Bitcoin: na falta de um regulador de mercado, questões acabarão na Justiça (Thomas Trutschel/Getty Images)
Marília Almeida
Publicado em 7 de junho de 2019 às 12h24.
São Paulo - Em vídeo divulgado no Twitter, o Grupo Bitcoin Banco, dono das corretoras de criptomoedas Negociecoins, BATexchance e TemBTC, informou que vai manter a limitação de pedidos de saques dos clientes em R$ 10 mil por dia com um teto de R$ 50 mil por mês. A empresa informou ainda que o pagamento dos saques pedidos não tem prazo definido, devido ao grande volume de solicitações pendentes.
Com sede em Curitiba, o Bitcoin Banco é uma das maiores empresa de negociação de moedas digitais do país, com cerca de 100 mil clientes, e chegou a lançar recentemente uma moeda própria, o BR2EX, com lastro em ouro.
A empresa suspendeu os resgates no dia 28 de maio, denunciando que havia sido vítima de fraudes que levaram a perdas com resgates irregulares de R$ 50 milhões, e prometendo uma solução até 5 de junho. Pouco antes, em 20 de maio, o grupo teve suas contas correntes encerradas pelo Banco Brasil Plural, o que, segundo o Bitcoin Banco, teria dificultado os pagamentos. A Negociecoins e outras empresas do grupo, e o dono da empresa, Claudio Oliveira, tiveram R$ 726 mil bloqueados pela Justiça na segunda-feira para pagamento de um credor.
Dia 5, no fim do prazo dado pela empresa, o próprio Oliveira gravou um pronunciamento em vídeo afirmando que as operações vão voltar à normalidade, mas não deu novos prazos. Ele anunciou ainda que comprou uma empresa de arranjos de pagamento regulada pelo Banco Central (BC) para ajudar a solucionar os problemas das empresas, que tiveram suas contas correntes encerradas pelo Banco Brasil Plural. Ele não informou, porém, o nome da empresa comprada.
No vídeo com as explicações sobre os saques, o Bitcoin Banco anunciou que os clientes das corretoras terão de abrir uma conta nessa empresa de arranjos de pagamento, que começará a operar na segunda-feira e se chamará Negociecoin Express. Os atuais investidores da NegocieCoins e TemBTC terão de pedir um cartão da nova empresa.
O Banco Bitcoin está oferecendo como alternativa aos investidores sacarem seus recursos na moeda criada pela sua controlada, a Negociecoins, chamada de BR2EX, uma moeda virtual com lastro em ouro. A moeda seria referenciada no metal com preço equivalente a 1 grama de ouro por token. Seria uma forma de o Bitcoin Banco não depender de instituições financeiras. A garantia da moeda, porém, é o próprio emissor, que teria de manter um estoque de ouro em custódia para lastrear a moeda em circulação.
Em BR2EX, a empresa permitirá saques equivalentes a R$ 30 mil por dia até R$ 100 mil por mês. Até 25 de junho, não serão cobradas taxas de saques. E também em BR2EX não há prazo definido para os pagamentos de saques “devido ao grande volume de saques pendentes”. “Continuaremos a trabalhar para diminuir os prazos e fazer com que eles retornem o quanto antes aos conhecidos anteriormente”, diz o apresentador no vídeo da empresa.
Em seu pronunciamento, o dono do Grupo Bitcoin Banco, Claudio Oliveira, diz que as corretoras de criptomoedas do grupo vão voltar à normalidade, sem entrar em detalhes sobre as denúncias de fraudes nem sobre o impacto das perdas sobre as contas da empresa. Ele procurou tranquilizar os investidores, mas não assumiu compromissos com a normalização dos resgates, nem falou que os saques seguirão limitados, deixando a informação para ser dada em outro vídeo apresentado por um profissional.
No vídeo, Oliveira dá destaque para a compra de uma empresa de arranjos de pagamento para cuidar das operações de depósito e resgate do grupo e que, segundo ele, “vai solucionar 80% a 90% dos problemas”. Ele agradeceu aos investidores, afirmando que “foi uma estrada difícil, uma estrada de dor”, mas que a empresa se considera “como a Fênix que renasce das cinzas”. “Podemos bater no peito e ter orgulho de dizer que somos o maior grupo de criptomoedas do mundo.”
O caso do Bitcoin Banco mostra os riscos de quem pensa em investir em moedas virtuais. O Bitcoin Banco, apesar do nome, na verdade não é um banco, nem sequer é uma instituição financeira, e portanto não está sujeito aos controles e regulamentos do Banco Central (BC) brasileiro. E a empresa diz isso claramente em seu site: Está lá, em sua descrição: “Por não sermos instituição financeira, não somos regulados pelo Banco Central”. Nem o Bitcoin Banco, nem nenhuma de suas empresas são instituições financeiras.
Portanto, seu processo de recuperação será feito pelo próprio dono, sem o acompanhamento de uma autoridade de mercado para garantir que os direitos de todos os investidores sejam respeitados igualmente.
E a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), seria responsável por fiscalizar essas empresas? Também não. A CVM só é responsável por valores mobiliários, como ações, títulos, certificados. O Bitcoin foi definido na legislação brasileira como uma mercadoria, ou commodity, e portanto está fora da jurisdição da CVM. Seria como alguém comprar milho, soja, ou até ouro para revender.
Mas então, quem fiscaliza as operações dessas empresas, que podem movimentar centenas de milhões de reais de poupadores? A resposta é: ninguém. É um exemplo de como as novas tecnologias disruptivas acabam criando novos serviços e produtos financeiros que ultrapassam as barreiras dos reguladores mundiais. Por isso, alguns países, como a Coreia do Sul limitaram as operações com Bitcoins no ano passado, no auge da especulação. As autoridades sul-coreanas proibiram contas sem identificação de Bitcoins, o que limitou bastante o mercado.
No Brasil, há corretoras oficiais que também negociam Bitcoins, com uma margem de segurança um pouco maior, pois precisam ter estruturas que são reguladas pelo Banco Central em outras áreas. Mas o segmento de corretoras informais ainda é muito grande. Na falta de um regulador de mercado, as questões acabarão na Justiça, como já ocorreu nesta semana, com um juiz de Barretos determinando o bloqueio de bens de empresas da Bitcoin Bank.
Sem contar em empresas que oferecem o investimento em moedas digitais prometendo ganhos muito acima dos de mercado, nas quais o investidor nem sequer compra a moeda, mas apenas dá o dinheiro para a empresa fazer a gestão. É o caso da Unick Forex, e outras. Estas foram alvo de alertas da CVM por oferecerem gestão de ativos com rentabilidade garantida sem autorização.
No ano passado, a CVM divulgou um comunicado sobre ofertas públicas de moedas digitais, os Initial Coin Offerings (ICOs), explicando que só poderia atuar neles se se caracterizassem como ofertas de ativos mobiliários. Ao mesmo tempo, a autarquia fez uma lista de riscos para o investidor em criptomoeda.
i. Risco de fraudes e pirâmides financeiras;
ii. Inexistência de processos formais de adequação do perfil do investidor ao risco do empreendimento (suitability);
iii. Risco de lavagem de dinheiro ou de evasão fiscal ou de divisas;
iv. Atuação de prestadores de serviços sem observância da legislação aplicável;
v. Material publicitário de oferta que não observa a regulamentação da CVM;
vi. Riscos operacionais em ambientes de negociação não monitorados pela CVM;
vii. Riscos cibernéticos (dentre os quais, ataques à infraestrutura, sistemas e comprometimento de credenciais de acesso dificultando o acesso aos ativos ou a perda parcial ou total destes) associados à gestão e custódia dos ativos virtuais;
viii. Risco operacional associado a ativos virtuais e seus sistemas;
ix. Volatilidade associada a ativos virtuais;
x. Risco de liquidez (ou seja, risco de não encontrar compradores/vendedores para certa quantidade de ativos ao preço cotado) associado a ativos virtuais; e
xi. Desafios jurídicos e operacionais em casos de litígio com emissores, inerentes ao caráter multijurisdicional das operações com ativos virtuais.
Por fim, a CVM relembra que os investidores podem enviar denúncias ou reclamações sobre possíveis irregularidades em tais operações por meio dos canais de atendimento ao cidadão.