Guilherme Benevides (à esq.), CEO da Gafisa Incorporadora e Construtora, e Ian Andrade, CEO da Gafisa Capital | Foto: Leandro Fonseca (Leandro Fonseca/Exame)
Marcelo Sakate
Publicado em 22 de novembro de 2021 às 06h35.
Última atualização em 22 de novembro de 2021 às 11h54.
O mercado imobiliário residencial tem um ano de recordes de lançamentos e vendas. São números que refletem um quadro recente de condições macroeconômicas favoráveis, mas que contrastam com perspectivas menos auspiciosas diante do encarecimento do crédito e dos próprios imóveis. Em meio a esse cenário, uma das mais tradicionais incorporadoras do país, a Gafisa (GFSA3), começa a colher os resultados de seu processo de reestruturação, ao mesmo tempo em que acelera a execução da estratégia para se tornar mais resiliente e diversificar o crescimento.
Começando pela fotografia do momento: a incorporadora carioca com 67 anos de existência e forte atuação em São Paulo e no Rio de Janeiro atingiu no terceiro trimestre, contando lançamentos e pré-lançamentos, a marca de 1,684 bilhão de reais em VGV (Valor Geral de Vendas), sinalizando que vai superar, portanto, o guidance (projeções da empresa sobre seu próprio desempenho em determinado período) de 1,5 bilhão de reais de lançamentos em 2021. Os números foram divulgados na última semana.
"Superamos o guidance com lançamentos de qualidade, atuando com seletividade e critério nos projetos. Em 18 meses, a nova administração da Gafisa lançou 2,5 bilhões de reais, em projetos com bons resultados e boas margens", disse Ian Andrade, diretor de Relações com Investidores da Gafisa, à EXAME Invest. Ele é também CEO da Gafisa Capital, a nova unidade de negócios da companhia voltada para investimentos imobiliários.
Os lançamentos em si da incorporadora totalizaram 691,7 milhões de reais de julho a setembro e 1 bilhão de reais no ano, praticamente quatro vezes o volume de 271 milhões de reais nos nove primeiros meses de 2020.
"A qualidade dos lançamentos tem uma consequência direta que é o aumento da margem bruta e a melhora dos resultados. A margem bruta tem subido trimestre a trimestre porque os novos projetos têm indicadores econômico-financeiros melhores do que os da safra anterior", explicou Andrade, que assumiu o cargo em março de 2020.
As vendas brutas, por sua vez, somaram 159,4 milhões de reais no trimestre e 523,5 milhões de reais no ano, com crescimento de 133,7% no acumulado de janeiro a setembro na comparação anual. A margem bruta subiu de 29,4% no segundo trimestre para 39,7% no terceiro (estava em 22,7% no primeiro). A empresa teve um lucro líquido de 6,2 milhões de reais no trimestre, revertendo o prejuízo de 56,5 milhões de reais um ano antes.
"Depois de ficar praticamente paralisada, a companhia recuperou a capacidade de voltar a construir, fazer lançamentos, entregar e comprar ativos. Os resultados que estamos colhendo são a coroação de todo o trabalho, embora ainda haja muito a ser feito", disse Guilherme Benevides, diretor executivo (CEO) da Gafisa Incorporadora e Construtora.
O executivo, que assumiu o comando em maio de 2019, faz referência ao tumultuado período anterior, em que investidor sul-coreano Mu Hak You, da gestora GWI, dava as cartas. Foi um período marcado por paralisia de obras e atrasos no pagamento a fornecedores e de entrega de imóveis.
Durante dois anos, entre 2018 e 2020, a incorporadora não teve nenhum lançamento, em um período que incluiu a crise na administração anterior e o começo da reestruturação.
Depois que You foi destituído, o investidor Nelson Tanure assumiu o controle da companhia, que tem o capital pulverizado na bolsa brasileira, a B3. Benevides e Andrade chegaram em momentos distintos para compor a nova gestão.
Os dois executivos disseram que os resultados também refletem a retomada da confiança de stakeholders do setor imobiliário -- clientes, proprietários de terrenos, fornecedores e instituições financeiras -- na Gafisa, algo que ficou abalado com a suspensão de pagamentos e os atrasos na entrega de unidades.
"A primeira tarefa que fizemos quando chegamos foi levantar funding para as obras já em andamento. Captamos mais de mais de 700 milhões de reais em 18 meses, para as obras em andamento e a nova safra. Entregamos 3.000 unidades. Adquirimos quase 3 bilhões de reais em VGV de terrenos. Estamos aumentando a força de venda a cada trimestre", elencou o CFO sobre algumas das medidas adotadas pela nova gestão em dois anos e meio.
Andrade destacou o fato de que o resultado financeiro já começa a capturar a melhora operacional em um setor em que, dadas as suas características de cadeia longa, esse efeito costuma vir somente algum tempo depois.
"A força da marca, uma das mais fortes, senão a mais forte do mercado, também ajudou muito", afirmou.
Entre os projetos lançados no terceiro trimestre estiveram o TOM Delfim Moreira, com VGV estimado em 190 milhões de reais, que ganhou destaque no noticiário por causa do valor recorde de 100 mil reais o metro quadrado de venda no último terreno disponível na orla do Leblon, na zona sul do Rio de Janeiro; e o Ibirapuera Park House, com VGV estimado de 213,6 milhões de reais, em Moema, a 400 metros do Parque Ibirapuera, em São Paulo.
Em pré-lançamento, o destaque do trimestre foi o primeiro branded building da Gafisa, o Tonino Lamborghini, em parceria com a marca italiana que leva o nome do herdeiro da Lamborghini. Localizado no bairro do Jardim Paulista, em São Paulo, terá VGV estimado de 244,4 milhões de reais.
"O mercado está começando a entender que se associar a marcas de luxo e de lifestyle agrega valor ao projeto. Isso vale tanto para empresas como clientes. O empreendimento acompanha a valorização da marca", disse Benevides. Isso se traduz em valores de metro quadrado 20% acima do praticado em outros imóveis novos na microrregião, explicou.
"Os dois projetos, o TOM Delfim Moreira e o Tonino Lamborghini, representam o início do novo posicionamento da Gafisa: no segmento de alta renda, com empreendimentos de luxo, muito bem localizados e projetos assinados, com arquitetura e design de escritórios internacionais", afirmou o CEO da Gafisa Incorporadora e Construtora.
A incorporadora vai atuar também no segmento de média-alta renda, segundo ele, mas aplicando o mesmo conceito de proposta de valor e arquitetura com assinatura. Um exemplo, segundo ele, será um lançamento previsto para o próximo ano no bairro do Butantã, perto do Jockey Clube, em São Paulo, cujo projeto será assinado pelo mesmo escritório contratado para o TOM Delfim Moreira -- o americano Gensler -- e preços de venda cerca de 20% acima do que se pratica no bairro.
"É uma estratégia que nos permite capturar mais valor em cima dos projetos", explicou Benevides, que pontuou que há outras vantagens relacionadas.
"O posicionamento em alta e média-alta renda, em um momento de turbulência da economia e de taxas de juros altas, se mostra mais importante e nos dá resiliência. Primeiro, porque o mercado imobiliário funciona como um refúgio; segundo, porque são famílias com um poder de compra maior e menor deterioração da renda", disse. "Conseguimos em geral repassar o aumento dos custos de construção para o valor do imóvel e até ampliar a margem."
Mas a recuperação da capacidade de lançamentos e vendas conta apenas uma parte da reestruturação e do que os executivos e o conselho pretendam que se torne a nova Gafisa. "A visão macro é voltar a ser a líder do setor imobiliário brasileiro. Para que isso aconteça, nos dias de hoje, não basta ser uma grande incorporadora", disse Andrade, ressalvando que essa frente de negócios continuará a ser a principal responsável pelo resultado e pela marca.
"O braço de incorporação é o motor para as outras áreas e gera as oportunidades", definiu Benevides, em referência às unidades de negócios em investimentos imobiliários -- a Gafisa Capital liderada por Andrade --; de gestão de propriedades e imóveis comerciais; de soluções em geral para moradia, de financiamento e seguros a reformas e decoração; e de construção. O objetivo como um todo é se tornar um dos maiores marketplaces voltados ao mercado imobiliário.
"Oferecemos ao mercado de capitais oportunidades de investimento nos projetos e nos ativos da Gafisa", contou Andrade sobre o modelo de negócios da Gafisa Capital. "Há várias teses de investimento, no terreno, no projeto, no imóvel pronto etc., que podemos estruturar e levar a mercado, em cima de ativos que temos dentro de casa. O plano é tornar a Gafisa mais asset light, ou seja, que possa operar mais com capital de terceiros."
É justamente a Gafisa Capital a unidade de negócios que já começa a entregar resultados: ela fechou o terceiro trimestre -- o seu primeiro em operação -- com 250 milhões de reais em captação junto a family offices.
Foram 100 milhões de reais para a aquisição de terrenos que vão gerar lançamentos com VGV estimado de 510 milhões de reais em São Paulo; e 150 milhões de reais para reciclagem de capital investido em quatro terrenos, que somam 800 milhões de reais em VGV (nessa modalidade, o capital investido pela Gafisa é "substituído" pelos novos aportes, com ganhos de capital).
Apesar da captação diretamente com grandes investidores, faz parte dos planos estruturar fundos que possam levantar recursos junto a um número maior de investidores, incluindo os de varejo. Isso, porém, não está em vista no curto prazo em razão do momento de quase paralisia desse mercado com a disparada das taxas de juros.
Em todos os casos, explica Andrade, a Gafisa Capital vende uma fatia próxima a um quarto e um terço do projeto, para assegurar que os investidores entrem como sócios com alinhamento de interesses ao da empresa, em projetos imobiliários de médio e longo prazo. "Não é o objetivo somente pegar o dinheiro no mercado."
Em meio às novidades e ao que ainda deve ser colocado em prática, a Gafisa recentemente colocou no mercado uma campanha para apresentar a nova estratégia e suas frentes de negócio. É uma das ações previstas para alcançar outro objetivo fundamental no plano de retomada da companhia: reconquistar a confiança do investidor.
A companhia tinha valor de mercado de 712 milhões de reais na última sexta, dia 19, acima dos 400 milhões de reais no momento mais delicado de sua crise, no início de 2019, mas distante do 4,5 bilhões de reais de 2010 e abaixo dos valores até do início deste ano. As ações acumulam queda superior a 50% em 2021, castigadas pelo cenário adverso da bolsa e das empresas do setor -- o IMOB, Índice Imobiliário da B3, tem queda de 28% no ano.