Juros baixos têm sido um grande incentivo para as vendas de imóveis, mas alta da Selic pode colocar esse ciclo em risco (Germano Lüders/Exame)
Bianca Alvarenga
Publicado em 18 de março de 2021 às 11h34.
Última atualização em 18 de março de 2021 às 13h13.
Na contramão de diversos segmentos da economia, o mercado imobiliário teve um desempenho espetacular durante 2020. As vendas de imóveis novos subiram 26% e o volume de crédito imobiliário avançou 58%. Mesmo com a crise causada pela pandemia do coronavírus, muitas famílias brasileiras se sentiram encorajadas a comprar a casa própria ou a mudar para um imóvel melhor.
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Boa parte desse estímulo veio dos juros. Com a queda da taxa básica de juros, a Selic, para 2% ao ano, o custo do crédito imobiliário também caiu para o menor valor da história. As taxas médias estão abaixo de 7% ao ano, de acordo com um levantamento feito pela Melhortaxa, plataforma que compara o custo dos financiamentos. Três anos atrás, esses juros estavam na casa dos dois dígitos.
Ontem, dia 17, o Banco Central reverteu o curso e decidiu a aumentar a Selic pela primeira vez em seis anos. A taxa básica foi de 2% para 2,75% ao ano, e a indicação da autoridade monetária foi de que mais aumentos estão por vir. A previsão dos economistas é de que a Selic chegará ao final do ano perto dos 5%.
Com os juros em trajetória de alta, a dúvida é se o principal motor do crescimento do setor imobiliário pode perder ritmo nos próximos meses.
"As taxas devem subir, não só por causa da alta da Selic prevista para 2021, mas também por causa da mudança no comportamento dos juros futuros. O financiamento imobiliário é um produto de longo prazo, então os bancos olham para os próximos 10 ou 15 anos antes de tomar decisões", diz Cristiane Portella, presidente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip).
Ainda que admita o possível encarecimento dos juros, a presidente da associação diz que a alta da Selic ainda levará um tempo para chegar às taxas cobradas dos novos clientes, o que tende a manter o setor aquecido. A Abecip prevê uma expansão de 27% no volume de financiamentos imobiliários em 2021.
Uma das razões para o repasse mais lento da alta dos juros é a "gordura" que os bancos ainda têm para queimar. Com a Selic a 2% e a taxa média de financiamento próxima de 7%, as instituições financeiras contavam uma "sobra" (spread) de quase 5%. Mesmo com a alta determinada ontem pelo Banco Central, essa diferença continua acima dos 4%.
"Apesar de a concorrência entre os bancos ter aumentado substancialmente nos últimos meses, esse spread já foi bem menor em um passado recente. Em 2019, a diferença entre os juros dos financiamentos e a Selic chegou a ser menor que 2%", lembra Rafael Sasso, cofundador da Melhortaxa.
Ele diz que a tendência é que as instituições diminuam esse spread antes de anunciar qualquer aumento, até para surfar a alta demanda de clientes que buscam a compra de um imóvel novo. Mas que a paralisação da economia, em razão do crescimento de casos e mortes por covid-19, pode fazer os bancos reavaliarem os planos, para medir o risco de inadimplência.
O fato de o Brasil viver o pior momento desde o início da pandemia adiciona bastante incerteza ao cenário econômico. O setor de construção civil, no entanto, tem conseguido se sair relativamente incólume aos fechamentos determinados pelas autoridades.
Para o presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), Luiz França, a alta dos juros não coloca em risco a força do setor. "Os preços dos imóveis continuam bastante atrativos, então mesmo que as taxas voltem a subir as condições de compra permanecem favoráveis", afirma.
Ele diz que a alta da Selic não deve empurrar os juros do crédito imobiliário para os dois dígitos, e que essa costuma ser uma boa linha de corte para o setor. "Enquanto os juros permanecerem abaixo dos 10%, a tendência é que as vendas continuem em alta", pontua França.