André Esteves, do BTG Pactual: nem ele nem os sócios poderão vender as próprias ações a valor de mercado (Julio Bittencourt)
Da Redação
Publicado em 5 de abril de 2012 às 09h36.
São Paulo – Quem está pensando em se tornar sócio do BTG Pactual já deve começar a se preparar. O pedido de reserva das ações no IPO (oferta pública inicial, na sigla em inglês) vai de 11 a 23 de abril. Mas a pergunta que qualquer investidor deve estar fazendo neste momento é: “será que é um bom negócio?” Para gestores de fundos de investimento que estudaram o prospecto da oferta e participaram do “road show” em que executivos do banco apresentaram o IPO, a instituição financeira é de excelente qualidade. “É fato que o banco é muito agressivo. O André Esteves [controlador do BTG] é visto hoje como uma espécie de Eike Batista das finanças.”
Também joga a favor do sucesso do IPO o enorme esforço de venda das ações. Os próprios sócios estrangeiros do BTG Pactual têm ajudado na divulgação da oferta lá fora. Também foram contratados para assessorar a venda nada menos do que nove bancos: Bradesco BBI, JPMorgan, Goldman Sachs, Citi, BB Investimentos, Morgan Stanley, Deutsche Bank e UBS, além do próprio BTG. Esses bancos podem não apenas oferecer os papéis aos investidores, mas também dar crédito a alguns fundos que estejam considerando a possibilidade de se endividar para comprar mais ações. Para os mais otimistas, o sucesso da oferta pode até mesmo destravar os IPOs na Bovespa – que andam em baixa desde meados do ano passado.
Para os gestores mais cautelosos, entretanto, há ao menos três pontos que geraram surpresa e até certa confusão no mercado – e que valem uma bela reflexão dos investidores interessados:
1 – Os principais sócios do banco não venderão as próprias ações na oferta e só poderão fazer isso depois se aceitarem um grande desconto
Esse foi o ponto do prospecto mais que gerou mais burburinho no mercado. No documento, o BTG Pactual revela que todos os 163 sócios-executivos do banco, que detêm 84% do capital, não venderão seus papéis no IPO. Mas o que mais surpreendeu é que, se quiserem vender suas participações no futuro ou se o próprio banco desejar recomprá-las “a qualquer tempo e por qualquer razão”, os sócios não receberão pelos papéis o valor equivalente à cotação na Bovespa, mas o valor contábil da ação.
No caso do BTG Pactual, isso faz uma diferença e tanto. Se a oferta sair dentro da faixa de preço estimada pelos coordenadores, o banco pode ser listado na bolsa por até três vezes o valor do patrimônio líquido. Caso esse patamar de preço se perpetue, o sócio que quiser ou seja forçado a deixar a companhia terá de vender suas ações por um terço do valor de mercado.
A política é totalmente diferente da adotada pelos principais bancos de investimento ao redor do mundo. O Goldman Sachs, por exemplo, não adotou esse tipo de restrição quando começou a ser listado em bolsa. O próprio BTG Pactual reconhece essa diferença no prospecto e apresenta três justificativas para a decisão: 1) assegurar o contínuo comprometimento dos executivos após a oferta; 2) perpetuar a vantagem competitiva da instituição; e 3) atrair e reter futuras gerações de talentos. O BTG também tem dito a investidores que o Goldman Sachs perdeu diversos sócios importante após a abertura de capital e que não quer correr o mesmo risco.
No curto prazo, os investidores consideram que a dura política contra desligamentos deve ser suficiente para que o banco mantenha os principais executivos em seus quadros. Afinal, a única forma de deixar o banco vendendo a participação a valor de mercado é se a própria instituição for vendida para um grande rival – o Goldman Sachs ou o Bradesco, por exemplo. Nesse caso, todos os sócios teriam direito a receber o mesmo valor do controlador, André Esteves.
O mercado, entretanto, acredita que o feitiço possa virar contra o feiticeiro a médio ou longo prazo. O BTG Pactual tem entre seus sócios algumas das melhores cabeças do país. Esse é o caso de Persio Arida (ex-presidente do Banco Central e um dos pais do Plano Real) ou de Cláudio Galeazzi (consultor que foi responsável por guinadas em diversas empresas em crise no Brasil). Na prática, esses sócios não poderão se desligar do banco se decidirem seguir outros caminhos sem amargar um baita prejuízo.
Paralelamente a isso, alguns fundos e investidores estrangeiros que se tornaram sócios do banco há pouco mais de um ano e que não participam diretamente da gestão garantiram o direito de vender suas ações já na oferta ou daqui a algum tempo. Os sócios que menos influenciam diretamente no sucesso do banco, portanto, acabaram garantindo um privilégio que não foi estendido aos próprios executivos da instituição. Essa é exatamente a clásula da nova regra que é vista como potencialmente explosiva. O fato de o banco ter adotado uma política oposta á que fracassou no Goldman Sachs não é por si só um garantia de que a sociedade se perpetuará, ao menos para os investidores ouvidos por EXAME.com. Procurado, o BTG informou que não pode se manifestar sobre o assunto.
2 – O banco divulgou algumas informações confusas ao mercado e não liberou os balanços completos de anos anteriores
Alguns gestores de fundos de investimento têm reclamado da dificuldade de obter dados precisos sobre o BTG Pactual. Um bom exemplo é o lucro líquido da instituição em 2011 – um número-chave para qualquer análise. No prospecto da oferta, o banco informou que seu lucro líquido alcançou 1,922 bilhão de reais no ano passado. Já o investidor que acessa o site da CVM para ler a demonstração financeira padronizada do banco terá a informação de que o lucro foi de 1,339 bilhão de reais. Por último, o investidor que acessa o site do Banco Central e busca as informações financeiras trimestrais da instituição encontrará a informação de que o lucro foi de 1,481 bilhão de reais.
O BTG também não se manifesta oficialmente, mas tem informado aos investidores que lhe questionam que cada número obedece a um diferente critério contábil. O banco informa que o número divulgado ao BC obedece aos padrões contábeis adotados pelo próprio órgão regulador, que é difente do do mercado. Já o número informado à CVM seria o lucro líquido apenas do banco enquanto o dado do prospecto representa o ganho da holding - o que inclui participações em diversas empresas não-financeiras compradas nos últimos anos. O fato de existir uma explicação não satisfaz muitos investidores. “Tenho de escolher um número para fazer as contas sobre o preço-justo da ação. Na dúvida, me sinto na obrigação de usar o lucro menor”, afirma um gestor.
Outra reclamação envolve a ausência dos balanços completos anteriores a 2009 no prospecto da oferta. Os investidores gostariam de ver os demonstrativos fnanceiros completos de 2006, 2007 e 2008 - e não apenas alguns fragmentos de números contidos no documento. Esses documentos poderiam revelar em mais detalhes quais têm sido as principais fontes de lucros e de receitas do banco ao longo dos anos - algo especialmente importante no Brasil porque não há outros bancos de investimento listados na Bovespa. O banco, entretanto, tem dito aos investidores que a legislação não o obriga a apresentar os balanços completos anteriores a 2009 e que essa não é a praxe no mercado.
3 – O intervalo de preço proposto para a compra das ações não é nenhuma pechincha
Se as ações do BTG Pactual forem vendidas dentro do intervalo de preços sugerido pelos coordenadores da oferta, o banco deve chegar à bolsa negociado pelo equivalente a 2,5 a 3 vezes o valor patrimonial dos papéis. Isso significa que o investidor estará pagando por uma ação um valor bem mais alto que o que saiu dos bolsos dos atuais sócios do banco. Não se trata, porém, de algo incomum no setor financeiro brasileiro. Itaú e Bradesco costumam ser negociados por 2 a 2,5 vezes o valor do patrimônio líquido na Bovespa – o que reflete a qualidade e o histórico de rentabilidade dessas instituições.
Para os investidores, o problema é que 3 vezes o patrimônio líquido pode ser um preço que embute um prêmio muito alto pelo direito de se associar ao BTG. O múltiplo preço/lucro também revela que não se trata de nenhuma pechincha. Se considerado que o lucro do ano passado foi de 1,339 bilhão de reais, o banco valeria em bolsa mais de 20 vezes o próprio lucro aos preços pedidos. No caso de Itaú e Bradesco, as ações valem hoje cerca de 11 vezes o lucro.
Há uma parcela do mercado que acredita que o mais correto não seria comparar o BTG Pactual com o Itaú ou o Bradesco, mas com grandes bancos de investimento internacionais, como o Goldman Sachs, o Morgan Stanley, o UBS e o Credit Suisse. Mesmo nesse caso, entretanto, nenhum investidor chegará à conclusão de que a ação do BTG está barata. Os múltiplos dos bancos estrangeiros foram muito afetados pela crise de 2008. A expectativa de que os governos dos países ricos regulem de forma cada vez mais rigorosa o setor de bancos de investimento não ajudou na recuperação nos anos seguintes. É por esse motivo que o Itaú vale hoje em bolsa mais que o Goldman Sachs, o maior banco de investimentos do mundo.
Nas apresentações feitas as investidores dentro do “road show”, os executivos do BTG têm justificado que o banco merece o prêmio proposto devido ao grande potencial de crescimento da instituição. A estimativa de lucro líquido para este ano, constantemente prometida aos investidores, é de algo próximo a 2,5 bilhões de reais – o que tornaria os múltiplos pedidos pelas ações do banco bem menos esticados. Outra justificativa para o preço é que o BTG é um negócio menor e bem mais recente que o Itaú ou o Bradesco, o que lhe confere maior potencial de crescimento.
O mercado, entretanto, não está 100% certo disso. O que mais preocupa os investidores é que os resultados de 2011 e 2012 do banco estão bem inflados por ganhos de tesouraria. O BTG acertou em cheio no ano passado quando o Banco Central começou a baixar os juros e voltou a lucrar na última reunião do Copom, que culminou com um corte de 0,75 ponto percentual na Selic. O problema é que ganhos de tesouraria como esses envolvem apostas arriscadas que nem sempre são recorrentes.
Quem comprar a ação do BTG Pactual a 3 vezes o valor patrimonial poderá, portanto, estar fazendo uma aposta alavancada de que a economia brasileira continuará a brilhar nos próximos anos – e que não faltarão fusões e aquisições, emissão de ações e operações no mercado de renda fixa para o BTG Pactual assessorar no futuro. “Mas há um risco nisso. Estou avaliando entrar na operação apenas se a ação sair por algo próximo a 2,5 vezes o valor patrimonial”, diz um gestor.