 e entrará em vigor no fim deste ano. Mas, afinal, o que ela muda na vida de quem usa moedas estrangeiras?
Além de desburocratizar processos para empresas e incentivar a atração de capital estrangeiro, a nova legislação traz regras para pessoas físicas que compram ou vendem moeda estrangeira.
Voltou de uma viagem para o exterior com dólares sobrando da carteira e pensou em vender para alguém que vai viajar? Pois saiba que isso era proibido pelo BC e continuará a ser até o fim deste ano. Apenas em 2023, quando a nova lei entra em vigor, isso passará a ser autorizado.
Mas haverá limitações. O limite para a negociação de moeda estrangeira entre pessoas físicas de forma eventual e não profissional será de US$ 500. Quem negociar moedas de forma recorrente e em valores acima de US$ 500 corre o risco de ser enquadrado como doleiro, atividade que continua proibida no país.
O novo marco cambial também ampliou para US$ 10.000, ou o equivalente em outras moedas, o limite para ingressar ou sair do Brasil sem ter que declarar o porte de valores em espécie.
Ou seja, levando em conta a cotação do dólar desta quinta-feira, dia 6 de janeiro, qualquer brasileiro poderia carregar o equivalente a até R$ 57.000 em espécie. Mas as regras entram em vigor em 2023. Atualmente, o limite é de R$ 10.000.
Com relação a contas em moeda estrangeira no Brasil, o Banco Central frisa que a nova lei não traz qualquer inovação quanto às situações em que tais contas são admitidas nem traz indicativo para expansão dessas possibilidades.
Mas, segundo especialistas, a nova lei seria o primeiro passo para a permissão de contas em dólar no Brasil, uma vez que transfere ao BC e ao Conselho Monetário Nacional a responsabilidade sobre eventuais normas nesse sentido.
Caso o BC decida conceder a permissão, a abertura de conta em moeda estrangeira possibilitará a realização de viagens internacionais e de transações internacionais (como a compra de produtos ou serviços) na moeda escolhida, evitando o custo de encargos tributários existentes hoje na utilização de cartão de crédito no exterior e em cartões pré-pagos em moeda internacional -- é o caso da alíquota de 6,38% de IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), diz César Garcia, diretor jurídico do Travelex Bank.
Bancos digitais como o C6 Bank e fintechs como a Nomad e a Wise (ex-Transferwise) já oferecem contas em moedas estrangeiras. Contudo elas são mantidas em outros países, uma vez que não há regulação própria para elas no Brasil, conta Pedro Barreiro, líder da expansão da Wise.
"Trazer essas contas para a nossa estrutura no país trará maior segurança jurídica para os clientes e nos permite agregar a ela outros produtos que já oferecemos no país", afirma Barreiro.
A conta em dólar pode ser usada, por exemplo, por trabalhadores freelancers que recebem por serviços no exterior em moeda estrangeira, para investir no exterior ou receber dinheiro de parentes em intercâmbio, diz Barreiro.
"Além disso, muitas pessoas se sentem confortáveis em ter uma reserva em moeda forte. Sem opção de conta corrente neste formato, acabam optando por dinheiro em espécie. Portanto, a criação de contas em dólares traria mais controle desse mercado ao BC", afirma.
No novo marco cambial, o BC também permite a criação de contas em reais no exterior. A nova regra está em linha com uma das funções programadas para o Pix, a transferência internacional.
A implantação vai depender, no entanto, do apetite de cada país por essas contas. "É necessário observar se o real será relevante lá fora. Na América do Sul, provavelmente será. Mas é um processo demorado, que dependerá do desempenho da moeda nos próximos anos", diz Kenneth Antunes Ferreira, sócio da área de Bancário, Operações e Serviços Financeiros do escritório de advocacia Lefosse.
Atualmente é difícil encontrar contas em reais para brasileiros que vivem no exterior, aponta Renata Cardoso, sócia da área Bancário, Operações e Serviços Financeiros do Lefosse. "Em muitos casos, os não-residentes optam por não dar baixa na residência no Brasil para continuarem a se beneficiar da conta em reais", explica.
O novo marco cambial busca mudar esse panorama. O artigo 5º estabelece que contas em reais detidas por não-residentes passarão a ter o mesmo tratamento que as contas em reais mantidas por residentes, exceto pelos requisitos e procedimentos que a BC vier a estabelecer. "É algo muito importante para quem tem família no exterior e idas e vindas de recursos, como pagamento de pensão a filhos e negociação de bens no país", afirma Cardoso.
Mas será necessário esperar a regulamentação do BC para verificar se os bancos vão operar essas contas, diz Ferreira, do Lefosse.
O novo marco cambial prevê estímulos à redução de estruturas operacionais e jurídicas dos participantes do mercado de câmbio, o que, em tese, irá incentivar a entrada de novas empresas no mercado e reduzir custos para quem utiliza os serviços.
Renata Cardoso, do Lefosse, cita um exemplo. "Os bancos poderão passar a pedir que os próprios clientes classifiquem suas operações cambiais, o que poderá significar uma redução no custo de observância, monitoramento e back office, algo que hoje é repassado aos clientes."
A redução de "papelada" burocrática deve se traduzir em spreads mais baixos e valores menores cobrados na troca de moeda estrangeira, diz Pedro Barreiro, da Wise. Mas ele aponta que é prematuro fazer previsões sobre o tamanho do impacto. "Vai depender de como o BC irá normatizar e regulamentar a lei ao longo deste ano."
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