Auxílio emergencial (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
Marcelo Sakate
Publicado em 25 de setembro de 2020 às 08h00.
O pagamento do auxílio emergencial pelo governo gerou uma renda extra de de 600 ou 1.200 reais para mais de 65 milhões de pessoas a partir de abril. É um volume que, somado, chegou a cerca de 46 bilhões de reais somente no mês de julho. Para o governo e economistas, a grande questão é saber como esse dinheiro tem sido gasto: ele é o responsável, por exemplo, pela retomada gradual do consumo?
Um levantamento do Nubank com cerca de 500 mil clientes e dados coletados entre 20 de abril e 29 de maio -- período em que o benefício não era depositado obrigatoriamente na Caixa -- dá pistas sobre como essa renda tem sido utilizada pelos brasileiros. E as evidências apontam para o uso consciente dos recursos, como o pagamento de contas e uso do débito, em detrimento de gastos com consumo ou compras parceladas.
Essas inferências são tiradas a partir da constatação de que houve um aumento de 160% nos gastos (via pagamentos de boleto, saques e transferências) de quem recebeu o auxílio no dia em que ele foi depositado -- na comparação com semanas pré-pandemia.
"Identificamos que o valor do auxílio emergencial está sendo usado para suprir necessidades financeiras imediatas, como despesas da casa e supermercado, o que reforça uma boa gestão financeira do benefício", afirma David Vélez, CEO do Nubank.
No caso de boletos, a alta nos pagamentos chegou, por exemplo, a 386% na primeira semana de maio, o que endossa o diagnóstico sobre o uso preferencial dos recursos para o pagamento de contas. Outro aumento expressivo ocorreu nos saques em dinheiro.
Um em cada seis clientes (16%) do Nubank realizou o pagamento da fatura do cartão de crédito assim que recebeu o benefício. Isso sinaliza a escolha de evitar o atraso em uma das dívidas mais caras que existem.
Outra descoberta da amostra é que, apesar do aumento dos gastos no dia do depósito do auxílio, os recursos utilizados correspondem a 25% do valor do benefício. Os demais 75% são utilizados ao longo do mês, reforçando a tese de que se tornou uma importante, se não a principal, fonte de renda de milhões de brasileiros.
Por outro lado, despesas que poderiam estar mais associadas ao consumo, realizadas com o cartão de crédito, praticamente não sofreram alterações no período estudado. É a única modalidade de pagamento em que isso acontece.
"Os clientes que recebem a Renda Básica Emergencial não parecem alterar seus padrões de consumo no cartão de crédito, pois, como sabem que o auxílio tem data para acabar, não consideram essa renda no orçamento familiar futuro", escrevem os autores do estudo, o engenheiro Alan Scoralick Torres, analista sênior de negócios do Nubank, e a economista Rafaela Nogueira, da área de Relações Institucionais do banco.
Vale lembrar que o auxílio é pago a desempregados ou microempreendedores individuais (MEI) e trabalhadores informais cuja renda mensal não supere o equivalente a meio salário mínimo (522,50 reais).
As evidências coletadas a partir da ampla base do Nubank não significam, no entanto, que o peso do auxílio emergencial sobre a retomada do consumo não seja significativo. Isso pode acontecer especialmente em cidades nas quais a relevância do benefício é maior, seja pela maior incidência de emprego informal ou pela limitação de outras fontes de renda.
É o que sugere um estudo do Banco Central divulgado no Relatório Trimestral de Inflação na quinta-feira, 24, que buscou estimar a relação entre o auxílio e o eventual aumento do consumo por meio das compras do cartão de crédito.
Os dados do estudo também inferem que a parcela do auxílio emergencial dedicada à poupança foi reduzida, o que endossa as descobertas dos dados do Nubank sobre a importância do benefício como principal renda do mês de milhões de pessoas.