(EXAME)
Da Redação
Publicado em 15 de julho de 2012 às 10h00.
São Paulo - Quem já esqueceu a carteira em casa ou foi roubado sabe o quanto parece ser impossível sobreviver sem dinheiro, mesmo por pouco tempo. É por isso que a alemã Heidemarie Schwermer, que conseguiu a proeza de viver 16 anos sem dinheiro, tem chamado atenção de curiosos no mundo todo.
A ex-psicoterapeuta de 69 anos doou tudo que tinha, sua casa e todos seus bens e desde então vive oferecendo serviços e seu conhecimento a amigos em troca de uma cama para dormir, alimentos e itens básicos. Ela admite que fazendo isso, apesar de viver sem o seu próprio dinheiro, de uma forma ou de outra, acaba vivendo com dinheiro, mas dos outros. Esta é a principal crítica sobre sua experiência, mas ela defende que se todos entrassem na onda de viver sem dinheiro isto seria diferente. E para os mais céticos, sua visão pode parecer um tanto sonhadora.
Críticas e utopias à parte, a experiência de Heidemarie ressalta interessantes pontos sobre o nível de dependência do dinheiro presente nos dias de hoje. A história fica ainda mais interessante porque ela diz que passou a viver muito mais feliz depois de abrir mão de sua "vida monetarizada", conforme retrata o documentário que tornou famosa a sua experiência, "Living Without Money".
Em entrevista à EXAME.com, Heidemarie Schwermer explicou como está vivendo agora, qual foi o momento em que ela quis voltar atrás, se a sua experiência seria possível no Brasil e o que ela diria a uma pessoa muito pobre que sonha em viver com dinheiro. Veja a seguir.
EXAME.com - Por que você decidiu viver sem dinheiro e quando você tomou essa decisão?
Heidemarie Schwermer - Quando eu me mudei para Dortmund, uma cidade cinza com muita gente pobre, meu pensamento sobre o que eu poderia fazer de diferente começou. Então, eu fundei um grupo de trocas na Alemanha, o “Gib&Nimm" (Doe & Ganhe). Ali, eu mudei e aprendi a conseguir muitas coisas sem dinheiro, fazendo trocas de favores. Cada pessoa dá o que ela pode e recebe o que ela precisa sem usar o dinheiro, mas oferecendo seus conhecimentos. Eu passei a perceber que eu precisava de menos e menos dinheiro. Depois de dois anos, eu resolvi fazer um experimento: viver sem dinheiro por um ano. Agora, já viraram 16 anos.
EXAME.com - Onde você está vivendo neste momento?
Heidemarie - Eu estou em Dortmund por uma semana, em uma casa, onde eu fico várias vezes. A dona da casa é uma professora e ela não fica aqui nas férias. Ela fica feliz quando eu venho porque eu olho os seus gatos e as plantas. E eu gosto daqui porque eu tenho tudo que eu preciso: internet, telefone, livros e outras coisas.
EXAME.com - Como foi viver estes 16 anos sem dinheiro?
Heidemarie - Tudo aconteceu passo a passo. No começo, eu fazia “house sitting” (prática na qual um proprietário oferece moradia a alguém em troca de serviços domésticos) em diferentes casas dos participantes do grupo de trocas de Dortmund. Depois eu também comecei a viver em casas de estrangeiros e agora tenho vários amigos que gostam que eu vá viver com eles. É uma vida agradável. Eu estou trabalhando muito, ajudando outras pessoas com problemas ou coisas que elas precisam. E eu faço conferências, diversas entrevistas, escrevo livros e tenho uma vida bastante variável.
EXAME.com - O que você faz com o dinheiro arrecadado em palestras e livros?
Heidemarie - Todas as coisas que eu não preciso eu dou para os outros. Eu não preciso de dinheiro, por isso eu dou tudo para outras pessoas que precisam. Eu ganho muitas doações de muitas pessoas também.
EXAME.com - Por que você prefere viver sem dinheiro?
Heidemarie - O nosso mundo, do jeito como ele é, é muito complicado. Dinheiro é a chave para todas as coisas e você tem que fazer muito para ganhar essa chave. Geralmente, você não consegue abrir portas sem dinheiro. Mas, eu mostro que outra vida é possível e é uma vida muito mais fácil, uma vida sem competição, sem ódio e todas as outras coisas horríveis.
EXAME.com - Qual foi a parte mais difícil de viver dessa forma?
Heidemarie - A energia em cada casa é muito diferente. Às vezes, isso é um pouco difícil para mim. Mas, como eu quero aprender sobre isso, isso também acaba sendo bom para mim. Então, ficando mais próxima de outras pessoas, eu consigo entendê-las melhor e amá-las mais.
EXAME.com - No Brasil, o sonho de muitas pessoas é ter uma casa própria. Como foi abrir mão da sua casa?
Heidemarie - Propriedade para mim não é importante. Todas as coisas que eu realmente preciso vêm a mim, sempre, sem mais. Eu não gosto de ter bens, eu não preciso. Para mim, ter bens é como um peso, um lastro.
EXAME.com - Viver 16 anos com favores e trocas não é muito utópico?
Heidemarie - Não. É apenas uma outra realidade, de dividir com outros, porque eu me doo muito também.
EXAME.com - Você já teve vontade de voltar a viver como antes?
Heidemarie - Apenas uma vez eu pensei em voltar a viver minha antiga vida. Isso aconteceu cinco anos depois de eu ter começado a viver sem dinheiro, quando eu passei por um período que havia apenas trabalho de limpeza para mim. Em minha última profissão, eu atuava como psicoterapeuta, mas nesse ano ninguém queria saber do meu conhecimento na área.
EXAME.com - Como você consegue pagar pela sua comida, roupa, internet e contas de gás, água e luz?
Heidemarie - Eu abri mão da minha própria casa, então eu não tenho que pagar contas. E a maior parte do tempo eu vivo com outras pessoas. Como elas ficam felizes por eu estar lá, elas oferecem tudo que eu preciso. Internet e telefone são na maioria das vezes cobrados como "flat rate" (cobrança feita com um preço fechado e não proporcional à quantidade de uso), então eles não têm que pagar gastos extras por minha causa.
EXAME.com - Alguns dizem que na verdade você não vive exatamente sem dinheiro.
Heidemarie - Tem gente que diz: você não esta vivendo sem dinheiro, você está vivendo do "nosso" dinheiro. Eles estão certos, mas é porque eles ainda vivem com dinheiro também. Eu consigo imaginar um mundo inteiro sem dinheiro e com outros valores. Talvez isto dure apenas um tempo. Para mim é uma realidade, um novo mundo maravilhoso.
EXAME.com - Você teve alguma despesa médica. Se sim, como você arcou com os custos?
Heidemarie - Eu não tomo remédios e não vou a um médico há mais de 20 anos. Eu acredito na nossa capacidade de autocura e isso me ajuda a ser saudável.
EXAME.com - Você não teve que pagar nenhum tipo de impostos ou taxas?
Heidemarie - Não.
EXAME.com - No Brasil e em outros países emergentes, as políticas de governo não assistem tão bem quem não tem dinheiro como em outros países. Você acredita que a sua experiência seria possível aqui? Algum tipo de política do governo alemão te ajudou nestes anos?
Heidemarie - Eu sei que eu vivo em um país muito rico. Mas, o que eu faço é em prol de um pensamento diferente. Eu quero mostrar que se as pessoas dividirem entre si poderia existir um mundo diferente, porque todo mundo, mesmo com mais ou menos dinheiro, tem grandes talentos para compartilhar com os outros. E eu faço minhas coisas sem o governo. Eles me deixaram e eu os deixei. Para mim, apenas as pessoas são importantes porque elas ajudam umas às outras.
EXAME.com - O que você percebeu que as pessoas compram apenas por impulso?
Heidemarie - Muitas pessoas compram por estarem tristes. Elas procuram a felicidade nas coisas materiais e não entendem que isso não é possível. Muitas pessoas fazem muito por dinheiro, mesmo coisas insanas, porque elas acreditam ser necessário. Elas acreditam que o sistema que vivemos é a única forma de viver. Eu acredito que existem diferentes chances para os seres humanos.
EXAME.com - O que você diria a uma pessoa muito pobre que sonha em viver com dinheiro para ter uma vida decente?
Heidemarie - Eu o entenderia por saber que ela está em uma situação ruim. Ninguém quer dividir as coisas com ela. Mas o “meu novo mundo” é tão diferente do que temos agora que não haveria pessoas nesta situação.
EXAME.com - Seus filhos apoiam a sua experiência?
Heidemarie - Eles ficam contentes com o meu estilo de vida porque eles entendem a minha causa.